LANÇAMENTOS DO MÊS EM DVD
coluna mensal

COLEÇÃO W. C. FIELDS:
Seis Curtas de W.C Fields, Vários
O Selvagem, Gregory La Cava
O Guarda, Edward Cline
(Magnus Opus)

O tempo não foi muito justo com W.C. Fields, que hoje está bem esquecido (ao menos fora dos EUA). Boa oportunidade, portanto, é essa caixa da Magnus Opus, até porque o comediante mal humorado e impaciente casa bem com estes tempos em que é cool fazer humor politicamente incorreto. Mais interessante do que Fields (que não é nenhum Groucho Marx ou Harold Lloyd), são particularidades da seleção. O menos interessante dos filmes é o mais famoso, O Guarda, que sofre com uma direção arrastada, mas tem lá a sua graça, especialmente quando Fields se vê acidentalmente empregado como diretor de cinema. O Selvagem nós dá rara oportunidade de nos encontrarmos com Gregory La Cava, um dos grandes cultores da comédia sofisticada dos anos 30 (atenção para Irene, a Teimosa, existente em VHS), em início da carreira. La Cava e Fields é um casamento de sensibilidades muito estranho, o que por si só é motivo para conferi-lo. Por fim, a irregular seleção de curtas inclui dois filmes de Arthur Ripley, uma das interessantes carreiras obscuras de Hollywood (que vai da década de 10 até o final dos anos 50), responsável por perolas como o noir surrealista The Chase e o road movie existencial Thunder Road (um autêntico precursor de Monte Hellman). Não se trata do melhor trabalho de Ripley, mas na ausência de filmes maiores dele está valendo.

 
O PREÇO DE UMA VERDADE, de Billy Ray
Shattered Glass, EUA, 2003
(Columbia)

Pode-se apontar nesta estréia do diretor Billy Ray um excesso de cacoetes de cinema independente americano, assim como um visual duro que deixa bem claro as origens como roteirista do diretor. Mesmo assim, é difícil negar a boa mão dele para com os atores, e especialmente a habilidade com que nos conduz pela história verídica do jovem jornalista que produziu divertidas matérias ficcionais durante anos numa das revistas semanais mais respeitadas dos EUA. Ray é especialmente feliz na forma como sugere as diferentes maneiras pelas quais colegas, amigos e leitores se dispõem a comprar as mentiras do farsante. A lamentar a ausência da bastante interessante faixa de comentário existente no DVD americano, não apenas pela honestidade de Ray sobre assuntos como alterações pós-exibições-teste e cenas salvas pelo montador, mas também pela presença do ex-editor da revista (interpretado por Peter Sarsgard no filme) criando um efeito fascinante de ver uma figura verídica comentando sua versão romantizada na tela. Com sorte, a Columbia a incluirá na versão para venda direta.


RIO VERMELHO, de Howard Hawks
Red River, EUA, 1948
(Playarte)

Hawks coloca o elemento humano num tema épico. Trata-se de um dos seus melhores e mais complexos filmes. A estrutura aqui está mais próxima das comédias com a personagem de John Wayne sendo destruída, para poder ao fim ressurgir (não à toa os fazendeiros-vilões de El Dorado e Rio Lobo muito se assemelham a Wayne aqui). Estamos também diante de um fascinante documentário sobre uma filmagem caótica na qual Hawks constrói dramaticamente o filme ao longo do processo, mudando as forças que duelam pelo poder (o co-protagonista original John Ireland desaparecendo ao fundo enquanto o jovem Montgomery Clift se afirma como o verdadeiro antagonista de Wayne). È uma rara oportunidade de sentir como um filme pode ser achado enquanto é feito. O elenco todo é notável e o final, na sua abrupta radicalidade, é um bom argumento contra quem acredita que Hawks é um mero exemplar do cinema clássico. Mais pesado e pessimista que outros filmes do cineasta, pode pegar de surpresa o espectador desprevenido, mas como todo Howard Hawks maior é obra essencial.

 
A VIÚVA ALEGRE, de Ernst Lubitsch
The Merry Widow, EUA, 1934
(Classic Line)

A mais encantadora das operetas hollywoodianas, com o melhor casal possível (Maurice Chavalier e Jeanette McDonald) e dirigida pelo grande cineasta a ter se aventurado pelo gênero. O que Lubitsch faz aqui é um pouco uma grande despedida para algo que já então estava saindo de moda. Os closes que Lubitsch retira de Jeannete McDonald entregam o projeto crepuscular do filme (há aqui toda uma fascinação por uma arte que já não tem lugar). Da mesma forma, a trama em tom de farsa se aproxima mais das comédias que o cineasta realizava na época do que de um Monte Carlo. O que torna A Viúva Alegre ainda mais tocante e pessoal é justamente o modo como Lubitsch consegue se inserir no filme, ele próprio um homem tão crepuscular quanto a arte para a qual diz adeus. A Classic Line, mais uma vez, confirma ser entre as nossas distribuidoras aquela que faz o melhor trabalho de escavação de títulos e cineastas pouco óbvios e/ou fora de moda, mas segue oferecendo edições desprovidas de atrativos nos extras.

 
ZAROFF, O CAÇADOR DE VIDAS, de Irving Pichel e Ernest Schoedsack
The Most Dangerous Game, EUA, 1932
(Magnus Opus)

Ver Zaroff, o Caçador de Vidas é ser transportado para um momento particular do cinema americano. O crítico Claude Ollier descreveu King Kong (produzido ao mesmo tempo pela mesma equipe e usando os mesmos cenários para as seqüências na selva) como um filme sobre o cineasta como explorador – e o mesmo pode-se dizer aqui. Trata-se de um divertidíssimo, compacto (tem só 63 minutos) filme B preocupado exclusivamente com o seu próprio processo. Zaroff revela um grande frescor especialmente na segunda metade – a primeira parte tende a ser um tanto estática – com a dupla de diretores disposta a explorar como pode as potencialidades de cada seqüência (pelas informações disponíveis, Schoedsack dirigiu a ação e Pichel a exposição). O roteiro e a montagem tentam estruturar o filme como um conto moral do caçador que sente na pele o que é ser caça, mas o que fica na memória é o senso de descoberta que o filme revela. O mesmo material seria retrabalhado em diversos outros filmes (mais notavelmente por John Woo em O Alvo). Aos outros dois lançamentos do cinema fantástico da Magnus Opus (Monstros e Sangue de Pantera), voltaremos em breve.


Filipe Furtado

 

 



W. C. Fields