Concebido
no começo dos anos 80 numa parceria entre John
Landis e Steven Spielberg para homenagear o Twilight
Zone refilmando quatro de seus episódios
(na verdade o primeiro é um roteiro inédito),
série que em terras americanas tem um efeito
cultural enorme, sobretudo na geração
destes cineastas (além de Landis e Spielberg,
Joe Dante e George Miller dirigem episódios aqui).
Dentro da obra de Landis o longa vem a ter um significado
histórico considerável, o acidente envolvendo
um helicóptero que estava em cena mata o ator
(e protagonista do episódio) Vic Morrow e mais
duas crianças, o que surge como um fator de pressão
forte para com a carreira do então jovem cineasta
em ascensão. Mas para além de todas as
questões que a morte de Morrow pode aplicar comercialmente
ou judicialmente, diversas questões se abrem
para a conclusão deste trabalho, afinal como
organizar estruturalmente um filme interrompido?
Os problemas deste episódio não se resumem
aos de montagem, onde pode-se ver muitas questões
e caminhos, mesmo com todos os problemas possíveis
surgindo. A questão mais complicada é
a idéia politicamente direta que permeia todo
o curta. O personagem de Morrow é basicamente
um sujeito rico, racista, fascista e enfim, portador
de todos os preceitos reacionários que muitos
dos personagens aos quais Landis costuma colocar em
questão em suas comédias também
possuem – este sujeito será jogado em diversas
realidades onde em cada uma delas sofrerá se
tornando cada um daqueles que desdenhou. Não
é preciso muito esforço para apontar todos
os milhares de problemas ideológicos que o curta
pode vir a ter, mas o grande problema talvez seja observar
como estes problemas tem laços com as idéias
políticas de Landis em todos os seus filmes.
Há uma diferença muito clara na forma
de chegar a muitas destas idéias – Landis em
alguns momentos parece levar o filme num tom bastante
complicado, até mesmo pouco consciente, o que
coloca o trabalho na contramão da sua obra –,
algo como se os dispositivos escolhidos por Landis aqui
pura e simplesmente não funcionassem, mas não
surpreende a quem conhece a obra de Landis porque ele
poderia vir a escolher esta idéia como a que
gostaria de realizar. Para um projeto com idéias
tão complicadas, o resultado parece um tanto
quanto sossegado demais com estes conceitos, como se
Landis buscasse muito mais um trabalho de artesanato
bem feito que conseguisse homenagear a altura a série,
o que é um bocado complicado quando se adentra
temas tão delicados de forma tão direta.
O episódio trás uma idéia quase
cíclica, mas não é difícil
notar como aos poucos o filme vai se tornando caótico
estruturalmente até que se feche de uma forma
abrupta. A seqüência final, certamente rodada
antes do acidente com o helicóptero, é
coesa com um filme que se inicia, mas é um óvni
diante do filme que parece existir no miolo – o conceito
moral da fabula está todo lá, e com todos
os seus problemas, mas há algo de muito estranho
na mudança de tom. Pode-se até concluir
que Landis não conseguiu conciliar tão
bem os problemas de montagem – lembrando que Landis
tem a montagem como um de seus trunfos – mas o fato
de permitir que de certo modo os problemas que teve
para realizar o filme surjam no resultado final já
é no mínimo um fator de bastante interesse,
transformando o filme num reflexo estético dos
problemas de bastidores. Talvez o grande problema então
seja que enquanto trabalho de artesão o curta
não se sustente, dado o ritmo e construção
estranha de sua montagem, por mais que ressoem diversas
soluções bastante interessantes por parte
de Landis, sobretudo quanto a parte do Vietnã.
Se o episódio aponta mais interesses do que os
desenvolve bem, o prólogo que lhe precede, também
comandado por Landis, sucede em muito o episódio,
mesmo com sua aparente menor ambição.
Feito como uma situação básica
(dois personagens em um carro, madrugada, estrada vazia)
para servir de introdução ao longa, Landis
coloca em prática todas as noções
de artesanato que parecem não funcionar no episódio
que se segue. Numa linha tênue entre suspense
e humor – os anos 80 dispensam sutileza, John Landis
sempre nos lembra – mesmo que preso a uma situação
fechada, Landis parece de certa forma bem mais em seu
território, tendo até mesmo Dan Aykroyd
em cena. Habilidoso (e talentoso), Landis tira deste
prólogo tudo o que dali se pode retirar, chegando
a ser um problema para o longa como um todo só
vir a ter um episódio que esteja neste nível
(na realidade, acima deste) já na sua segunda
metade, com o episódio de Joe Dante.
Todavia, Twiligth Zone já aponta os problemas
que Landis poderia vir a ter futuramente sem a liberdade
na montagem – no mesmo ano o cineasta viria a realizar
Trocando as Bolas, uma aula no assunto – e por
mais que o prólogo aponte para um Landis artesão
como poucos, as dificuldades estruturais de trabalhos
de artesanato como os realizados por ele ficam bastante
claras quando são postos lado a lado dois curtas
que passam por processos muito diferentes de montagem.
Para além do prólogo de Landis, há
ainda no longa dois belos episódios de Dante
e Miller, e um modorrento de Spielberg, talvez o que
de pior o cineasta já rodou. Ao todo o longa
é mais um objeto interessante dos anos 80 do
que exatamente algo de relevante dentro da carreira
dos cineastas, mas não deixa de levantar suas
questões e problemas.
Guilherme Martins
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