Perto Demais é o registro
dos encontros, separações e reencontros entre quatro
personagens, sempre atendo-se ao início da aproximação
sexual-afetiva entre eles, às rupturas e aos passos
tortos rumo às reconciliações – sem nada mostrar do
lado bom e ruim de cada relação enquanto ela dura. São
meia-dúzia de atos cênicos condensados em tempo e espaço
– o início, o final, o reinício, a retomada. Neles,
vemos uniões iniciadas com sinais de benção do destino
levando rasteiras do fluxo dos desejos. Temos assim
a exposição de rachaduras na vida de quem ama e nos
gestos desses amantes. Quem ama aqui não está vacinado
contra atitudes não legitimadas pelo modelo social da
ação correta; quem ama aqui ama certo por gestos tortos.
É um tiro no pé nas receitas de comédias-românticas-inglesas-
contemporâneas-e-de-sucesso-internacional – as escritas
por Richard Curtis. Tiro de festim.
Festim sim. Porque, se aparentemente estamos diante
de uma inversão cruel daquele modelo de cinema-analgésico
(comprimido psicológico para espantar maus pensamentos
sobre o amor), o efeito analgésico persiste aqui também
para controlar possíveis estragos gerados pela crueldade
– o maior deles, a sensação e consciência de que, em
matéria qualquer da vida, o céu não nos protege. Portanto,
Perto Demais, se flerta com a queda, antes coloca
a rede.
Essa medicação dramática é obtida por meio de operações
empenhadas em não transmitir ao espectador a dor e o
mal estar dos personagens. O humor é a maior delas,
concentrado em Clive Owen (em registro mais teatral,
denunciando a origem do material). O ator jamais perde
a piada, mesmo em momentos de desespero, como se risse
do personagem – do sofrimento e do ridículo dele. Perto
Demais também emprega os diálogos espertinhos e
inteligentes, derivados do modelo screwball -
em versão “contemporaneizada” -, para amenizar os efeitos
das cargas positiva-negativa dos dois homens e das duas
mulheres. E, finalmente, lança mão de interpretações
que sobrepõem o valor dos atores ao incômodo dos personagens:
atores em primeiro plano, personagens nas quinas, quase
ofuscados pelos estrelismos.
Temos, então, uma relação utilitária entre o filme e
esses personagens, que ali estão para atender alguma
demanda de quem os observa e de quem os cria, sem pretender
sair da estreita área de possibilidade dos “tipos” (uns
mais homogêneos, outros menos). E a utilização deles
é para ofertá-los ao espectador como símbolos de experiências
contemporâneas - da inconstância dos laços de afetos
-, porém não para se tentar compreendê-los em seu momento
histórico, tampouco para lhes dar a chance de emancipação.
Esses seres estão lá também para rirmos de suas danações
e batidas de cabeça no pântano afetivo.
Este, no entanto, não é um riso de superioridade em
relação a quem observamos na tela, mas um riso-colete,
perseguido para se chegar a uma terapia-exorcismo que
cria anticorpos para os efeitos da desorganização de
percursos. Somos convidados a rir, não sem sadismo,
por estar ali como voyeurs, protegidos e assegurados
pela operação narrativa que nos leva a ver os personagens
como ratinhos de laboratório, algo mais ou menos comum
em filmes originados no teatro ou teatralizado em sua
encenação – Dogville, por exemplo. Se aceitamos
o convite para presenciar a experiência, que tem a ver
conosco por sermos partes da mesma humanidade, é grande
a possibilidade de não nos reconhecermos ou aproximarmos
dos tipos, pois eles são menos pessoas e mais símbolos
de nosso tempo, sendo a peculiaridade de cada um tratada
apenas como traço mais ou menos exótico.
Mike Nichols busca um olhar de complacência não moralista,
e vacinado contra juízos implacáveis, no olhar dirigido
aos dois casais – seja lá em qual formação. Mas se a
legitimação do humano torto se dá nos acontecimentos,
na forma há linhas retas demais na suposta estrada cheia
de curvas. A dramaturgia concentrada em travessões e
três pontinhos, avançando por elipses e pela negação
dos processos de convivência (para se ater a uma sucessão
de clímax e eventos definidores do futuro), não se traduz
em sinuosidade na tela – a não ser por um amontoado
de cortes de câmera raramente harmonioso. Embora pensado
para assim sê-lo, de modo a se fazer a passagem de teatro
para cinema sem condenar as possibilidades de câmera/cortes
à matriz de palco e sem expor excessivamente a luta
para se enterrar os gritos de lembrança emitidos pela
fonte teatral, ambas metas não concretizadas. Se torto
por efeito, Perto Demais crê no princípio da
organização, da conciliação e da carícia no espectador.
O desconforto parece ter ficado todo na tela.
Cléber Eduardo
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