ANÁLISE DE SEQÜÊNCIA:
ONE-ARMED SWORDSMAN (1967)

Em One-Armed Swordsman, Wang Yu interpreta Fang Gang, filho de um dos serviçais do mestre Qi Rufeng (Tin Fung) que deu a vida para salvar a do patrão. Fang Gang é criado como um aprendiz na escola de artes marciais de Qi Rufeng e torna-se seu melhor aluno. Invejosos, dois alunos e Pei Er (Pan Yingzi), filha de Rufeng, decidem infernizar a vida de Fang Gang. Depois de perder ridiculamente um duelo sem armas para o melhor aluno, Pei Er começa a chorar. Aproveitando-se da guarda baixa de Fang Gang, que vinha consolá-la, a moça desfere um golpe que decepa o braço do rapaz. Enquanto os três pensam no que fazer para fugir à ira do mestre, Fang Gang desaparece ao longe. Quando Qi Rufeng chega na floresta, ele vai com os alunos seguir a pista de sangue de seu pupilo.

Em (1), com música muito forte com ênfase nos metais, vemos Fang Gang, que tenta continuar caminhando. Atabalhoado e cambaleante, ele tenta atravessar a ponte. (2) A câmera reenquadra a cena na grua, que sobe em degraus emulando o percurso do herói de um braço só. Quando chega no centro da ponte, Fang Gang não consegue mais caminha, e a câmera corta para o plano médio do herói, que está perdendo a consciência e a lucidez. Uma série de planos subjetivos: (4,5) A luz da lâmpada entra e sai de foco continuamente, parecendo correr em direção a ele; (6) ele, apesar da dificuldade, tenta manter os olhos abertos; (7) Tentativa infrutífera, pois a lâmpada continua sem fixação pelo olhar; (8,9) Ele olha para as árvores e os galhos parecem agarrá-lo, com a câmera desenvolvendo panorâmicas vertiginosas para um lado e para outro, seguidamente. (10) Os olhos se fecham, e (11) a câmera retorna à primeira posição (3), mas agora as forças de Fang Gang já estão esgotadas. Com os olhos fechados, não há como repetir a subjetiva.

Com (12) vemos de cima o rio vazio, e temos noção do possível fim do herói – que se encontra à esquerda do plano – em suas profundezas. Fang Gang cai (13), e miraculosamente chega um barco carregado de feno (14) que pode ser a salvação dele. Em (15), a câmera desfere o mesmo movimento que o corpo caindo, e o feno apara a queda desse corpo. Hsiao Man (Chiao Chiao), nesse momento do filme apenas uma camponesa desconhecida, sem saber o que faz barulho atrás de si, assusta-se e vira para ver o que está acontecendo (16). A música violenta pára subitamente e (17) vemos Fang Gang sem saber se está vivo, desfalecido ou lúcido, segurando o braço, da mesma forma como fazia na ponte. A música agora é suave, e parece nos querer dizer que por enquanto o herói não corre mais perigo.

Corta para um plano geral da cena (18). Depois da agitada decupagem da perda de sentidos de que é acometido o herói, Chang Cheh decide completar sua cena com um plano longo, que vai sair de um foco narrativo que acabou de se estabelecer (Fang Gang/Hsiao Man) e entrar em outro, que terá outra motivação a partir daí (Qi Rufeng e seus pupilos mal comportados). Em (18,19), o barco lentamente deixa a cena, perdendo-se para a direita. Passam-se cinco segundos, vê-se apenas a imagem do rio em que o acidente que salvou a vida de Fang Gang se deu, e ao longe (20) aparece Qi Rufeng, que segue de perto a trilha de sangue deixada por seu melhor aluno. (21) Um zoom moderado reenquadra o mestre Qi (à direita), sua filha (à esquerda), e seus outros dois pupilos (um iluminado, mais atrás, um tampado pela capa do mestre).

Verdadeiro mestre dos contrastes, Chang Cheh utiliza-se de tudo que pode nessa cena de clímax para instaurar a tensão final de um movimento e inaugurar um outro momento do filme. Joga do subjetivo para o objetivo (Fang Gang/ponte), estabelece o plano/contra-plano básico do olho e daquilo que é visto mantendo entretanto toda a tensão subjetiva do herói, interrompe a (soberba) música de apreensão e atenua nossas percepções com uma música suave, joga de um plano em movimento para um plano fixo, e depois de um ápice de movimentos (a câmera cai como se fosse o corpo do protagonista) conclui sua cena com um virtuosíssimo plano fixo que estabelece a contigüidade e a proximidade dos dois grupos (barco/comitiva), mas revela que de agora em diante eles estarão definitivamente separados, pouco importa o quão perto (mesmo muito próximos, eles não foram incapazes de ocupar ao mesmo tempo o mesmo espaço de tela. Estabelecer contigüidade, para um cineasta do contato fatal entre os corpos – é preciso dar dimensão do espaço para mostrar a um outro, espectador, que um sabre pode ferir um corpo –, não é a mais difícil das tarefas.


Ruy Gardnier

 

 



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