PLANO DE RISCO
John Landis, Susan's Plan, EUA, 1998

O mais autoral dos projetos que John Landis conseguiu concretizar durante a década de 1990 – assinando produção, roteiro e direção –, Plano de Risco transparece a todo momento ser um filme cujo tema central é a famosa Lei de Murphy, ou seja, se alguma coisa pode dar errado, dará. Contrastando com o entusiasmo inicial de Susan (Nastassja Kinski) e seu amante (Billy Zane), quando este afirma "Acho que pode dar certo", tudo que veremos a seguir, durante a concretização do "plano de Susan", que logo saberemos ser o assassinato de seu ex-marido, é o fracasso completo das estratégias das personagens. Fracasso esse que é a todo tempo anunciado, através dos sucessivos sonhos que entrecortam a narrativa.

Como foi comum ao longo de sua carreira, Landis parte de um argumento que reverencia os gêneros clássicos do cinema, no caso o film noir. Seu ponto de partida é o mesmo de um dos trabalhos mais exemplares do gênero: Pacto de Sangue, de Billy Wilder, ou seja, mulher trama com o amante corretor de seguros a morte do marido para que possam receber o dinheiro da apólice. A isso, Landis soma os elementos de ironia e comédia, que também remetem ao cinema do passado, como a dupla de trapalhões transformados em assassinos (Rob Schneider e Michael Biehn), que, ao se unirem à personagem de Zane, vivenciam situações dignas dos Três Patetas, referência essa assumida em uma fala de Nastassja. Susan, por sinal, acaba por se caracterizar como uma figura interessantemente ambígua, pois, ao contrário daquela que seria seu modelo – a sempre intrigante e maliciosa Barbara Stanwyck do filme de Wilder – guarda uma certa ingenuidade, digna das personagens vividas por Marilyn Monroe. Landis incorpora também referências de cineastas recentes, ficando bastante clara a presença – vista de de forma um tanto debochada, não devemos esquecer – de elementos sedimentados pela obra de Quentin Tarantino ou por seus diluidores.

Landis impõe a Plano de Risco um rítmo objetivo, onde a trama se limita ao essencial. É tudo bastante direto, num roteiro que não se furta em fazer uso de elipses e que estabelece de maneira gradativa relações entre personagens que, a princípio, poderiam ter orígens díspares, o que acaba resultando positivamente em enxutos 85 minutos de projeção. Tudo isso reflete, não apenas de forma referencial, mas também na concretização de um esquema de produção, o cinema-B da época de ouro de Hollywood, para o qual Plano de Risco pode ser considerado um correspondente moderno. Trabalhar dessa forma – produção de baixo custo, de companhia independente, longe do esquema das grandes companhias – parece ter sido a única opção para que Landis pudesse levar a termo um projeto, a seu modo, um tanto ousado para os padrões da mesmice dos estúdios, e que une elementos de classicismo a uma pulsante vulgaridade (com cenas de sexo e nudez gratuita) num processo bastante semelhante ao que John Mc Naughton experimentaria três anos depois com Falando de Sexo.

Se no fim das contas Plano de Risco não atinge a grandeza do Landis da década de 80, chegando a perder um pouco de sua pegada inicial na segunda metade, quando já se encontram completamente estabelecidas as relações entre as personagens e definido o clima de inevitavel fracasso para a trama criminal, o filme impressiona, principalmente por momentos inusitados, que tangenciam algum experimentalismo. O mais interessante deles aquele no qual as personagens, enquanto aguardam a chegada da noite para a segunda tentativa de assassinato no hospital, tentam retomar suas atividades cotidianas, com Nastassja dando aula de música às crianças de uma escola primária, ou Biehn invadindo a casa de um primo para jogar videogame. Outros momentos inteligentemente inusitados mostram Susan aguardando seus comaparsas concretizarem o crime lendo Stephen King no carro ou tomando um drinque à beira da piscina com o motoqueiro vivido por Dan Aykroyd (ótimo) quando esse finalmente leva a cabo o assassinato.

Porém, acima de tudo o que já foi dito, e levando sempre em conta que Landis nunca deixa de ser um cineasta auto-referencial, não podemos deixar de destacar que, mais que dizer sobre o fracasso do plano criminal bolado pelas personagens, Plano de Risco trata, indiretamente, de todo o fracasso de um projeto de cinema. Vale ressaltar que a primeira imagem que o filme mostra é a de um cinema de rua abandonado, seguida da figura do famoso letreiro da colina de Hollywood. Tais imagens, saudosistas, contrastam com as repetidas imagens de aulas de ginastica e culto ao corpo exibidas em todos os aparelhos de TV que aparecem durante o filme, que não deixam de destacar uma valorização do superficial e das aparências. Reflexo para a imerecida decadência e falta de reconhecimento que marcaram a carreira recente, não somente do diretor, mas também de sua atriz principal, figuras célebres e importantes na indústria durante a década de 80. Um pessimismo latente que vem da total consciência de que, assim como para os cinemas de rua, não existe mais espaço para cineastas que, como Landis, insistem em correr determinados riscos.


Gilberto Silva Jr.