Há muitas formas de se tentar uma aproximação
com um filme tão fechado em particularidades
quanto este segundo longa de Jack Nicholson, muitas
destas formas esbarrando diretamente numa tentativa
de apreender mais sobre a persona de Nicholson, que
para além de um grande ator é uma figura
emblemática para um cinema que ainda pulsava
naquele momento do cinema americano, do seu melhor (os
faroestes de Hellman e os filmes de Bob Rafelson) ao
seu pior (Chinatown). Uma tentativa de faroeste
que termina por atirar mais para o ambiente do que para
o gênero em si, Com a Corda no Pescoço
é um filme difícil, baseado quase que
inteiramente em cima de uma relação quase
agressiva entre um casal errante, situando praticamente
toda a ação do filme em uma fazenda afastada
da civilização e habitada tão somente
pelo casal.
A própria operação de trazer o
filme em seus primeiros quinze minutos ultra-povoados,
em que o personagem de Nicholson é capturado
no deserto tentando chegar ao México e é
levado à forca, é revelada em cena em
uma duração exata que dá noção
de que não mais estamos povoando aquele mesmo
ambiente de outrora. Nicholson fora salvo da forca porque
uma mulher (Mary Steenburgen) decidiu casar-se com o
condenado, e, por alguma lei que só faz sentido
dentro de um filme que ignora tais gêneros de
sentido, os dois se casam e isto significa que ele foi
perdoado de seus crimes (?). Nicholson se coloca dentro
de um personagem bastante difícil, quase insuportável
às vezes (sobretudo no começo), que habita
um mundo cercado por pessoas incapazes de se relacionarem
umas com as outras, onde impera a grosseria – traduzida
com bastante talento para o corte por Nicholson – e
não é realmente muito difícil notar
o forte interesse que tem por esta completa incapacidade
de relações. Ainda que o foco seja sempre
o casal Nicholson-Steenburgen, sempre que a civilização
é retomada o tom é mantido.
As formas que Nicholson encontra para trazer todas as
questões que lhe interessam dentro destas relações
são consideravelmente variadas, daí um
tanto quanto irregulares. Quando permite aos atores
todo um espaço para se soltarem, chegando a ser
quase teatral em alguns momentos, abrindo o plano para
que a ação se desenvolva na base de um
possível improviso pautado, adentra outro problema
que Nicholson acaba se impondo. Observando grande parte
das atuações do filme sobressai a impressão
de se estar vendo uma grande quantidade de pessoas interpretando
Jack Nicholson, e como não poderia deixar de
ser, ninguém consegue encontrar um equilíbrio
over que funcione com a maestria que ele encontra,
ainda que até mesmo ele em alguns momentos pareça
encontrar alguma dificuldade. A exceção
justa é feita à própria Mary Steenburgen,
que de todos os atores que realmente têm algo
a fazer (John Belushi é John Belushi, mas ele
só caminha em cena), é a única
que parece realmente contracenar com Nicholson, criando
aos poucos dentro do filme uma química de atração-repulsa
bastante especial.
Se Nicholson tem problemas com a questão direção
de atores – o que não deixa de ser por si só
um fator curioso –, quando faz as operações
que lhe interessam trabalhando com elementos cinematográficos
mais lúdicos encontra caminhos bem mais interessantes.
Os tons mais grosseiros da relação de
seu personagem com a de Steenburgen encontram seus melhores
momentos quando Nicholson opta pelos contraplanos, escolhendo
momentos exatos para os cortes, encontrando um tempo
perfeito para o que desenvolve. Mesmo realizando um
filme mais ambientado no do que exatamente do
gênero faroeste, Nicholson demonstra em alguns
planos ter plena capacidade visual para encontrar maneiras
de construir um western, e são apenas
estes poucos planos (como o de abertura do filme) que
lhe serão necessários para estabelecer
que por mais que opte por não atingir temas mais
caros ao gênero, o cineasta conhece aquilo que
está tateando.
Fica claro ainda assim que Nicholson tem sérias
dificuldades em encenar ação mais direta,
considerando que o único tiroteio de verdade
do filme, além de literalmente ficar explícito
não fazer quase nenhuma diferença ao que
se mostra, tendo em vista a pressa com que Nicholson
dá um jeito de pular fora dele, é encenado
de um modo pelo qual o espaço cênico parece
não fazer qualquer sentido, indo no completo
oposto do resto do filme, em que Nicholson faz um uso
bastante forte das possibilidades arquitetônicas
do local. No observar tanto das dificuldades quanto
dos grandes momentos que consegue retirar do filme,
não deixa de ser algo a se lamentar que Nicholson
não tenha uma obra mais extensa como cineasta.
Contando ainda com A Chave do Enigma (90) e o
raro Drive, He Said (71), ele mostra em diversos
momentos aqui que enquanto cineasta pode exibir um domínio
considerável de cinema, especialmente se mostrando
um cineasta capaz de levantar questões, com um
olhar muitas vezes bastante corajoso, sobretudo no final.
Para se retornar.
Guilherme Martins
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