Votação
dos leitores
1. Elefante, de Gus Van Sant
2. Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola
3. Kill Bill vol. 1, de Quentin Tarantino
4. Dogville, de Lars Von Trier
5. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças,
de Michel Gondry
5. Kill Bill, vol. 2,
de Quentin Tarantino
7. A Vila, de M. Night Shyamalan
8. O Pântano, de Lucrecia Martel
9. Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater
10. Má Educação, de Pedro
Almodóvar
10. O Prisioneiro da
Grade de Ferro, de Paulo Sacramento
(veja aqui
a lista completa
dos filmes votados pelos leitores)
Escolha da redação
1. Elefante, de Gus Van Sant
2. A Vila, de M. Night Shyamalan
3. O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo
Sacramento
4. Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola
5. O Pântano, de Lucrecia Martel
6. Kill Bill, de Quentin Tarantino
7. Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater
8. Ligado em Você, de Peter e Bobby Farrelly
9. Filme de Amor, de Julio Bressane
10. Intervenção Divina, de Elia
Suleiman
+ inédito no Rio: Dez, de Abbas Kiarostami
(veja aqui
as listas nominais
dos redatores de Contracampo)
1. ELEFANTE, DE GUS VAN SANT
Gus Van Sant começou em Gerry um trabalho delicado
de suspensão da narratividade em favor de uma exploração
dos tempos, dos espaços e da vivência de seus personagens.
O trabalho prossegue em Elefante, sendo levado
a um extremo praticamente inconcebível: a retirada do
efeito de causalidade a que tanto estamos acostumados
na narrativa, justamente na reprodução de um evento
catalisador das mais diversas teorias explicativas de
sintomas dos nossos tempos. O massacre numa high-school
americana é para Van Sant um acontecimento brutal,
o fim de todo um complexo de existências que se espraiavam
por corredores, salas de aula e demais espaços escolares,
mas também um acontecimento como outros, inserido numa
intensa dinâmica de pequenas atividades. Talvez apenas
esta nivelação do massacre com as outras atividades
exercidas no contexto escolar através da importância
extrema concedida aos detalhes e da banalização do gesto
mortal possa dar conta de um acontecimento tão complexo
quanto bizarro. Através de um trabalho formal e estético
impactante traduzido principalmente no emprego constante
de steadycam, em planos que acompanham seus personagens
pela nuca como num videogame de imersão e na montagem
que fragmenta os acontecimentos no tempo, para acompanhar
a simultaneidade de ações e a multiplicidade de pontos
de vista, além do uso expressivo da fotografia e do
som Gus Van Sant consegue elaborar um consistente
tratado de imanência, fazendo um filme profundamente
sensorial, em que o mais importante é sentir e perceber
cada aspecto da realidade apresentada. Se aproximar,
observar, para então tentar compreender um acontecimento
singular, pertencente a um determinado ambiente, que
possui seus agentes próprios. Experiência-limite com
a arte cinematográfica, Elefante expande os horizontes
do nosso repertório perceptivo, reage veementemente
à picturização de um mundo-cão, responde politicamente
com leveza e contundência a teorizações simplificadas
de um mundo multipolar que se quer unipolar. Beirando
o imponderável, ele reina absoluto na sua excelência,
como experiência espectatorial inigualável. (Tatiana
Monassa)
leia aqui
a crítica do filme
2. A VILA, DE M. NIGHT SHYAMALAN
De todos os filmes de M. Night Shyamalan, A Vila
é o que mais e melhor problematiza a construção
da realidade como um sistema de olhares. No filme, o
cinema habitualmente centrado em uma operação
quase lúdica, de jogo, de ocultamento/desvelamento
(o homem que está morto em O Sexto Sentido,
a predestinação em Sinais) amplia
essa mecânica para levar à radicalidade
o fato de que, para o diretor, a existência é
estar à vista. Por isso mesmo, a idéia
de câmera onipresente ganha outro significado
em sua filmagem: se é verdade aquilo o que vemos
objetivamente (já que as câmeras objetivas
são discutíveis), tudo o que passa diante
dos olhos tem que ser dúbio. E não à
toa, ele cria uma economia das encenações
e dos olhares: o que se pode ver, até onde se
pode ir, o que se pode saber. Sua protagonista é
cega, seu herói quer ver mais, seu antagonista
é uma espécie de conspiração
contra a imagem verdadeira, seus agentes "do mal"
são fantasias. Em A Vila, vários
dos elementos centrais temáticos do diretor,
como o valor da família, a sensação
de não pertencimento e a tentativa de fazer parte
do grupo, aparecem como constituintes e a serviço
de uma verdadeira taxonomia do que o cinema pode mostrar/ocultar.
