Caro Ruy,
Fiquei muito triste ao ver as
críticas da revista Contracampo sobre o filme
do Bertolucci, Os Sonhadores. Apoiei integralmente
quando vocês analisaram o destestável As
Invasões Bárbaras, um filme típico
para a classe média americana, onde o dinheiro
é o maior bem que um ser humano possa desejar.
Mas Os Sonhadores
é uma declaração de amor ao
cinema e mostra a mudança que a Nouvelle Vague
provocou nos jovens da época, Ruy eu vivi esta
época, sei o que Truffaut, Godard, provocou na
minha geração, minha turma lia o Cahier,
descobrimos aí Nicholas Ray, Samuel Fuller, Shadows
de Cassavetes, The Cool World da Shirley Clark,
Paris Nous Appartient do Rivette, Mouchette
do Bresson, vários filmes que talvez nunca
veríamos, mas que adorávamos assim mesmo.
Nosso grupo era constituído de verdadeiros irmãos
siameses, e foi nesta época que descobríamos
o sexo sem censura, nosso grupo já não
freqüentava bordéis.
As meninas iam a gente a todos
os lugares, e se interessavam muito por cinema, Lembro
que teatro da Maisson de France ficou lotado de jovens
quando passou O Ano Passado em Marienbad. Detalhe
importante: a Faculdade de Filosofia e Ciências
Sociais era no prédio que hoje funciona o Consulado
Italiano, o local do prédio novo da Academia
Brasileira de Letras era um restaurante de estudantes
e no local do trevo do Aterro era o Calaboço.
A geração Paissandu
era exatamente o grupo do filme do Bertolucci no Brasil.
Claro que a nossa ida para as ruas em 68 tinha um aspecto
diferente do de Paris, pois vivíamos em uma ditadura
militar.
A meu ver o filme Os Sonhadores
relata tudo isto por alguém que já
tinha feito Prima della Rivoluzione, por atores
que participaram ativamente do movimento quando das
mudanças na Cinemateca de Paris, o berço
dos irmãos siameses - que sentiam, como era comum
falarmos quando estávamos em depressão,
que estava caindo uma cachoeira na cabeça, em
alusão a Shock Corridor- que brincavam
de adivinhar qual era o filme.
Nossas casas, quando nossos
pais viajavam, os meus tinham casa em Cabo-Frio, ficava
uma zona, mas arrumávamos correndo quando sabíamos
quando eles iam regressar, pois queríamos continuar
a bagunça da próxima vez.
Claro que tudo que contei é
o lado pessoal, para justificar o meu amor pelos Os
Sonhadores.
Mas, fora isto, considero o
filme maravilhoso, a montagens das citações,
de cinema e dos acontecimentos da época, a seqüência
do apartamento lembrando o Último Tango,
onde a menina toda liberal ainda era virgem, o final
onde os jovens franceses se distanciavam dos americanos,
mas com estes jovens estavam todo um cinema americano
longe dos "Oscar".
Julio César de Miranda
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