COM A CORDA NO PESCOÇO
Jack Nicholson, Goin' South, EUA, 1978

Há muitas formas de se tentar uma aproximação com um filme tão fechado em particularidades quanto este segundo longa de Jack Nicholson, muitas destas formas esbarrando diretamente numa tentativa de apreender mais sobre a persona de Nicholson, que para além de um grande ator é uma figura emblemática para um cinema que ainda pulsava naquele momento do cinema americano, do seu melhor (os faroestes de Hellman e os filmes de Bob Rafelson) ao seu pior (Chinatown). Uma tentativa de faroeste que termina por atirar mais para o ambiente do que para o gênero em si, Com a Corda no Pescoço é um filme difícil, baseado quase que inteiramente em cima de uma relação quase agressiva entre um casal errante, situando praticamente toda a ação do filme em uma fazenda afastada da civilização e habitada tão somente pelo casal.

A própria operação de trazer o filme em seus primeiros quinze minutos ultra-povoados, em que o personagem de Nicholson é capturado no deserto tentando chegar ao México e é levado à forca, é revelada em cena em uma duração exata que dá noção de que não mais estamos povoando aquele mesmo ambiente de outrora. Nicholson fora salvo da forca porque uma mulher (Mary Steenburgen) decidiu casar-se com o condenado, e, por alguma lei que só faz sentido dentro de um filme que ignora tais gêneros de sentido, os dois se casam e isto significa que ele foi perdoado de seus crimes (?). Nicholson se coloca dentro de um personagem bastante difícil, quase insuportável às vezes (sobretudo no começo), que habita um mundo cercado por pessoas incapazes de se relacionarem umas com as outras, onde impera a grosseria – traduzida com bastante talento para o corte por Nicholson – e não é realmente muito difícil notar o forte interesse que tem por esta completa incapacidade de relações. Ainda que o foco seja sempre o casal Nicholson-Steenburgen, sempre que a civilização é retomada o tom é mantido.

As formas que Nicholson encontra para trazer todas as questões que lhe interessam dentro destas relações são consideravelmente variadas, daí um tanto quanto irregulares. Quando permite aos atores todo um espaço para se soltarem, chegando a ser quase teatral em alguns momentos, abrindo o plano para que a ação se desenvolva na base de um possível improviso pautado, adentra outro problema que Nicholson acaba se impondo. Observando grande parte das atuações do filme sobressai a impressão de se estar vendo uma grande quantidade de pessoas interpretando Jack Nicholson, e como não poderia deixar de ser, ninguém consegue encontrar um equilíbrio over que funcione com a maestria que ele encontra, ainda que até mesmo ele em alguns momentos pareça encontrar alguma dificuldade. A exceção justa é feita à própria Mary Steenburgen, que de todos os atores que realmente têm algo a fazer (John Belushi é John Belushi, mas ele só caminha em cena), é a única que parece realmente contracenar com Nicholson, criando aos poucos dentro do filme uma química de atração-repulsa bastante especial.

Se Nicholson tem problemas com a questão direção de atores – o que não deixa de ser por si só um fator curioso –, quando faz as operações que lhe interessam trabalhando com elementos cinematográficos mais lúdicos encontra caminhos bem mais interessantes. Os tons mais grosseiros da relação de seu personagem com a de Steenburgen encontram seus melhores momentos quando Nicholson opta pelos contraplanos, escolhendo momentos exatos para os cortes, encontrando um tempo perfeito para o que desenvolve. Mesmo realizando um filme mais ambientado no do que exatamente do gênero faroeste, Nicholson demonstra em alguns planos ter plena capacidade visual para encontrar maneiras de construir um western, e são apenas estes poucos planos (como o de abertura do filme) que lhe serão necessários para estabelecer que por mais que opte por não atingir temas mais caros ao gênero, o cineasta conhece aquilo que está tateando.

Fica claro ainda assim que Nicholson tem sérias dificuldades em encenar ação mais direta, considerando que o único tiroteio de verdade do filme, além de literalmente ficar explícito não fazer quase nenhuma diferença ao que se mostra, tendo em vista a pressa com que Nicholson dá um jeito de pular fora dele, é encenado de um modo pelo qual o espaço cênico parece não fazer qualquer sentido, indo no completo oposto do resto do filme, em que Nicholson faz um uso bastante forte das possibilidades arquitetônicas do local. No observar tanto das dificuldades quanto dos grandes momentos que consegue retirar do filme, não deixa de ser algo a se lamentar que Nicholson não tenha uma obra mais extensa como cineasta. Contando ainda com A Chave do Enigma (90) e o raro Drive, He Said (71), ele mostra em diversos momentos aqui que enquanto cineasta pode exibir um domínio considerável de cinema, especialmente se mostrando um cineasta capaz de levantar questões, com um olhar muitas vezes bastante corajoso, sobretudo no final. Para se retornar.


Guilherme Martins