Mais importante, ele executa cada um desses elementos
como elementos de cinema. É de ocultação
que se trata, então ela se reflete na fotografia,
habitualmente feita como se de um documentário
fosse (o que acaba por produzir interessantes ironias
com o cinema de terror à Bruxa de Blair);
é de mecanismos de ocultação que
se trata, então eles aparecem na instigante trilha
sonora e no trabalho de sonorização, o
mais importante uso do som desde Cidade dos Sonhos,
de David Lynch; é de encenações
para a ocultação que se trata, então
isso fica inscrito no elenco, que não é
outra coisa senão estelar e reconhecido, compondo
um grupo que rivaliza com a protagonista, um rosto raramente
visto pelo público e não decalcado em
uma operação de encenação.
(Alexandre Werneck)
leia aqui
a crítica do filme
3. O PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO,
DE PAULO SACRAMENTO
Filme-processo que recoloca a cada minuto a questão
do olhar e da sua relação com o espaço construído/captado,
O Prisioneiro da Grade de Ferro ocupa um lugar
ao lado de algumas obras do cinema contemporâneo que
mais afortunadamente nos permitem refletir sobre o estatuto
da imagem. Paulo Sacramento e sua equipe fizeram muito
mais do que uma radiografia institucional, muito mais
do que um filme político, muito mais do que um dispositivo
sofisticado e interativo, muito mais do que um tratado
sobre a visibilidade ainda que O Prisioneiro
da Grade de Ferro seja tudo isso em grande medida.
Uma obra totalmente estilhaçada na estrutura (principalmente
através de sua agressiva edição de imagens e de sons),
mas com uma coesão plástico-conceitual absurda. Em poucas
linhas, bastaria descrever a mágica seqüência da "Noite
de um detento": aquele olhar para além da grade, produzido
à margem do cinema e de seu acontecimento social, um
olhar entre o pré e o extra-cinematográfico, termina
por mostrar a esse mesmo cinema o que ele ainda pode
vir a ser. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)
leia aqui
a crítica do filme
4. ENCONTROS E DESENCONTROS, DE SOFIA COPPOLA
Por mais que muita coisa já tenha sido dita ou
escrita a respeito de Encontros e Desencontros,
esta maravilha concebida por Sofia Coppola só
poderá ser definida através daquilo que
Bob Harris diz ao ouvido de Charlotte na seqüência
final, ou seja, palavras que não sabemos quais
são. Não somente dois personagens solitários
e estranhos num lugar igualmente estranho. Não
somente uma Tóquio soberbamente fotografada;
ao mesmo tempo real e onírica. Não somente
uma cineasta jovem, mas no auge da maturidade, compondo
divinamente diálogos, imagens, mas também
pausas e observações de tocante sensibilidade.
Não somente Bill Murray sendo o melhor ator do
mundo. Não somente Scarlett Johansson sendo a
mulher mais linda do mundo. Não somente a soma
de tudo, mas, como diz o título da canção
de Brian Ferry que Murray canta no karaoke, bem
"mais que isso". E assim, o filme nos deixa
engasgados de emoção, tornando-nos impossibilitados
de encontrar palavras que possam definir a profunda
admiração que ele nos causa, com o risco
de nos perdermos na tradução. (Gilberto
Silva Jr.)
leia aqui
a crítica do filme
5. O PÂNTANO, DE LUCRECIA MARTEL
Em 2004, o espectador de cinema no Brasil teve dupla
chance de conhecer o cinema da argentina Lucrecia Martel:
com o tardio (e muito bem-vindo) lançamento deste
seu filme de estréia, e com a exibição
nos festivais de seu fortíssimo segundo trabalho,
La Niña Santa (com previsão de
lançamento cruzemos os dedos para 2005).
Se, mais de uma vez, colocamos em discussão na
revista um certo excesso de entusiasmo, nem tão
justificado assim, com o cinema argentino (se o olharmos
pelo conjunto, e não pelos casos específicos),
certamente entusiasmo é o que pedem os filmes
desta cineasta. Já neste O Pântano
(tão mais impressionante por ser uma estréia)
ela consegue atingir um grau de simbiose raro entre
personagens, ambiente e câmera, do qual sobressai
uma mistura surpreendente de encadeamento narrativo
engajador e preocupação quase experimental
com a constituição interna de cada plano.
