Dois
homens acordam em um banheiro infecto, acorrentados
a canos em cada uma das extremidades do aposento. Entre
eles, um morto estirado no chão com o sangue
formando uma poça vermelha. A partir desse cenário
bastante teatral (uma cena, um local, uma intriga),
o filme evolui em várias direções
diferentes, tendo em comum as estratégias mais
óbvias e os clichês mais na moda nos cinemas
de gênero thriller-terror contemporâneos:
serial killer que aproveita os "pecados"
de suas vítimas para montar-lhes armadilhas (homenagem
ou roubo descarado do igualmente deplorável Seven,
a opção é do leitor), introdução
da filmagem como metáfora do controle que o diretor
tem sobre o espectador, além da obrigatória
virada final de ponto de vista que muda toda a lógica
de atribuição dos papéis no filme
(filmes de Shyamalan, Uma Mente Brilhante, Spider,
etc.).
Jogos Mortais não passa de um exercício
pra lá do vagabundo que consiste em copiar fórmulas
conhecidas numa mise-en-scène oca com
várias "sacações" de
roteiro e, assim, criar um conjunto de cenas que fazem
impacto nos espectadores mais vampiros (do gênero
que gosta de filmes pelo número de vezes que
o sangue é derramado ou por quão meticulosos
são os ardis criados pelos serial killers
para fazer sofrer suas presas) mesmo que apresentem
uma lógica pra lá de implausível
a lógica só se sustenta se formos
os espectadores mais generosos de todos os tempos (o
que, convenhamos, não seria impossível
de se fazer caso houvesse filme para além das
espertezas dos roteiristas).
Estilisticamente, Jogos Mortais é uma
bagunça só. É uma estratégia
da aglomeração, e tudo que possa ser capaz
de transformar o conteúdo de cada cena em algo
mais aterrador é utilizado, mesmo que isso signifique
colocar uma câmera rodando em torno de um personagem
com um fundo de heavy metal para assustar criancinhas.
Se o filme está pouco dinâmico, tudo bom,
colocamos uma cena de tiroteio e perseguição
policial em que o serial killer também
se revela um exímio James Bond. Se no meio do
filme aparece um sujeito com cara de maníaco,
jogamos o ponto de vista para imputar a ele a feitura
do crime, e só inocentá-lo no último
minuto. E, claro, é preciso estabelecer alguma
forma de fazer com que o raciocínio do assassino
seja apenas uma radicalização de nossa
própria moral: suas vítimas são
cônjuges infiéis, paparazzi que
ganham dinheiro expondo os outros e quetais. Ainda que
dentro do filme haja máquinas capazes de abrir
a mandíbula de uma mulher, ou armações
de arame eletrificado que impedem um obeso de chegar
à sua comida, o verdadeiro horror é mesmo
a feitura de Jogos Mortais. Uma aula de tudo
que não se deve fazer no cinema.
Ruy Gardnier
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