VOTAÇÃO – MELHORES DE 2004
Contracampo e seus leitores escolhem
seus filmes preferidos de 2004

Votação dos leitores

1. Elefante, de Gus Van Sant
2. Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola
3. Kill Bill vol. 1, de Quentin Tarantino
4. Dogville, de Lars Von Trier
5. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry
5. Kill Bill, vol. 2, de Quentin Tarantino
7. A Vila, de M. Night Shyamalan
8. O Pântano, de Lucrecia Martel
9. Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater
10. Má Educação, de Pedro Almodóvar
10. O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento

(veja aqui a lista completa
dos filmes votados pelos leitores)

Escolha da redação

1. Elefante, de Gus Van Sant
2. A Vila, de M. Night Shyamalan
3. O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento
4. Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola
5. O Pântano, de Lucrecia Martel
6. Kill Bill, de Quentin Tarantino
7. Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater
8. Ligado em Você, de Peter e Bobby Farrelly
9. Filme de Amor, de Julio Bressane
10. Intervenção Divina, de Elia Suleiman
+ inédito no Rio: Dez, de Abbas Kiarostami

(veja aqui as listas nominais
dos redatores de Contracampo)

1. ELEFANTE, DE GUS VAN SANT
Gus Van Sant começou em Gerry um trabalho delicado de suspensão da narratividade em favor de uma exploração dos tempos, dos espaços e da vivência de seus personagens. O trabalho prossegue em Elefante, sendo levado a um extremo praticamente inconcebível: a retirada do efeito de causalidade a que tanto estamos acostumados na narrativa, justamente na reprodução de um evento catalisador das mais diversas teorias explicativas de sintomas dos nossos tempos. O massacre numa high-school americana é para Van Sant um acontecimento brutal, o fim de todo um complexo de existências que se espraiavam por corredores, salas de aula e demais espaços escolares, mas também um acontecimento como outros, inserido numa intensa dinâmica de pequenas atividades. Talvez apenas esta nivelação do massacre com as outras atividades exercidas no contexto escolar – através da importância extrema concedida aos detalhes e da banalização do gesto mortal – possa dar conta de um acontecimento tão complexo quanto bizarro. Através de um trabalho formal e estético impactante – traduzido principalmente no emprego constante de steadycam, em planos que acompanham seus personagens pela nuca como num videogame de imersão e na montagem que fragmenta os acontecimentos no tempo, para acompanhar a simultaneidade de ações e a multiplicidade de pontos de vista, além do uso expressivo da fotografia e do som – Gus Van Sant consegue elaborar um consistente tratado de imanência, fazendo um filme profundamente sensorial, em que o mais importante é sentir e perceber cada aspecto da realidade apresentada. Se aproximar, observar, para então tentar compreender um acontecimento singular, pertencente a um determinado ambiente, que possui seus agentes próprios. Experiência-limite com a arte cinematográfica, Elefante expande os horizontes do nosso repertório perceptivo, reage veementemente à picturização de um mundo-cão, responde politicamente com leveza e contundência a teorizações simplificadas de um mundo multipolar que se quer unipolar. Beirando o imponderável, ele reina absoluto na sua excelência, como experiência espectatorial inigualável. (Tatiana Monassa)

– leia aqui a crítica do filme –

2. A VILA, DE M. NIGHT SHYAMALAN
De todos os filmes de M. Night Shyamalan, A Vila é o que mais e melhor problematiza a construção da realidade como um sistema de olhares. No filme, o cinema habitualmente centrado em uma operação quase lúdica, de jogo, de ocultamento/desvelamento (o homem que está morto em O Sexto Sentido, a predestinação em Sinais) amplia essa mecânica para levar à radicalidade o fato de que, para o diretor, a existência é estar à vista. Por isso mesmo, a idéia de câmera onipresente ganha outro significado em sua filmagem: se é verdade aquilo o que vemos objetivamente (já que as câmeras objetivas são discutíveis), tudo o que passa diante dos olhos tem que ser dúbio. E não à toa, ele cria uma economia das encenações e dos olhares: o que se pode ver, até onde se pode ir, o que se pode saber. Sua protagonista é cega, seu herói quer ver mais, seu antagonista é uma espécie de conspiração contra a imagem verdadeira, seus agentes "do mal" são fantasias. Em A Vila, vários dos elementos centrais temáticos do diretor, como o valor da família, a sensação de não pertencimento e a tentativa de fazer parte do grupo, aparecem como constituintes e a serviço de uma verdadeira taxonomia do que o cinema pode mostrar/ocultar. Mais importante, ele executa cada um desses elementos como elementos de cinema. É de ocultação que se trata, então ela se reflete na fotografia, habitualmente feita como se de um documentário fosse (o que acaba por produzir interessantes ironias com o cinema de terror à Bruxa de Blair); é de mecanismos de ocultação que se trata, então eles aparecem na instigante trilha sonora e no trabalho de sonorização, o mais importante uso do som desde Cidade dos Sonhos, de David Lynch; é de encenações para a ocultação que se trata, então isso fica inscrito no elenco, que não é outra coisa senão estelar e reconhecido, compondo um grupo que rivaliza com a protagonista, um rosto raramente visto pelo público e não decalcado em uma operação de encenação. (Alexandre Werneck)

