- Life mocks me even in death!
Entre todos os trabalhos de John Landis, e vale
ressaltar tratar-se de uma carreira que prima por um
certo frescor de idéias, Um Lobisomem Americano
em Londres ressoa o mais "jovem", essa
expressão sendo empregada nas mais variadas possibilidades.
Um momento em que tudo parece dar certo, das escolhas
mais relevantes às menos relevantes, mas acima
de tudo um trabalho complicadíssimo em exercício.
Landis costuma comentar que teve dificuldade ao longo
da década de 70 em convencer alguém de
que poderia conciliar a comédia e o horror de
forma satisfatória, e por mais que diante do
resultado final (e de todo uma filmografia que a seguiu)
pareça um absurdo tal questionamento, é
bastante pertinente o ponto de interrogação
lhe imposto, e de certa forma como Landis transforma
o próprio filme na resposta perfeita. Tanto a
comédia quanto o horror são gêneros
que exigem particularidades muito diretas, conciliar
ambos da forma como Landis pretendia era uma tarefa
mais do que árdua, especialmente tendo em conta
que o filme alterna os mais variados do tons, do surreal
(nos sonhos de David) ao autenticamente engraçado
(David correndo nu por Londres), do desesperador (a
despedida de David e Alex) ao horror (perseguição
no metrô). As formas como Landis consegue conciliar
tantos gêneros e possibilidades de cinema com
tamanho equilíbrio são realmente impressionantes,
tendo em conta que o entrelaçamento de tudo é
tão bem encaixado que nada soa ultra controlado
ao ponto de perder a força. O controle de tempo
das cenas, o momento do corte, a cadência perfeita
para o filme.
As opções de montagem são bastante
curiosas, com Landis optando por fugir de uma idéia
mais básica de horror-comédia, misturando
seus tradicionais cortes pouco sutis à um certo
tipo de montagem quase surrealista. As seqüências
com David no hospital são bastante impressionantes
neste sentido, com encaixe entre os primeiros contatos
de David com Alex e o Dr. Hirsch e as descobertas aos
poucos do que estava acontecendo, e sonhos onde David
vai aos poucos assimilando instintivamente suas novas
tendências: as de um lobo. Ainda há espaço
para pesadelos angustiantes com monstros nazistas (o
personagem é um judeu), além de diversos
jogos de gênero, como quando David repentinamente
se transforma em um monstro, cena que só funciona
porque Landis corta no momento exato em que aquilo poderia
se tornar simplesmente bobo. Algumas das seqüências
de sonhos são por si só impecáveis,
David caçando como um lobo, a cama do hospital
no meio da mata, o passeio da câmera pela mata
como se fosse o animal correndo. No momento em que David
já não mais tinha discernimento entre
sonho e realidade, é que ele enfim está
pronto para receber a visita de seu amigo Jack, que
não deixa de continuar sendo uma ilusão
visto que somente ele consegue travar este contato.
O timing entre os sonhos surreais, com ápice
na aparição dos monstros, e o momento
em que enfim real e surreal tem de caminhar juntos
o encontro com Jack é perfeito, tão
pouco o contato é travado mais diretamente e
o filme já se sente livre para retirar David
do ambiente do hospital.
O trabalho de Landis com as locações também
parece encontrar um momento perfeito, com o cineasta
encontrando em cada um destes locais as melhores opções.
Dos planos extremamente abertos nos campos rurais às
grandes avenidas e praças, Landis sempre busca
uma forma bastante aberta de captar as paisagens urbanas
londrinas. As cenas no Piccadilly Center, onde fica
o cinema em que David conversa pela última vez
com Jack (e agora também com suas vitímas)
e acaba se soltando em meio a noite movimentada, foram
possivelmente das mais trabalhosas, e fica bastante
claro as diferenças de tons entre o momento que
é dia, antes de David entrar no cinema para falar
com Jack, e após já ter se tornado lobisomem,
quando os planos deixam de ser abertos e de captarem
uma certa expansividade do local e passam a ser fechados
e caóticos, com cortes rápidos, e toda
uma construção de bagunça digna
de quem realizou a passeata final de Animal House,
com direito a diversas batidas de carro, pessoas sendo
atropeladas, o lobisomem arrancando cabeças
há muito, muito mesmo em comum na construção
deste ato final de Lobisomem Americano com o
ato final de Animal House, quase que como se
Landis aperfeiçoasse aqui ainda mais estruturalmente
aquilo. Em Lobisomem tudo ganha tons mais passionais,
a chegada dos policiais, Alex correndo para chegar há
tempo de salvar David, e há menos uma idéia
artesanal de um plano a ser executado como o que ocorre
em Animal House, são conceitos diferentes,
ainda que os dispositivos de Landis para alcançar
esse caos completo em ambas as cenas sejam muito parecidos.
Entre todos os usos magníficos de locações,
embora no Piccadilly Circus haja trabalho incrível
de entrecortes, é na seqüência da
estação de metrô que Landis encontra
sua locação perfeita. Abandonando a idéia
de se mostrar o lobisomem, naquele momento já
mostrado várias vezes e posteriormente muitas
outras, em troca de um efeito lúdico em que a
câmera toma o ponto de vista do animal. A estação
vazia é explorada de todas as formas, com um
incrível trabalho de profundidade nos planos,
sempre durando o tempo certo, em que o homem é
perseguido pelo lobisomem. Landis fecha a seqüência
primordialmente onde abrindo levemente o plano diante
do homem no pé da escada rolante, constrói
o olhar do lobisomem e dá toda a idéia
do tamanho absurdo que a criatura teria. Não
é preciso mostrar mais nada, o corte surgindo
no momento exato.
