O mais autoral dos projetos que John Landis conseguiu
concretizar durante a década de 1990 – assinando
produção, roteiro e direção
–, Plano de Risco transparece a todo momento
ser um filme cujo tema central é a famosa Lei
de Murphy, ou seja, se alguma coisa pode dar errado,
dará. Contrastando com o entusiasmo inicial de
Susan (Nastassja Kinski) e seu amante (Billy Zane),
quando este afirma "Acho que pode dar certo",
tudo que veremos a seguir, durante a concretização
do "plano de Susan", que logo saberemos ser
o assassinato de seu ex-marido, é o fracasso
completo das estratégias das personagens. Fracasso
esse que é a todo tempo anunciado, através
dos sucessivos sonhos que entrecortam a narrativa.
Como foi comum ao longo de sua carreira, Landis parte
de um argumento que reverencia os gêneros clássicos
do cinema, no caso o film noir. Seu ponto de
partida é o mesmo de um dos trabalhos mais exemplares
do gênero: Pacto de Sangue, de Billy Wilder,
ou seja, mulher trama com o amante corretor de seguros
a morte do marido para que possam receber o dinheiro
da apólice. A isso, Landis soma os elementos
de ironia e comédia, que também remetem
ao cinema do passado, como a dupla de trapalhões
transformados em assassinos (Rob Schneider e Michael
Biehn), que, ao se unirem à personagem de Zane,
vivenciam situações dignas dos Três
Patetas, referência essa assumida em uma fala
de Nastassja. Susan, por sinal, acaba por se caracterizar
como uma figura interessantemente ambígua, pois,
ao contrário daquela que seria seu modelo – a
sempre intrigante e maliciosa Barbara Stanwyck do filme
de Wilder – guarda uma certa ingenuidade, digna das
personagens vividas por Marilyn Monroe. Landis incorpora
também referências de cineastas recentes,
ficando bastante clara a presença – vista de
de forma um tanto debochada, não devemos esquecer
– de elementos sedimentados pela obra de Quentin Tarantino
ou por seus diluidores.
Landis impõe a Plano de Risco um rítmo
objetivo, onde a trama se limita ao essencial. É
tudo bastante direto, num roteiro que não se
furta em fazer uso de elipses e que estabelece de maneira
gradativa relações entre personagens que,
a princípio, poderiam ter orígens díspares,
o que acaba resultando positivamente em enxutos 85 minutos
de projeção. Tudo isso reflete, não
apenas de forma referencial, mas também na concretização
de um esquema de produção, o cinema-B
da época de ouro de Hollywood, para o qual Plano
de Risco pode ser considerado um correspondente
moderno. Trabalhar dessa forma – produção
de baixo custo, de companhia independente, longe do
esquema das grandes companhias – parece ter sido a única
opção para que Landis pudesse levar a
termo um projeto, a seu modo, um tanto ousado para os
padrões da mesmice dos estúdios, e que
une elementos de classicismo a uma pulsante vulgaridade
(com cenas de sexo e nudez gratuita) num processo bastante
semelhante ao que John Mc Naughton experimentaria três
anos depois com Falando de Sexo.
Se no fim das contas Plano de Risco não
atinge a grandeza do Landis da década de 80,
chegando a perder um pouco de sua pegada inicial na
segunda metade, quando já se encontram completamente
estabelecidas as relações entre as personagens
e definido o clima de inevitavel fracasso para a trama
criminal, o filme impressiona, principalmente por momentos
inusitados, que tangenciam algum experimentalismo. O
mais interessante deles aquele no qual as personagens,
enquanto aguardam a chegada da noite para a segunda
tentativa de assassinato no hospital, tentam retomar
suas atividades cotidianas, com Nastassja dando aula
de música às crianças de uma escola
primária, ou Biehn invadindo a casa de um primo
para jogar videogame. Outros momentos inteligentemente
inusitados mostram Susan aguardando seus comaparsas
concretizarem o crime lendo Stephen King no carro ou
tomando um drinque à beira da piscina com o motoqueiro
vivido por Dan Aykroyd (ótimo) quando esse finalmente
leva a cabo o assassinato.
Porém, acima de tudo o que já foi dito,
e levando sempre em conta que Landis nunca deixa de
ser um cineasta auto-referencial, não podemos
deixar de destacar que, mais que dizer sobre o fracasso
do plano criminal bolado pelas personagens, Plano
de Risco trata, indiretamente, de todo o fracasso
de um projeto de cinema. Vale ressaltar que a primeira
imagem que o filme mostra é a de um cinema de
rua abandonado, seguida da figura do famoso letreiro
da colina de Hollywood. Tais imagens, saudosistas, contrastam
com as repetidas imagens de aulas de ginastica e culto
ao corpo exibidas em todos os aparelhos de TV que aparecem
durante o filme, que não deixam de destacar uma
valorização do superficial e das aparências.
Reflexo para a imerecida decadência e falta de
reconhecimento que marcaram a carreira recente, não
somente do diretor, mas também de sua atriz principal,
figuras célebres e importantes na indústria
durante a década de 80. Um pessimismo latente
que vem da total consciência de que, assim como
para os cinemas de rua, não existe mais espaço
para cineastas que, como Landis, insistem em correr
determinados riscos.
Gilberto Silva Jr.
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