Perto demais não é filme
para gostar. Deixa uma sensação desagradável.
São quatro personagens, dois casais que se alternam:
o redator de obituários (Jude Law) e a garota stripper
(Natalie Portman); a fotógrafa badalada (Julia Roberts)
e o médico working class (Clive Owen). A ciranda
gira, e não apenas no sentido heterossexual: não é à
toa que a única cena de sexo que se acompanha no filme
é virtual e entre os dois homens. Um deles se passa
por mulher que goza durante o chat e o outro
acredita na dupla ficção – do gênero e da performance.
Contrariando a regra dos “filmes sobre relacionamentos”,
Perto demais segue ancorado na perspectiva masculina,
na qual não se distingue muito bem o que é desejo pela
fêmea e o que é competição com o outro macho.
Com personagens que a todo momento estão a medir forças,
o que Nichols faz é reverter a favor do filme a vaidade
dos atores e a tensão que se instala entre eles. A “vida
real” alimenta o teatro de aparências da ficção. O escritor
de obituários com pretensão literária só tem a ganhar
com a aflição de Law em se provar intérprete dramático,
para além da irretocável aparência de galã. Tão profissional
e imperturbável quanto a fotógrafa, Roberts surge com
sua ousadia calculada, dizendo baixarias em primeiro
plano para valorizar seu cacife artístico no mercado.
Da mesma forma, perfeita para o personagem é a vulnerabilidade
de Portman, esforçando-se ao mesmo tempo na composição
dramática e para ficar bem na fita ao se expor com o
minúsculo fio dental. E, finalmente, Owen aproveita
os diálogos afiados para mostrar aos três astros de
Hollywood quem ali é o verdadeiro ator, homem das cavernas
e dos palcos.
A ironia do título é evidente. A câmera mantém distância
dos personagens e esses nunca conseguem transpor o imenso
abismo que os separa, apesar de tantas e tão bem articuladas,
espirituosas e impetuosas declarações de amor e ódio.
Neste filme sobre relacionamentos, a proximidade não
é mais possível: todos permanecem estranhos uns aos
outros, desde que se encontram até o momento da separação.
Daí não ser necessário mostrar o que acontece no meio
tempo.
Com seu jeitinho aparentemente manso, o diretor Mike
Nichols sempre teve gosto em filmar a selvageria institucionalizada:
na família (Quem tem medo de Virginia Woolf?),
na corporação (Uma secretária de futuro), na
indústria do entretenimento (Lembranças de Hollywood),
na elite intelectual (Lobo). Mas parecia haver
alguma saída, uma possibilidade de revanche: seja no
puro instinto do homem-lobo, seja na esperteza da secretária
que passa a perna na chefe esnobe – mesmo lembrando
que o plano final de Uma secretária de futuro,
revelando a fachada do prédio com incontáveis janelas,
todas iguaizinhas, faz desmoronar as conquistas da protagonista.
Em Perto demais, a selvageria fica reduzida ao
discurso, puro teatro. Anti-sentimental, Nichols filma
o fim da intimidade. E esse é um mundo ainda mais assustador,
nada agradável de ver e, muito menos, de reconhecer.
Luciana Corrêa de Araújo
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