Toda a chave de leitura deste
A Lenda do Tesouro Perdido está na sua primeira
sequência: o fascínio com que o menino ouve, na tela,
à mistura de História com fantasia e mito que seu avô
conta é o mesmo que Turtletaub quer que tome conta de
nós enquanto seguimos o personagem de Nicolas Cage (o
menino, uma vez crescido) em suas aventuras que misturam
a História americana com uma autêntica narrativa de
“filme de caça ao tesouro”. E, quando chegamos ao final,
a opção do filme é clara: entre a História, em sua “comprovação
científica”, e a permanência das lendas fantásticas,
ficamos, sem pensar duas vezes (pelo menos no cinema)
- no que, aliás, fazem especialmente pouco sentido muitas
das críticas que o filme recebeu nos EUA por ser “altamente
inverossímil”.
Se é fato que o filme é profundamente norte-americano
(daí o título original), em especial no
que se refere a suas referências históricas e dos significados
de alguns lugares/objetos, não se pode negar que a leitura
de sua conclusão final tem algo de politicamente incorreto
(ainda que em tratamento bem light), tornando
os heróis da História americana parte de uma conspiração
que esconde um tesouro durante séculos – tesouro este
proveniente, principalmente, da pilhagem colonial de
Impérios anteriores a ele mesmo. E, melhor ainda: mesmo
devolvendo o tesouro para o “bem da Humanidade”, fica
clara a compensação financeira que os protagonistas
tiram do episódio, no final jocoso.
No encadeamento desta aventura completamente irreal,
Turtletaub consegue ser o segundo diretor “sem alma”
que o produtor Jerry Bruckheimer acerta ao contratar
para dirigir um filme de aventura “à moda antiga” –
o primeiro sendo Gore Verbinski, no igualmente bem-sucedido
Os Piratas do Caribe, em 2003. Na verdade, esta
trama contemporânea de mapa do tesouro parece fazer
todo sentido como sequência ao filme anterior do produtor,
e sua mitologia dos piratas. Aqui, vemos Nicolas Cage
se divertindo às pampas com seu personagem que é quase
uma criança crescida, que leu muitos livros de História
sem perder o olhar infantil. Da mesma forma, Jon Voight
e Harvey Keitel aparecem com grande alegria em seus
personagens secundários, assim como Sean Bean (que,
já tendo sido vilão de James Bond, sabe como se divertir
nestes papéis).
O filme parece o tempo todo pensar-se como uma grande
brincadeira para todos os envolvidos (tanto na sua realização,
como para a platéia), incorporando uma dose considerável
de humor (que vai do tempo cômico apurado em alguns
diálogos – como na primeira conversa entre Cage e seu
interesse romântico, não por acaso uma importante funcionária
do Governo que também calha de ser uma tremenda gata)
e de referencialidade a gêneros (onde temos desde os
momentos Indiana Jones até a reencenação, bastante bem
resolvida, do “filme de assalto”). Brincadeira esta
que, se não totalmente assumida em sua auto-consciência
narrativa, tem ainda assim momentos bem sutis de reflexão
sobre sua forma (como o ajudante de vilão que, ao presenciar
o beijo do casal de mocinhos, manda um “por que isso
nunca acontece comigo?”). Assim, ainda que um pouco
longo, o que A Lenda do Tesouro Perdido quer
mesmo é recuperar a sensação (não perdendo nunca de
vista o momento histórico em que se insere, principalmente
da História do cinema) dos bons e velhos filmes de matinê
– no que podemos ver aqui uma interessante opção recente
do Bruckheimer pós-Piratas do Caribe, que nos
parece, de longe, a mais acertada da carreira de um
produtor que nos deu, por exemplo, os filmes de Michael
Bay. Tomara que ele continue trilhando este caminho
atual.
Eduardo Valente
|