Fenômeno de mise-en-scène, o filme
até permite leituras que liguem seu microcosmo
fascinante dos pequenos dramas (pessoais e familiares)
ao momento nacional argentino no entanto, sem que
jamais esta interpretação seja mais importante
que a atenção da cineasta com o seu objeto
direto de apreensão. Um filme que, sozinho, marca
e influencia o olhar do seu espectador mas que, em
conjunto com La Niña Santa, apresenta
muito mais que uma promessa: uma confirmação
de realizadora única e essencial no cinema mundial,
hoje. (Eduardo Valente)
leia aqui
a crítica do filme
6. KILL BILL, DE QUENTIN TARANTINO
Kill Bill, esta brincadeira a sério, é feito
de dois filmes que são um só já existe uma versão
condensando as duas partes, com uma montagem própria,
ainda que os cinemas do mundo tenham exibido em dois
'volumes' diferentes. Esses volumes, por sua vez, têm
também diferentes versões. Não há versão 'definitiva',
há versões diversas. Serão dois filmes diferentes que
se completam ou um único filme que se desdobra em dois?
Não importa podendo ser único sendo mais do que
uno, apenas existe, e isso já é muito. Neste filme duplo,
que se desdobra em sabe-se lá quantos outros filmes,
acontece a construção de um universo narrativo único
e momentâneo a partir de uma colagem de referências
mil. Este acontecimento, de forma decisiva, muda o rumo
de tudo que pode surgir daqui em diante quando se falar
e se fizer cinema. Porque Kill Bill é o próprio
cinema de seu tempo. Se há hoje uma possibilidade de
pureza do cinema, essa possibilidade ganhou o nome de
Kill Bill. É um filme puro-sangue sangue
falso, sangue de cinema, de cinema vivo. (Daniel Caetano)
leia aqui
a crítica do volume 1 e aqui
a do volume 2
7. ANTES DO PÔR-DO-SOL, DE RICHARD LINKLATER
O melhor filme de Richard Linklater é, antes
de qualquer coisa, um belo exemplo de como captar as
intenções humanas. As pessoas hesitam,
tremem, gaguejam, se intimidam... Muito do resultado
final se deve às excelentes atuações
de Ethan Hawke e Julie Delpy, incrivelmente melhores
e com mais empatia entre eles do que no primeiro filme.
Mas a sensibilidade do diretor é evidenciada
nos silêncios, nos planos fechados, na alternância
de humor. Uma imitação de Nina Simone
por Delpy parece que foi feita sem a consciência
de que havia uma câmera filmando. Várias
cenas acontecem dessa maneira, se prestarmos atenção.
Como David Neves em Muito Prazer, Linklater milagrosamente
consegue fazer-se invisível quando, no entanto,
sabemos que sua mão está ali, o tempo
todo. As cenas do primeiro filme que aparecem no começo
servem menos para situar o espectador do que para mostrar
uma sintonia sendo atingida e aumentada, apesar dos
anos que passaram. Perdemos o avião. Mas ficamos
com Delpy até o final, tentando frear o escurecimento
da tela. (Sérgio Alpendre)
leia aqui
a crítica do filme
8. LIGADO EM VOCÊ, DE PETER E BOBBY FARRELLY
2004 foi um belo ano para a comédia de dita "mau-gosto"
produzida nos EUA, com filmes como O Âncora e
Como se Fosse a Primeira Vez se destacando nas
telas de cinema. Nessa lista de belos filmes comumente
ignorados pelos pacatos admiradores da "boa arte", Ligado
em você aparece como um dos melhores filmes dos
irmãos Farrelly e cumpre a função de dar um novo gás
a uma carreira que já dera sinais de cansaço em O
Amor é Cego e Osmosis Jones. Levado com extrema
habilidade cênica e um roteiro especialmente inspirado,
o filme narra a viagem de dois irmãos siameses para
Hollywood em busca de sucesso para um deles; que sonha
trabalhar como ator de cinema. A temática das diferenças
e deficiências físicas (traço recorrente da obra dos
diretores) aparece aqui com uma potência catalizadora
inédita, servindo de força propulsora e organizadora
da dramaturgia, das atuações e mesmo da decupagem do
filme. O cinema versa sobre o corpo conectado de seus
dois protagonistas, joga com os enquadramentos, cria
espaços fora-da-tela, potencializando o drama e a comédia,
com uma força orgânica de fazer inveja aos grandes mestres.