– leia aqui a crítica do filme –

3. O PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO,
DE PAULO SACRAMENTO

Filme-processo que recoloca a cada minuto a questão do olhar e da sua relação com o espaço construído/captado, O Prisioneiro da Grade de Ferro ocupa um lugar ao lado de algumas obras do cinema contemporâneo que mais afortunadamente nos permitem refletir sobre o estatuto da imagem. Paulo Sacramento e sua equipe fizeram muito mais do que uma radiografia institucional, muito mais do que um filme político, muito mais do que um dispositivo sofisticado e interativo, muito mais do que um tratado sobre a visibilidade – ainda que O Prisioneiro da Grade de Ferro seja tudo isso em grande medida. Uma obra totalmente estilhaçada na estrutura (principalmente através de sua agressiva edição de imagens e de sons), mas com uma coesão plástico-conceitual absurda. Em poucas linhas, bastaria descrever a mágica seqüência da "Noite de um detento": aquele olhar para além da grade, produzido à margem do cinema e de seu acontecimento social, um olhar entre o pré e o extra-cinematográfico, termina por mostrar a esse mesmo cinema o que ele ainda pode vir a ser. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

4. ENCONTROS E DESENCONTROS, DE SOFIA COPPOLA
Por mais que muita coisa já tenha sido dita ou escrita a respeito de Encontros e Desencontros, esta maravilha concebida por Sofia Coppola só poderá ser definida através daquilo que Bob Harris diz ao ouvido de Charlotte na seqüência final, ou seja, palavras que não sabemos quais são. Não somente dois personagens solitários e estranhos num lugar igualmente estranho. Não somente uma Tóquio soberbamente fotografada; ao mesmo tempo real e onírica. Não somente uma cineasta jovem, mas no auge da maturidade, compondo divinamente diálogos, imagens, mas também pausas e observações de tocante sensibilidade. Não somente Bill Murray sendo o melhor ator do mundo. Não somente Scarlett Johansson sendo a mulher mais linda do mundo. Não somente a soma de tudo, mas, como diz o título da canção de Brian Ferry que Murray canta no karaoke, bem "mais que isso". E assim, o filme nos deixa engasgados de emoção, tornando-nos impossibilitados de encontrar palavras que possam definir a profunda admiração que ele nos causa, com o risco de nos perdermos na tradução. (Gilberto Silva Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

5. O PÂNTANO, DE LUCRECIA MARTEL
Em 2004, o espectador de cinema no Brasil teve dupla chance de conhecer o cinema da argentina Lucrecia Martel: com o tardio (e muito bem-vindo) lançamento deste seu filme de estréia, e com a exibição nos festivais de seu fortíssimo segundo trabalho, La Niña Santa (com previsão de lançamento – cruzemos os dedos – para 2005). Se, mais de uma vez, colocamos em discussão na revista um certo excesso de entusiasmo, nem tão justificado assim, com o cinema argentino (se o olharmos pelo conjunto, e não pelos casos específicos), certamente entusiasmo é o que pedem os filmes desta cineasta. Já neste O Pântano (tão mais impressionante por ser uma estréia) ela consegue atingir um grau de simbiose raro entre personagens, ambiente e câmera, do qual sobressai uma mistura surpreendente de encadeamento narrativo engajador e preocupação quase experimental com a constituição interna de cada plano. Fenômeno de mise-en-scène, o filme até permite leituras que liguem seu microcosmo fascinante dos pequenos dramas (pessoais e familiares) ao momento nacional argentino – no entanto, sem que jamais esta interpretação seja mais importante que a atenção da cineasta com o seu objeto direto de apreensão. Um filme que, sozinho, marca e influencia o olhar do seu espectador – mas que, em conjunto com La Niña Santa, apresenta muito mais que uma promessa: uma confirmação de realizadora única e essencial no cinema mundial, hoje. (Eduardo Valente)

