Em
One-Armed Swordsman, Wang Yu interpreta Fang
Gang, filho de um dos serviçais do mestre Qi
Rufeng (Tin Fung) que deu a vida para salvar a do patrão.
Fang Gang é criado como um aprendiz na escola
de artes marciais de Qi Rufeng e torna-se seu melhor
aluno. Invejosos, dois alunos e Pei Er (Pan Yingzi),
filha de Rufeng, decidem infernizar a vida de Fang Gang.
Depois de perder ridiculamente um duelo sem armas para
o melhor aluno, Pei Er começa a chorar. Aproveitando-se
da guarda baixa de Fang Gang, que vinha consolá-la,
a moça desfere um golpe que decepa o braço
do rapaz. Enquanto os três pensam no que fazer
para fugir à ira do mestre, Fang Gang desaparece
ao longe. Quando Qi Rufeng chega na floresta, ele vai
com os alunos seguir a pista de sangue de seu pupilo.
Em (1), com música muito forte com ênfase
nos metais, vemos Fang Gang, que tenta continuar caminhando.
Atabalhoado e cambaleante, ele tenta atravessar a ponte.
(2) A câmera reenquadra a cena na grua, que sobe
em degraus emulando o percurso do herói de um
braço só. Quando chega no centro da ponte,
Fang Gang não consegue mais caminha, e a câmera
corta para o plano médio do herói, que
está perdendo a consciência e a lucidez.
Uma série de planos subjetivos: (4,5) A luz da
lâmpada entra e sai de foco continuamente, parecendo
correr em direção a ele; (6) ele, apesar
da dificuldade, tenta manter os olhos abertos; (7) Tentativa
infrutífera, pois a lâmpada continua sem
fixação pelo olhar; (8,9) Ele olha para
as árvores e os galhos parecem agarrá-lo,
com a câmera desenvolvendo panorâmicas vertiginosas
para um lado e para outro, seguidamente. (10) Os olhos
se fecham, e (11) a câmera retorna à primeira
posição (3), mas agora as forças
de Fang Gang já estão esgotadas. Com os
olhos fechados, não há como repetir a
subjetiva.
Com (12) vemos de cima o rio vazio, e temos noção
do possível fim do herói – que se encontra
à esquerda do plano – em suas profundezas. Fang
Gang cai (13), e miraculosamente chega um barco carregado
de feno (14) que pode ser a salvação dele.
Em (15), a câmera desfere o mesmo movimento que
o corpo caindo, e o feno apara a queda desse corpo.
Hsiao Man (Chiao Chiao), nesse momento do filme apenas
uma camponesa desconhecida, sem saber o que faz barulho
atrás de si, assusta-se e vira para ver o que
está acontecendo (16). A música violenta
pára subitamente e (17) vemos Fang Gang sem saber
se está vivo, desfalecido ou lúcido, segurando
o braço, da mesma forma como fazia na ponte.
A música agora é suave, e parece nos querer
dizer que por enquanto o herói não corre
mais perigo.
Corta para um plano geral da cena (18). Depois da agitada
decupagem da perda de sentidos de que é acometido
o herói, Chang Cheh decide completar sua cena
com um plano longo, que vai sair de um foco narrativo
que acabou de se estabelecer (Fang Gang/Hsiao Man) e
entrar em outro, que terá outra motivação
a partir daí (Qi Rufeng e seus pupilos mal comportados).
Em (18,19), o barco lentamente deixa a cena, perdendo-se
para a direita. Passam-se cinco segundos, vê-se
apenas a imagem do rio em que o acidente que salvou
a vida de Fang Gang se deu, e ao longe (20) aparece
Qi Rufeng, que segue de perto a trilha de sangue deixada
por seu melhor aluno. (21) Um zoom moderado reenquadra
o mestre Qi (à direita), sua filha (à
esquerda), e seus outros dois pupilos (um iluminado,
mais atrás, um tampado pela capa do mestre).
Verdadeiro mestre dos contrastes, Chang Cheh utiliza-se
de tudo que pode nessa cena de clímax para instaurar
a tensão final de um movimento e inaugurar um
outro momento do filme. Joga do subjetivo para o objetivo
(Fang Gang/ponte), estabelece o plano/contra-plano básico
do olho e daquilo que é visto mantendo entretanto
toda a tensão subjetiva do herói, interrompe
a (soberba) música de apreensão e atenua
nossas percepções com uma música
suave, joga de um plano em movimento para um plano fixo,
e depois de um ápice de movimentos (a câmera
cai como se fosse o corpo do protagonista) conclui sua
cena com um virtuosíssimo plano fixo que estabelece
a contigüidade e a proximidade dos dois grupos
(barco/comitiva), mas revela que de agora em diante
eles estarão definitivamente separados, pouco
importa o quão perto (mesmo muito próximos,
eles não foram incapazes de ocupar ao mesmo tempo
o mesmo espaço de tela. Estabelecer contigüidade,
para um cineasta do contato fatal entre os corpos –
é preciso dar dimensão do espaço
para mostrar a um outro, espectador, que um sabre pode
ferir um corpo –, não é a mais difícil
das tarefas.
Ruy Gardnier
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