O Que Terá Acontecido a John Landis?
Com a possível exceção de Lawrence
Kasdan, não há outro diretor tão
central ao cinema americano dos anos 80 cujo posição
(ao menos do ponto de vista comercial) se desintegrou
de forma tão radical na década seguinte.
Landis chega ao ano 2000 com uma encomenda: realizar
uma seqüência para Os Irmãos Cara
de Pau (1980), um dos seus maiores sucessos. O resultado
final é menos um filme de gênero de todo
bem resolvido, do que um que fascina pelo operação
que a realiza. Trata-se de um filme exclusivamente para
fãs de Landis que não faz muito sentido
fora da carreira dele. Não por se tratar de um
desses filmes menores de bons autores que são
mais interessantes se conhecemos bem seus temas, mas
sim por ser um filme que tematiza a carreira do seu
cineasta. Há um sem numero de perguntos que Landis
levanta: O que são estes vinte anos que separam
estes dois filmes? O que significa retornar a alguns
dos momentos clássicos da minha carreira? Como
diabos refilmar Os Irmãos Cara de Pau
sem o falecido John Belushi (a alma do filme anterior)?
Não é por nada que o filme, ao invés
de evitar as comparações com o seu primeiro
exemplar, as reforça o tempo todo. Críticos
que na época do lançamento reclamaram
que o filme era um ato de auto-canibalismo que terminava
por resultar numa versão bastante piorada do
primeiro perderam o ponto. Que o filme é inferior
ao original é parte central da sua integridade
estética. Quando Landis se coloca na posição
de repetir as pontas de Aretha Franklin ou James Brown
com funções idênticas ou realizar
um verdadeiro replay da famosa seqüência
em que toda a força policial se envolve numa
imensa batida, ele o faz de forma a colocar em primeiro
plano o que há de vulgarização
e empobrecimento das cenas originais. São todas
boas seqüências, mas não têm
a mesma mágica que continham da primeira vez.
Landis já havia atacado certos estatutos da industria
hollywoodiana ao fazer que Um Tira na Pesada 3
regurgitasse elementos dos seus próprios filmes
e não das partes anteriores da série.
Aqui ele leva o efeito numa direção diferente.
Há uma grande nuvem de fracasso que ronda o filme
(não só da parte de Landis mas do astro
e co-roteirista Dan Aykroyd) e estas cenas na sua incapacidade
de repetir o efeito anterior colocam justamente em questão
o processo de repetição que o ex-cineasta-que-tudo-podia
Landis se vê obrigado a realizar.
Muitos cineastas retornam aos seus favoritos com sucesso
freqüentemente, e o próprio Landis nunca
deixou de repetir certos elementos, mas não sobre
o tipo de pressão que se revela aqui. Os Irmãos
Cara de Pau 2000 não deixa de se auto-afirmar
como filme exorcismo em que Landis ao mesmo tempo reflete
e coloca o mito John Landis para descansar. O processo
também parece se repetir com o fantasma John
Belushi, que paira em cada fotograma. Seria fácil
da parte do filme fazer uma menção rápida
à morte do seu personagem e depois esquecê-la,
mas em vez de trabalhar nessa direção
o cineasta faz o oposto. Morte está no centro
do filme, que não à toa abre com uma dedicatória
para Belushi, Cab Callaway (que atuara no filme anterior)
e John Candy. Não só Belushi é
repetidamente relembrado (dando por sinal um aspecto
um tanto macabro para o que deveria ser uma comédia
musical leve), mas a sua ausência concreta é
ainda mais repetidamente ressaltada. A escalação
de John Goodman diz muito sobre esta estratégia,
um comediante com um aspecto físico algo similar
a Belushi, mas com uma tendência a atuar de forma
recessiva, mais uma escada (o que torna o par dele com
Aykroyd curioso no seu estranhamento) do que aquele
que preenche toda imagem.
Esta idéia de repetição é
enriquecida pela música, a outra arte que marca
os dois Os Irmãos Cara de Pau, mas em
que a repetição das performances tem um
efeito bastante diferente. Landis tem alguns dos melhores
músicos de blues e soul à
sua disposição e a música é
constantemente ótima. O filme ganha vida sempre
que um número musical entra (ou seja, quase o
tempo todo), ao mesmo tempo que mantém a Blues
Brothers Band num curioso segundo plano. Só no
clímax finalmente podemos vê-la numa performance
típica, e Landis a insere logo após o
número de uma banda formada por grandes nomes,
de forma que a Blues Brothers Band não tenha
como competir. Há ao mesmo tempo um desarranjo
entre os atores e a direção e montagem,
previstos na idéia de aqueles podem melhorar
via repetição, mas Landis não.
Tudo isso se torna especialmente tocante ao se revisitar
Os Irmãos Cara de Pau original. Eis aqui
um filme que é antes de maisa nada sobre um jovem
cineasta aproveitando ao máximo as oportunidades
que o grande sucesso do seu filme anterior lhe abriu;
o critico Dave Kehr definiu o original como um filme
sobre grana, como fazê-la, como gastá-la,
como explodi-la, o que me parece bem apto. Os
Irmãos Cara de Pau 2000 é justamente
este filme refeito por um cineasta cujas grandes oportunidades
foram interrompidas (o único verdadeiro projeto
pessoal de Landis com alguma visibilidade desde o inicio
dos anos 90 é Inocente Mordida), basta
observar a estranha qualidade anêmica da montagem
que garante ao filme um ritmo bastante peculiar. Já
se disse que quem não pode fazer filme de cinema,
faz filme sobre cinema; para John Landis são
resta pegar esta encomenda e transformá-la num
filme conceitual sobre sua própria carreira.
Filipe Furtado
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