– leia aqui a crítica do filme –

6. KILL BILL, DE QUENTIN TARANTINO
Kill Bill, esta brincadeira a sério, é feito de dois filmes que são um só – já existe uma versão condensando as duas partes, com uma montagem própria, ainda que os cinemas do mundo tenham exibido em dois 'volumes' diferentes. Esses volumes, por sua vez, têm também diferentes versões. Não há versão 'definitiva', há versões diversas. Serão dois filmes diferentes que se completam ou um único filme que se desdobra em dois? Não importa – podendo ser único sendo mais do que uno, apenas existe, e isso já é muito. Neste filme duplo, que se desdobra em sabe-se lá quantos outros filmes, acontece a construção de um universo narrativo único e momentâneo a partir de uma colagem de referências mil. Este acontecimento, de forma decisiva, muda o rumo de tudo que pode surgir daqui em diante quando se falar e se fizer cinema. Porque Kill Bill é o próprio cinema de seu tempo. Se há hoje uma possibilidade de pureza do cinema, essa possibilidade ganhou o nome de Kill Bill. É um filme puro-sangue – sangue falso, sangue de cinema, de cinema vivo. (Daniel Caetano)

– leia aqui a crítica do volume 1 e aqui a do volume 2 –

7. ANTES DO PÔR-DO-SOL, DE RICHARD LINKLATER
O melhor filme de Richard Linklater é, antes de qualquer coisa, um belo exemplo de como captar as intenções humanas. As pessoas hesitam, tremem, gaguejam, se intimidam... Muito do resultado final se deve às excelentes atuações de Ethan Hawke e Julie Delpy, incrivelmente melhores e com mais empatia entre eles do que no primeiro filme. Mas a sensibilidade do diretor é evidenciada nos silêncios, nos planos fechados, na alternância de humor. Uma imitação de Nina Simone por Delpy parece que foi feita sem a consciência de que havia uma câmera filmando. Várias cenas acontecem dessa maneira, se prestarmos atenção. Como David Neves em Muito Prazer, Linklater milagrosamente consegue fazer-se invisível quando, no entanto, sabemos que sua mão está ali, o tempo todo. As cenas do primeiro filme que aparecem no começo servem menos para situar o espectador do que para mostrar uma sintonia sendo atingida e aumentada, apesar dos anos que passaram. Perdemos o avião. Mas ficamos com Delpy até o final, tentando frear o escurecimento da tela. (Sérgio Alpendre)

– leia aqui a crítica do filme –

8. LIGADO EM VOCÊ, DE PETER E BOBBY FARRELLY
2004 foi um belo ano para a comédia de dita "mau-gosto" produzida nos EUA, com filmes como O Âncora e Como se Fosse a Primeira Vez se destacando nas telas de cinema. Nessa lista de belos filmes comumente ignorados pelos pacatos admiradores da "boa arte", Ligado em você aparece como um dos melhores filmes dos irmãos Farrelly e cumpre a função de dar um novo gás a uma carreira que já dera sinais de cansaço em O Amor é Cego e Osmosis Jones. Levado com extrema habilidade cênica e um roteiro especialmente inspirado, o filme narra a viagem de dois irmãos siameses para Hollywood em busca de sucesso para um deles; que sonha trabalhar como ator de cinema. A temática das diferenças e deficiências físicas (traço recorrente da obra dos diretores) aparece aqui com uma potência catalizadora inédita, servindo de força propulsora e organizadora da dramaturgia, das atuações e mesmo da decupagem do filme. O cinema versa sobre o corpo conectado de seus dois protagonistas, joga com os enquadramentos, cria espaços fora-da-tela, potencializando o drama e a comédia, com uma força orgânica de fazer inveja aos grandes mestres. Como caldo reflexivo, desenha ainda um dos mais belos elogios à amizade vistos no cinema contemporâneo. Um elogio que se afirma enquanto gesto político da possibilidade da diferença e da resistência do desejo em uma Hollywood programada para as acomodações formais. Junta-se a isso a afinada dupla de protagonistas (e a participação mais-que-paródica de Cher) e tem-se um filme que vai muito além das gags ou do humor de ocasião. Mais que piadas, os Farrelly fazem da comédia o tão nobre e mal-quisto gênero de cinema que é. Ligado em Você é grande, fruto de uma vasta consciência estética-discursiva, assinada por uma dupla que sabe como poucos transformar o over e o inusitado em um ato radical de incômodo, de provocação, de uma anarquia romântica que parece, como os personagens, ignorar os olhos castradores/normatizadores de quem os cerca, sem perder a alegria. E rir de quem lhes pede bons modos. (Felipe Bragança)

