A LENDA DO TESOURO PERDIDO
Jon Turtletaub, National treasure, EUA, 2004

Toda a chave de leitura deste A Lenda do Tesouro Perdido está na sua primeira sequência: o fascínio com que o menino ouve, na tela, à mistura de História com fantasia e mito que seu avô conta é o mesmo que Turtletaub quer que tome conta de nós enquanto seguimos o personagem de Nicolas Cage (o menino, uma vez crescido) em suas aventuras que misturam a História americana com uma autêntica narrativa de “filme de caça ao tesouro”. E, quando chegamos ao final, a opção do filme é clara: entre a História, em sua “comprovação científica”, e a permanência das lendas fantásticas, ficamos, sem pensar duas vezes (pelo menos no cinema) - no que, aliás, fazem especialmente pouco sentido muitas das críticas que o filme recebeu nos EUA por ser “altamente inverossímil”.

Se é fato que o filme é profundamente norte-americano (daí o título original), em especial no que se refere a suas referências históricas e dos significados de alguns lugares/objetos, não se pode negar que a leitura de sua conclusão final tem algo de politicamente incorreto (ainda que em tratamento bem light), tornando os heróis da História americana parte de uma conspiração que esconde um tesouro durante séculos – tesouro este proveniente, principalmente, da pilhagem colonial de Impérios anteriores a ele mesmo. E, melhor ainda: mesmo devolvendo o tesouro para o “bem da Humanidade”, fica clara a compensação financeira que os protagonistas tiram do episódio, no final jocoso.

No encadeamento desta aventura completamente irreal, Turtletaub consegue ser o segundo diretor “sem alma” que o produtor Jerry Bruckheimer acerta ao contratar para dirigir um filme de aventura “à moda antiga” – o primeiro sendo Gore Verbinski, no igualmente bem-sucedido Os Piratas do Caribe, em 2003. Na verdade, esta trama contemporânea de mapa do tesouro parece fazer todo sentido como sequência ao filme anterior do produtor, e sua mitologia dos piratas. Aqui, vemos Nicolas Cage se divertindo às pampas com seu personagem que é quase uma criança crescida, que leu muitos livros de História sem perder o olhar infantil. Da mesma forma, Jon Voight e Harvey Keitel aparecem com grande alegria em seus personagens secundários, assim como Sean Bean (que, já tendo sido vilão de James Bond, sabe como se divertir nestes papéis).

O filme parece o tempo todo pensar-se como uma grande brincadeira para todos os envolvidos (tanto na sua realização, como para a platéia), incorporando uma dose considerável de humor (que vai do tempo cômico apurado em alguns diálogos – como na primeira conversa entre Cage e seu interesse romântico, não por acaso uma importante funcionária do Governo que também calha de ser uma tremenda gata) e de referencialidade a gêneros (onde temos desde os momentos Indiana Jones até a reencenação, bastante bem resolvida, do “filme de assalto”). Brincadeira esta que, se não totalmente assumida em sua auto-consciência narrativa, tem ainda assim momentos bem sutis de reflexão sobre sua forma (como o ajudante de vilão que, ao presenciar o beijo do casal de mocinhos, manda um “por que isso nunca acontece comigo?”). Assim, ainda que um pouco longo, o que A Lenda do Tesouro Perdido quer mesmo é recuperar a sensação (não perdendo nunca de vista o momento histórico em que se insere, principalmente da História do cinema) dos bons e velhos filmes de matinê – no que podemos ver aqui uma interessante opção recente do Bruckheimer pós-Piratas do Caribe, que nos parece, de longe, a mais acertada da carreira de um produtor que nos deu, por exemplo, os filmes de Michael Bay. Tomara que ele continue trilhando este caminho atual.

Eduardo Valente