As opções de elenco também traçam
desafios interessantes à Landis. O cineasta literalmente
recusa a oferta de ter em mãos autênticos
comediantes (e amigos pessoais) como Dan Aykroyd e John
Belushi e opta por usar atores bem mais econômicos
e contidos, abrindo espaço para o estudo dos
gêneros sem tender tanto para nenhum lado. Não
é como se David Naughton, Griffin Dunne, Jenny
Agutter e John Woodvine não fossem expressivos,
mas o tipo de liberdade que eles permitem abria espaços
bem mais interessantes a este filme. Um performer
como Belushi, por mais genial que o fosse (e era um
absolutamente genial), tiraria a atenção
necessária de certos focos que careciam mais
aqui em importância. Landis trabalha muito este
aspecto de economia com os atores, como na cena onde
após expulsar David e Jack do pub, os olhares
dos dois homens que os expulsaram se auto-condenavam
mais do que qualquer palavra. Ajuda muito também
que Naughton e Agutter tenham estabelecido uma química
forte, o que dá um equilíbrio entre intimidade
e desconforto de uma relação recém
iniciada mas que acima de tudo servem ao filme na
medida em que funcionam em todos os focos do filme.
O trabalho com os laços emocionais dos personagens
tal qual em seus filmes mais pessoais como Um Romance
Muito Perigoso e Inocente Mordida é
um tanto trabalhado, com a amizade de David e Jack sendo
mais explorada até mesmo após o encontro
com o lobisomem. A insistência em retornar para
prevenir David a cena do espelho chega a ser lugar
comum, mas também é um primor de encenação
ou quando defende David diante dos outros mortos-vivos
para que não corra o risco de sofrer no ato do
suicídio (do you mind? Hes a friend of mine).
David se despedindo de Alex em praça pública
e acima de tudo uma cena bastante forte com ele ligando
para os EUA em busca de informar a família que
os ama antes de tentar em vão se suicidar pela
primeira vez, são algumas das cenas fortes envolvendo
o protagonista. Nesse sentido, David vai se assemelhar
em muito com a protagonista de Inocente Mordida.
Landis defende a divertida tese de que o lobisomem é
o verdadeiro bobão o cara que não tem
como ganhar, destinado ao fracasso. David Naughton parece
perfeito nesse sentido, encarnando todos os aspectos
mais atrapalhados para um sujeito que se mete na pior
situação que alguém poderia se
meter. Ele é um herói que precisa fazer
apenas um ato, descobrir ele mesmo que tem de morrer
(e que isso inclui abandonar aquilo que tem demais valioso
Alex). É claro que a situação
é muito mais complicada que o mero fato de se
ser o "bobão", mas não é
difícil ver como as coordenadas de Landis para
Naughton sempre apontavam para este lado. Não
é a toa que ele e Jack começam o filme
em meio há um caminhão cheio de ovelhas.
Landis não é sutil e não se interessa
pela sutileza por ela mesma embora seu trabalho com
cortes e cuidado com tempo seja dos mais sutis, eles
não apontam para algo necessariamente sutil.
Quando David pergunta a Alex como ela faz para se virar
com pouco dinheiro, um corte seco nos leva ao ônibus
abarrotado de punks coloridos, com David como o bobão
(sempre).
Há ainda a seqüência no cinema pornô,
uma verdadeira pérola com Jack introduzindo a
David suas vítimas da noite passada. Uma das
seqüências mais genuinamente engraçadas,
em autenticíssimo território Landis, ainda
conta com as seqüências mais inacreditáveis
do filme pornô. A chegada do guarda mais tarde
para conferir estava acontecendo gera no mínimo
um plano muito bom que o coloca com o filme cobrindo
todo o fundo, e o corte perfeito para um dos momentos
em que o lobisomem de Rick Baker mais parece realista
como o único contraplano possível. Outra
seqüência nesta linha é ainda no pub
no começo do filme, quando já animados
os freqüentadores começam uma piada, a pior
piada do mundo, sobre o Álamo, e a única
reação possível se torna a pergunta
de Jack sobre as velas e a estrela de cinco pontas.
São incontáveis as seqüências
em que a montagem-encenação de Landis
nos brinda com as respostas-questões perfeitas
para o que lhe é imposto.
Em última instância, retornando mais uma
vez as locações, Landis vai aos poucos
trazendo o filme das regiões rurais, com os longos
campos e estradas, os belos planos abertos quase irônicos
ao som de Blue Moon que abrem espaço para
que nossos protagonistas adentrem a cena, até
que as poucos vai se urbanizando. No hospital existe
o ambiente fechado com alguns lapsos ainda do campo,
e logo o filme vai se abrindo para as avenidas e praças
londrinas. Começam a surgir néons coloridos
e chamativos, completamente opostos às paisagens
que abrem o filme. O caos passa a imperar, e o filme
vai se encerrar em um beco sem saída. Um corte
no exato momento em que o que interessa ao filme cessa.
Blue Moon de novo. Final perfeito para este que
é um dos grande estudos das possibilidades do
gênero como cinema, e do cinema como gênero.
Alias, um dos grandes do cinema.
Guilherme Martins
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