Como caldo reflexivo, desenha ainda um dos mais belos
elogios à amizade vistos no cinema contemporâneo. Um
elogio que se afirma enquanto gesto político da possibilidade
da diferença e da resistência do desejo em uma Hollywood
programada para as acomodações formais. Junta-se a isso
a afinada dupla de protagonistas (e a participação mais-que-paródica
de Cher) e tem-se um filme que vai muito além das gags
ou do humor de ocasião. Mais que piadas, os Farrelly
fazem da comédia o tão nobre e mal-quisto gênero de
cinema que é. Ligado em Você é grande, fruto
de uma vasta consciência estética-discursiva, assinada
por uma dupla que sabe como poucos transformar o over
e o inusitado em um ato radical de incômodo, de provocação,
de uma anarquia romântica que parece, como os personagens,
ignorar os olhos castradores/normatizadores de quem
os cerca, sem perder a alegria. E rir de quem lhes pede
bons modos. (Felipe Bragança)
leia aqui
a crítica do filme
9. FILME DE AMOR, DE JULIO BRESSANE
Nas primeiras imagens, com três corpos sobre uma
pedra, mar próximo e prédios ao fundo
do plano, está assentada a fusão: natureza
+ homem + cultura, não sem tensões, não
sem incoerências. Nas imagens posteriores, concentradas
nas citações e narrações
de um trio entregue menos ao desejo uns pelos outros
e mais às especulações sobre a
representação do desejo, encontra-se o
impasse: o desejo jamais se dá a representar
completamente, mas é também mediado por
sua representação. Apolo e Dionísio,
como no filme anterior, voltam a dar as mãos
(não sem tensões). E assim o erudito e
o popular, o desejo e sua representação,
a natureza e a cultura, tudo encaminhado pelo humano,
compõe um filme de amor (não sobre o amor,
mas com amor – ao próprio filme acima de tudo).
(Cléber Eduardo)
leia aqui
a crítica do filme
10. INTERVENÇÃO DIVINA, DE ELIA SULEIMAN
No ápice da tensão, esse filme impecavalmente
híbrido deixa o registro "drama humano"
par fazer brotar os efeitos especiais à Matrix
que saem de um outdoor e respondem ao ataque
de franco-atiradores israelenses: Elia Suleiman gosta
de quebrar as expectativas de um cinema internacional
formatado para agradar o circuito globalizado da elite
cult de festivais (O Retorno, Distante),
e ataca de todos os lados. A primeira parte caminha
muito no sentido de seu primeiro longa, Crônica
de um Desaparecimento, com episódios deslocados
da tragédia cotidiana dos territórios
ocupados da Palestina, para enfim focar, em sua segunda
parte, numa história de amor tornada impossível
pela ocupação israelense. Como um filme
pode fazer pressão política? À
provocação chantagista e manipuladora
dos filmes convencionalmente políticos, Elia
Suleiman responde com uma confrontação
aos próprios hábitos cinematográficos
de um certo cinema de esquerda. Uma cena em que mãos
dadas valem mais do que mil discursos, a leveza de um
balão com o rosto de Yasser Arafat que atravessa
todos os territórios ocupados sem ter que passar
pelos bloqueios do exército e reocupa os territórios
anexados, uma panela de pressão que apita denunciando
uma situação insustentável: pequenas
gags filiadas à imaterialidade do cinema de Jacques
Tati que mostram, pela simples ingenuidade de existir,
a estupidez dos códigos que o homem impõe
ao homem. (Ruy Gardnier)
leia aqui
a crítica do filme
+ DEZ, DE ABBAS KIAROSTAMI
Dez seqüências, as quais se passam dentro
de um carro em movimento pelas ruas de Teerã.
Através dos diálogos precedidos pelo
gongo característico das lutas de boxe travados
pela motorista com os passageiros, Abbas Kiarostami
revela, sem jamais as mostrar na tela, as vicissitudes
cotidianas dos personagens: a independência da
protagonista que lhe acarreta conflitos familiares,
a conturbada convivência de seu filho com o padrasto,
a crise no casamento da irmã, a desilusão
amorosa da amiga, a solidão da senhora que visita
o mausoléu ou a infelicidade da prostiuta em
seu trabalho, embora ela a negue com veemência.
Nos encontros fortuitos e contingentes propiciados pelo
cineasta, os quais não se prolongam para fora
do quadro, existindo apenas na duração
em que a câmera os registra, Kiarostami privilegia
os momentos efêmeros, mas que valem pela vida
inteira, em que se estabelece a busca pelo entendimento
mútuo entre os perdedores, entre aqueles que
sofrem e que se desencantam. Quando a motorista seca
as lágrimas da amiga, está-se diante do
máximo que o cinema afetuoso e compreensivo do
diretor já alcançou: o toque que, se não
acaba com os problemas do mundo, pelo menos nos redime
de enfrentá-los sozinhos. (Paulo Ricardo de Almeida)
leia aqui
a crítica do filme
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