VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS - UMA APOSTA MUITO LOUCA
Frank Coraci, Around the world in 80 days, EUA,2004

Que ninguém se engane: A Volta ao Mundo em Oitenta Dias é um filme de Jackie Chan. Por mais que as cenas de luta sejam parcimoniosas, mais ainda que em seus últimos filmes ocidentais, é ele que dá cara e cor ao filme – além de ser o produtor executivo, claro. A mesma mescla de humor e ação que caracterizava seus filmes em Hong Kong se encontra aqui, ainda que tenhamos uma sensível predominância do humor.

O besteirol, que já dava as caras em Project A (talvez o mais celebrado dos filmes chineses de Jackie Chan), encontra-se maturado. Com a ajuda dos velhos capangas de zombaria (Owen e Luke Wilson, atores que parecem sentir o cheiro da diversão), que fazem uma participação hilária, e de parceiros remotos como Sammo Hung (também diretor e coreógrafo de vários de seus filmes, além de amigo pessoal), ou inusitados como Arnold Schwarzenegger e Macy Gray, o já cinquentão ator faz Lau Xing, morador de um povoado chinês que vai à Inglaterra recuperar o Buda de jade que lhe havia sido roubado. Ele se envolve com Phileas Fogg, um inventor que pretende dar a volta ao mundo para ganhar uma aposta.

Comparar este novo filme com a divertida versão de Michael Anderson e sua enorme concentração de astros é bobeira, ainda que as semelhanças sejam muitas. A versão de Jackie Chan é nada menos do que uma atualização das velhas aventuras da Disney (A Ilha no Topo do Mundo ou Vinte Mil Léguas Submarinas, de Richard Fleischer, por exemplo), mescladas com o pastelão de um Blake Edwards (A Corrida do Século), e apimentado com uma pequena dose de malícia. Se o resultado fica aquém do último, está no mesmo nível das primeiras, com o ônus de que consegue se comunicar muito mais facilmente com a platéia de hoje. O que, tendo visto certos remakes conservadores recentes, não é pouco. 

Na nova versão, a moeda corrente é a do referencial. Temos uma enormidade de citações (mais uma marca inequívoca do cinema de Jackie Chan e do cinema atual), e um nonsense que se tornou muito mais palatável a partir das comédias do trio Zucker-Abrahams-Zucker. Há inclusive uma citação de Apertem os Cintos o Piloto Sumiu na clássica cena do vôo sobre o Atlântico. Ou, quando eles estão em um ateliê em Paris e Phileas Fogg zomba da falta de talento desses impressionistas, para espanto de Van Gogh. E por aí vai, tudo em ritmo de Irmãos Marx: uma piscadela pode tirar o espectador de uma brincadeira com algum filme ou fato histórico.

O grande momento do filme é a passagem pelo povoado chinês. Lau Xing revela-se um dos Dez Tigres da famosa lenda chinesa, e Sammo Hung aparece como Wong Fei-Hung, personagem imortalizado por Jet Li na obra-prima Era Uma Vez na China (que teve quatro seqüências). A música que ouvimos nessa hora é a mesma que permeia os filmes da série, mas a ouvimos bem ao fundo – como uma citação que se envergonha de sua própria obviedade, mas que não perde sua graça. A Volta ao Mundo em 80 Dias, por sua vez, é um filme que não se envergonha de suas próprias limitações, tirando delas sua essência, sua razão de ser.

Sérgio Alpendre