O CAPITÃO FRACASSO
Alberto Cavalcanti e Henry Wulshleger, Le Capitaine Fracasse, França, 1929

O Capitão Fracasso: na adaptação para o cinema do clássico de Théophile Gautier, Alberto Cavalcanti – até então ligado à vanguarda francesa da década de 20 – põe em prática a influência griffthiana, afastando-se do "teatro filmado" que caracteriza as obras realizadas nos primórdios da sétima arte em seu país de adoção.

Nobre falido, ao abrigar companhia teatral em viagem pela França, apaixona-se por uma das atrizes e resolve se unir ao grupo, segundo com ele até Paris para, em audiência com o rei, sanar a delicada situação financeira na qual se encontra. No meio do caminho, enquanto participa dos espetáculos com o personagem do Capitão Fracasso, ele precisa resgatar sua amada, mantida refém por arrogante membro da nobreza (um ainda jovem Charles Boyer) que lhe deseja a mão em casamento. Apesar da trama conhecida, que também origina, por exemplo, A Viagem do Capitão Tornado, de Ettore Scola, o principal foco de interesse da versão de Alberto Cavalcanti está no choque que ela estabelece entre propostas antagônicas: de um lado, a teatralização de textos literários consagrados, vertente dominante no cinema francês do início do século XX, e, de outro, a narrativa de ação construída a partir da linguagem sistematizada por Griffith nos EUA, com filmes como O Nascimento de Uma Nação e Intolerância.

Lançado em DVD no Brasil, O Nascimento, Vida, Paixão e Morte de N. S. Jesus Cristo, de Lucien Nonguet e Ferdinand Zecca, revela os mecanismos fílmicos utilizados no cinema pré-griffthiano. Via de regra, a câmera respeita o proscênio teatral, uma vez que o espaço que se coloca à frente da objetiva é registrado, em plano conjunto, como palco onde se desenrolam os acontecimentos. As ações começam e terminam nos limites traçados pelo enquadramento, em planos estanques que não se conectam aos demais, pois, como as cenas se fecham sobre elas mesmas e são independentes entre si, não se faz necessário encadeá-las através da montagem para que a narrativa do "teatro filmado" faça sentido aos olhos do espectador (ao contrário, pois, de O Capitão Fracasso, que nasce da soma de significados fragmentários e incompletos, de acordo com o cinema clássico-narrativo com o qual se alinha).

Embora integre, junto a Abel Gance, Jean Epstein e Marcel L’Herbier, o movimento de vanguarda francês, o primeiro filme do diretor, Rien que les Heures, demonstra-o: espécie de sinfonia de cidade, como em voga nos anos 20, flagra fatos cotidianos esparsos e em aparência isolados de Paris durante um dia, mas os unifica sob o conceito da eternidade do tempo e da vastidão do espaço, quando comparados à pequeneza do homem –, Alberto Cavalcanti, em O Capitão Fracasso, segue D. W. Griffith. Assim, vê-se na tela a aproximação da câmera ao corpo dos atores, de modo que tanto rompe com o espaço cênico real pressuposto pelo palco, quanto cria espaço abstrato e virtual que, mediado pela montagem, gera a ilusão de unicidade, de continuidade e, por conseguinte, de realidade. Não mais restritas e enclausuradas num único plano, as ações se expandem e se desenvolvem igualmente nos quadros anteriores e posteriores: a edição se torna fundamental para o entendimento do filme, já que não apenas permite o corte do plano aberto para o fechado, e vice-versa, dentro da mesma cena, como também, e sobretudo, propicia o corte em movimento, o qual, ao propagar as atitudes dos personagens de um plano a outro e mesmo de uma seqüência a outra, dá o dinamismo e a energia requeridas pelo "filme de aventura" que O Capitão Fracasso tenciona ser.

Portanto, O Capitão Fracasso não se fia na literatura, no teatro ou na vanguarda: trata-se de narrativa cheia de percalços que visa ao divertimento da platéia. Para tanto, aposta na ação desenfreada e na correria, fórmula usada até hoje no cinema de Hollywood, contudo sem a qualidade do filme realizado por Cavalcanti há mais de setenta anos.

Paulo Ricardo de Almeida