– leia aqui a crítica do filme –

9. FILME DE AMOR, DE JULIO BRESSANE
Nas primeiras imagens, com três corpos sobre uma pedra, mar próximo e prédios ao fundo do plano, está assentada a fusão: natureza + homem + cultura, não sem tensões, não sem incoerências. Nas imagens posteriores, concentradas nas citações e narrações de um trio entregue menos ao desejo uns pelos outros e mais às especulações sobre a representação do desejo, encontra-se o impasse: o desejo jamais se dá a representar completamente, mas é também mediado por sua representação. Apolo e Dionísio, como no filme anterior, voltam a dar as mãos (não sem tensões). E assim o erudito e o popular, o desejo e sua representação, a natureza e a cultura, tudo encaminhado pelo humano, compõe um filme de amor (não sobre o amor, mas com amor – ao próprio filme acima de tudo). (Cléber Eduardo)

– leia aqui a crítica do filme –

10. INTERVENÇÃO DIVINA, DE ELIA SULEIMAN
No ápice da tensão, esse filme impecavalmente híbrido deixa o registro "drama humano" par fazer brotar os efeitos especiais à Matrix que saem de um outdoor e respondem ao ataque de franco-atiradores israelenses: Elia Suleiman gosta de quebrar as expectativas de um cinema internacional formatado para agradar o circuito globalizado da elite cult de festivais (O Retorno, Distante), e ataca de todos os lados. A primeira parte caminha muito no sentido de seu primeiro longa, Crônica de um Desaparecimento, com episódios deslocados da tragédia cotidiana dos territórios ocupados da Palestina, para enfim focar, em sua segunda parte, numa história de amor tornada impossível pela ocupação israelense. Como um filme pode fazer pressão política? À provocação chantagista e manipuladora dos filmes convencionalmente políticos, Elia Suleiman responde com uma confrontação aos próprios hábitos cinematográficos de um certo cinema de esquerda. Uma cena em que mãos dadas valem mais do que mil discursos, a leveza de um balão com o rosto de Yasser Arafat que atravessa todos os territórios ocupados sem ter que passar pelos bloqueios do exército e reocupa os territórios anexados, uma panela de pressão que apita denunciando uma situação insustentável: pequenas gags filiadas à imaterialidade do cinema de Jacques Tati que mostram, pela simples ingenuidade de existir, a estupidez dos códigos que o homem impõe ao homem. (Ruy Gardnier)

– leia aqui a crítica do filme –

+ DEZ, DE ABBAS KIAROSTAMI
Dez seqüências, as quais se passam dentro de um carro em movimento pelas ruas de Teerã. Através dos diálogos – precedidos pelo gongo característico das lutas de boxe – travados pela motorista com os passageiros, Abbas Kiarostami revela, sem jamais as mostrar na tela, as vicissitudes cotidianas dos personagens: a independência da protagonista que lhe acarreta conflitos familiares, a conturbada convivência de seu filho com o padrasto, a crise no casamento da irmã, a desilusão amorosa da amiga, a solidão da senhora que visita o mausoléu ou a infelicidade da prostiuta em seu trabalho, embora ela a negue com veemência. Nos encontros fortuitos e contingentes propiciados pelo cineasta, os quais não se prolongam para fora do quadro, existindo apenas na duração em que a câmera os registra, Kiarostami privilegia os momentos efêmeros, mas que valem pela vida inteira, em que se estabelece a busca pelo entendimento mútuo entre os perdedores, entre aqueles que sofrem e que se desencantam. Quando a motorista seca as lágrimas da amiga, está-se diante do máximo que o cinema afetuoso e compreensivo do diretor já alcançou: o toque que, se não acaba com os problemas do mundo, pelo menos nos redime de enfrentá-los sozinhos. (Paulo Ricardo de Almeida)

– leia aqui a crítica do filme –