ANÁLISE DE SEQÜÊNCIA:
NEW ONE-ARMED SWORDSMAN (1971)

Chang Cheh demonstra a todo instante uma extrema habilidade em realizar sucessivos enquadramentos e operar movimentos óticos ou de câmera para seguir seus personagens da forma mais expressiva possível. Esta seqüência de planos determina um momento chave em New One-Armed Swordsman, além de apresentar todos os principais recursos expressivos da decupagem de Chang Cheh. Fung encontra Lei Li pela primeira vez, confrontado por capangas da Mansão Tigre que ameaçam sua amiga Ba Jiao. Lei Li está frente a frente com os homens levemente embriagados que se engraçavam para Ba Jiao. Esta se encontra segurada pelos dois, tentando se soltar como pode. Lei trabalha como garçom na taverna cuja área exterior serve de palco para este confronto; trata-se, portanto, do local que ele havia escolhido, ao perder seu braço direito, para levar uma vida tranqüila, longe de qualquer confusão relativa a seus velhos dias de espadachim. Ali conheceu Ba Jiao, que com freqüência vinha comprar vinho para seu pai. Como única amiga, ela despertou sua afeição e seu carinho devotados. Vendo-a ameaçada por membros da mesma Mansão Tigre cujo chefe o havia derrotado e o feito cortar seu próprio braço anos atrás, Lei Li vê crescer seus instintos de proteção e de vingança, que ele tenta conter a qualquer custo para manter a promessa de ter aposentado o kung fu e ter jogado nas cinzas do tempo sua experiência de herói lutador. Arremessado subitamente em tal redemoinho, ele fica paralisado no impasse, mão à frente do corpo em prontidão alarmada.

Lei ocupa, nesta posição, toda a extensão do quadro de Chang Cheh. Mão no limite esquerdo, cabeça no limite direito. No fundo do quadro, fora de foco, chega Fung para apear seu cavalo. Chang Cheh muda velozmente o foco para ele que, apresentado a nós pouco tempo antes, é inserido no centro do quadro, no coração da trama que envolve o herói principal. Este, no entanto, rapidamente retoma a atenção da imagem, em sua contenção aflita. A câmera realiza um brusco movimento circular para a esquerda e para trás, simultâneo a um zoom out, a fim de bem enquadrar Lei de frente, a mão em riste diante do corpo ameaçando os dois sujeitos mal-intencionados. A câmera recua para ele avançar, em sua impotência, em direção aos degraus de pedra da taverna, à sua frente, desferindo-lhes um violento soco, que é acompanhado por uma correção de quadro para baixo, até vermos o degrau com uma mossa e a mão quebrada de Lei ao lado. Massacrado em espírito, o herói curva o corpo em derrota sentida, pela incapacidade de qualquer ação válida e digna do momento. Todo o ódio desferido na pedra sela a impossibilidade de prosseguir na situação. Ba Jiao olha para Lei ali caído, com pesar.

É quando Fung toma seu lugar de ação, ordenando aos dois bandidos que soltem a moça. Constatando de imediato que ordem alguma influirá na situação, ele pega suas espadas gêmeas amarradas à sela do cavalo, com placidez e calma, apoiando-as no ombro, em pose precoce de vitória garantida. Para então selar a grandeza deste herói e sua admirável maestria ainda não exposta a nossos olhos, Chang Cheh avança em veloz zoom in para um close do rosto de Fung. Como que absortos nesta atenção convocada para o novo herói, os bandidos relaxam em sua guarda e acabam deixando Ba Jiao escapar, para ir ao encontro de Lei, num plano geral que contempla os três personagens principais dispostos em triângulo. Eles são o trio que cultivará o companheirismo durante um breve tempo, mas também os vértices que configuram uma espécie de triângulo amoroso, evidenciado na emotividade direta e aberta que Lei dispensará a Fung e vice-versa, além de em alguns comentários que irão de certa forma opor Fung e Ba Jiao em relação à afeição de Lei. A forte amizade que rapidamente os dois espadachins um ao outro, além da indefinição dos flertes entre Lei e Ba Jiao, pode fazer pensar num homo-erotismo, suspeita recorrente de diversos filmes de artes marciais do período, não apenas de Chang Cheh. Mas, de qualquer forma, o que fica é a impressão de uma forte amizade masculina, de compreensão, apoio e admiração intensos e mútuos. Dois heróis que abraçaram como irmão um o outro.


Tatiana Monassa

 

 



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