ALÉM DA IMAGINAÇÃO – O FILME
Prólogo e episódio 1
John Landis, Twilight Zone – The Movie, EUA, 1983

Concebido no começo dos anos 80 numa parceria entre John Landis e Steven Spielberg para homenagear o Twilight Zone refilmando quatro de seus episódios (na verdade o primeiro é um roteiro inédito), série que em terras americanas tem um efeito cultural enorme, sobretudo na geração destes cineastas (além de Landis e Spielberg, Joe Dante e George Miller dirigem episódios aqui). Dentro da obra de Landis o longa vem a ter um significado histórico considerável, o acidente envolvendo um helicóptero que estava em cena mata o ator (e protagonista do episódio) Vic Morrow e mais duas crianças, o que surge como um fator de pressão forte para com a carreira do então jovem cineasta em ascensão. Mas para além de todas as questões que a morte de Morrow pode aplicar comercialmente ou judicialmente, diversas questões se abrem para a conclusão deste trabalho, afinal como organizar estruturalmente um filme interrompido?

Os problemas deste episódio não se resumem aos de montagem, onde pode-se ver muitas questões e caminhos, mesmo com todos os problemas possíveis surgindo. A questão mais complicada é a idéia politicamente direta que permeia todo o curta. O personagem de Morrow é basicamente um sujeito rico, racista, fascista e enfim, portador de todos os preceitos reacionários que muitos dos personagens aos quais Landis costuma colocar em questão em suas comédias também possuem – este sujeito será jogado em diversas realidades onde em cada uma delas sofrerá se tornando cada um daqueles que desdenhou. Não é preciso muito esforço para apontar todos os milhares de problemas ideológicos que o curta pode vir a ter, mas o grande problema talvez seja observar como estes problemas tem laços com as idéias políticas de Landis em todos os seus filmes. Há uma diferença muito clara na forma de chegar a muitas destas idéias – Landis em alguns momentos parece levar o filme num tom bastante complicado, até mesmo pouco consciente, o que coloca o trabalho na contramão da sua obra –, algo como se os dispositivos escolhidos por Landis aqui pura e simplesmente não funcionassem, mas não surpreende a quem conhece a obra de Landis porque ele poderia vir a escolher esta idéia como a que gostaria de realizar. Para um projeto com idéias tão complicadas, o resultado parece um tanto quanto sossegado demais com estes conceitos, como se Landis buscasse muito mais um trabalho de artesanato bem feito que conseguisse homenagear a altura a série, o que é um bocado complicado quando se adentra temas tão delicados de forma tão direta.

O episódio trás uma idéia quase cíclica, mas não é difícil notar como aos poucos o filme vai se tornando caótico estruturalmente até que se feche de uma forma abrupta. A seqüência final, certamente rodada antes do acidente com o helicóptero, é coesa com um filme que se inicia, mas é um óvni diante do filme que parece existir no miolo – o conceito moral da fabula está todo lá, e com todos os seus problemas, mas há algo de muito estranho na mudança de tom. Pode-se até concluir que Landis não conseguiu conciliar tão bem os problemas de montagem – lembrando que Landis tem a montagem como um de seus trunfos – mas o fato de permitir que de certo modo os problemas que teve para realizar o filme surjam no resultado final já é no mínimo um fator de bastante interesse, transformando o filme num reflexo estético dos problemas de bastidores. Talvez o grande problema então seja que enquanto trabalho de artesão o curta não se sustente, dado o ritmo e construção estranha de sua montagem, por mais que ressoem diversas soluções bastante interessantes por parte de Landis, sobretudo quanto a parte do Vietnã.

Se o episódio aponta mais interesses do que os desenvolve bem, o prólogo que lhe precede, também comandado por Landis, sucede em muito o episódio, mesmo com sua aparente menor ambição. Feito como uma situação básica (dois personagens em um carro, madrugada, estrada vazia) para servir de introdução ao longa, Landis coloca em prática todas as noções de artesanato que parecem não funcionar no episódio que se segue. Numa linha tênue entre suspense e humor – os anos 80 dispensam sutileza, John Landis sempre nos lembra – mesmo que preso a uma situação fechada, Landis parece de certa forma bem mais em seu território, tendo até mesmo Dan Aykroyd em cena. Habilidoso (e talentoso), Landis tira deste prólogo tudo o que dali se pode retirar, chegando a ser um problema para o longa como um todo só vir a ter um episódio que esteja neste nível (na realidade, acima deste) já na sua segunda metade, com o episódio de Joe Dante.

Todavia, Twiligth Zone já aponta os problemas que Landis poderia vir a ter futuramente sem a liberdade na montagem – no mesmo ano o cineasta viria a realizar Trocando as Bolas, uma aula no assunto – e por mais que o prólogo aponte para um Landis artesão como poucos, as dificuldades estruturais de trabalhos de artesanato como os realizados por ele ficam bastante claras quando são postos lado a lado dois curtas que passam por processos muito diferentes de montagem. Para além do prólogo de Landis, há ainda no longa dois belos episódios de Dante e Miller, e um modorrento de Spielberg, talvez o que de pior o cineasta já rodou. Ao todo o longa é mais um objeto interessante dos anos 80 do que exatamente algo de relevante dentro da carreira dos cineastas, mas não deixa de levantar suas questões e problemas.


Guilherme Martins