LA TERRA TREMA
Luchino Visconti, La terra trema, Itália, 1948

Um narrador explica as relações de exploração entre comerciantes de peixe e pescadores em um vilarejo siciliano logo na introdução e retorna de tempos em tempos para interpretar o significado social de algumas situações e informar sobre características e emoções de um ou outro personagem. A informação inicial sobre a utilização de atores amadores e de diálogos em dialeto da Sicília acentua a aproximação entre atores e personagens, uns fundindo-se nos outros pela vivência real das experiências encenadas e pela transformação delas em um "documentário com pouca invenção ficcional", cujos diálogos eram criados verbalmente e não na escrita, criados em cima do momento da filmagem com o vocabulário dos atores, buscando assim impor-se como a verdade daquela realidade.

A militância por esse hiper-realismo antropológico acaba por explicitar a função organizadora e de militante político de esquerda do autor Visconti. O narrador precisa convencer o espectador de que tudo aquilo é como é mesmo, de uma fidelidade do filme aos fatos e à realidade, para depois fazer denúncias e interpretações em nome do povo injustiçado. Como intelectual que pensa o povo, que entende os mecanismos de sua desgraça, que legitima sua visão com a participação e parceria desse mesmo povo em uma representação dele, Visconti faz o papel do artista de esquerda (em momento de imediato pós-guerra e em meio a conflitante democratização): fala sobre o povo e em nome do povo. Faz pedagogia político-ideológica-sentimental para instruir, mobilizar e comover. Planejado para parte da estratégia eleitoral do Partido Comunista Italiano, do qual Visconti fazia parte, A Terra Treme é, sobretudo, um filme da estratégia viscontiana – daí seu pessimismo sem espaço para utopias. Os comunistas esperavam um documentário sobre a exploração de pescadores sicilianos e, com uma equipe mínima e recursos reduzidos (o que custou interrupções da filmagem), Visconti criou uma tragédia distópica.

Ele faz isso tecendo um drama familiar, centrado na experiência do indivíduo produzida pela soma de sua circunstância social e de sua reação a essa circunstância, sem perder a dimensão trágica, como em Obsessão, que condena esse indivíduo à imobilidade – e à continuidade. Sua matéria prima é o romance de Giovanni Verga (Il Malavoglia), de quem já tentara adaptar L΄Amante de Gramigna antes de rodar Obsessão. Novamente, também como em Obsessão, há uma lógica (do destino, da História, dos deuses) e, nessa lógica, o fracasso é a certeza. Novamente, a mudança é abortada (a do personagem, a da sociedade). A estratégia realista-documental, para levar o espectador a crer nas imagens como verdade do mundo, encontra um impasse ao final: se aquela é a verdade da situação mostrada, então essa verdade legitima a criticada resignação popular (tratada como fruto da ignorância e da desmobilização política). Ao mostrar o retrocesso do herói, Visconti esvazia a retórica transformadora. Não há idealismo em seu horizonte – apenas a constatação do imobilismo. Seu herói rompe com o modelo único do sistema econômico local para arriscar um modelo alternativo de relações comerciais. Retorna à condição anterior por conta do próprio sistema e com uma ajuda do acaso-destino-deuses (o acidente com seu barco)

Como já fora em Obsessão e será nos próximos filmes, a construção do mundo onde se dão as ações é priorizada. A câmera está sempre em busca de um ângulo capaz de sintetizar ou revelar algo daquele microcosmo e algo do macrocosmo ali presente. Detém-se no comércio dos peixes com a procura paciente por respirar a lógica do lugar – operação também feita no concurso de canto de Obsessão e mais tarde nos bailes de O Leopardo e de O Inocente. A câmera instala-se nos lugares para tentar trazer algum entendimento sobre eles a partir de gestos habituais – o ritual do cotidiano, da repetição, formador de uma cultura, de uma condição de vida. Busca a estrutura ali presente na experiência, e assim distancia-se dos corpos, de seus detalhes, para melhor captá-los no ambiente – motivador dos dramas, não apenas cenário.

Visconti, tanto quanto um aliado na luta dos injustiçados e um intérprete do mundo ao qual não pertence diretamente, é um esteta. Persegue a grande imagem, a grande composição, o belo plano, o sagrado da natureza e do homem, a epifania do comum, sempre atrás do impacto visual – e os obtém em momentos como os das mulheres vestidas de preto olhando o mar, ao vento, à espera dos homens que foram pescar mesmo com tempestade. A denúncia social e a conscientização política em nada inibem a aventura artística empenhada em criar formas bem dispostas no espaço – e nas quais se manifesta sua admiração de juventude por Leni Riefenstahl e sua noção de espetáculo nas montagens teatrais. Assim prosseguirá, com momentos melhores e outros nem tanto, seu percurso estilístico: sustentado por um olhar integrador dos personagens nos ambientes, por um ceticismo às vezes mais às vezes menos tranqüilo e por uma fusão dos indivíduos com seus meios.


Cléber Eduardo

(DVD Versátil)