OS IRMÃOS CARA-DE-PAU 2000
John Landis, Blues Brothers 2000, EUA, 1998

O Que Terá Acontecido a John Landis?

Com a possível exceção de Lawrence Kasdan, não há outro diretor tão central ao cinema americano dos anos 80 cujo posição (ao menos do ponto de vista comercial) se desintegrou de forma tão radical na década seguinte. Landis chega ao ano 2000 com uma encomenda: realizar uma seqüência para Os Irmãos Cara de Pau (1980), um dos seus maiores sucessos. O resultado final é menos um filme de gênero de todo bem resolvido, do que um que fascina pelo operação que a realiza. Trata-se de um filme exclusivamente para fãs de Landis que não faz muito sentido fora da carreira dele. Não por se tratar de um desses filmes menores de bons autores que são mais interessantes se conhecemos bem seus temas, mas sim por ser um filme que tematiza a carreira do seu cineasta. Há um sem numero de perguntos que Landis levanta: O que são estes vinte anos que separam estes dois filmes? O que significa retornar a alguns dos momentos clássicos da minha carreira? Como diabos refilmar Os Irmãos Cara de Pau sem o falecido John Belushi (a alma do filme anterior)?

Não é por nada que o filme, ao invés de evitar as comparações com o seu primeiro exemplar, as reforça o tempo todo. Críticos que na época do lançamento reclamaram que o filme era um ato de auto-canibalismo que terminava por resultar numa versão bastante piorada do primeiro perderam o ponto. Que o filme é inferior ao original é parte central da sua integridade estética. Quando Landis se coloca na posição de repetir as pontas de Aretha Franklin ou James Brown com funções idênticas ou realizar um verdadeiro replay da famosa seqüência em que toda a força policial se envolve numa imensa batida, ele o faz de forma a colocar em primeiro plano o que há de vulgarização e empobrecimento das cenas originais. São todas boas seqüências, mas não têm a mesma mágica que continham da primeira vez. Landis já havia atacado certos estatutos da industria hollywoodiana ao fazer que Um Tira na Pesada 3 regurgitasse elementos dos seus próprios filmes e não das partes anteriores da série. Aqui ele leva o efeito numa direção diferente. Há uma grande nuvem de fracasso que ronda o filme (não só da parte de Landis mas do astro e co-roteirista Dan Aykroyd) e estas cenas na sua incapacidade de repetir o efeito anterior colocam justamente em questão o processo de repetição que o ex-cineasta-que-tudo-podia Landis se vê obrigado a realizar.

Muitos cineastas retornam aos seus favoritos com sucesso freqüentemente, e o próprio Landis nunca deixou de repetir certos elementos, mas não sobre o tipo de pressão que se revela aqui. Os Irmãos Cara de Pau 2000 não deixa de se auto-afirmar como filme exorcismo em que Landis ao mesmo tempo reflete e coloca o mito John Landis para descansar. O processo também parece se repetir com o fantasma John Belushi, que paira em cada fotograma. Seria fácil da parte do filme fazer uma menção rápida à morte do seu personagem e depois esquecê-la, mas em vez de trabalhar nessa direção o cineasta faz o oposto. Morte está no centro do filme, que não à toa abre com uma dedicatória para Belushi, Cab Callaway (que atuara no filme anterior) e John Candy. Não só Belushi é repetidamente relembrado (dando por sinal um aspecto um tanto macabro para o que deveria ser uma comédia musical leve), mas a sua ausência concreta é ainda mais repetidamente ressaltada. A escalação de John Goodman diz muito sobre esta estratégia, um comediante com um aspecto físico algo similar a Belushi, mas com uma tendência a atuar de forma recessiva, mais uma escada (o que torna o par dele com Aykroyd curioso no seu estranhamento) do que aquele que preenche toda imagem.

Esta idéia de repetição é enriquecida pela música, a outra arte que marca os dois Os Irmãos Cara de Pau, mas em que a repetição das performances tem um efeito bastante diferente. Landis tem alguns dos melhores músicos de blues e soul à sua disposição e a música é constantemente ótima. O filme ganha vida sempre que um número musical entra (ou seja, quase o tempo todo), ao mesmo tempo que mantém a Blues Brothers Band num curioso segundo plano. Só no clímax finalmente podemos vê-la numa performance típica, e Landis a insere logo após o número de uma banda formada por grandes nomes, de forma que a Blues Brothers Band não tenha como competir. Há ao mesmo tempo um desarranjo entre os atores e a direção e montagem, previstos na idéia de aqueles podem melhorar via repetição, mas Landis não.

Tudo isso se torna especialmente tocante ao se revisitar Os Irmãos Cara de Pau original. Eis aqui um filme que é antes de maisa nada sobre um jovem cineasta aproveitando ao máximo as oportunidades que o grande sucesso do seu filme anterior lhe abriu; o critico Dave Kehr definiu o original como um filme sobre grana, como fazê-la, como gastá-la, como explodi-la, o que me parece bem apto. Os Irmãos Cara de Pau 2000 é justamente este filme refeito por um cineasta cujas grandes oportunidades foram interrompidas (o único verdadeiro projeto pessoal de Landis com alguma visibilidade desde o inicio dos anos 90 é Inocente Mordida), basta observar a estranha qualidade anêmica da montagem que garante ao filme um ritmo bastante peculiar. Já se disse que quem não pode fazer filme de cinema, faz filme sobre cinema; para John Landis são resta pegar esta encomenda e transformá-la num filme conceitual sobre sua própria carreira.


Filipe Furtado