PERTO DEMAIS
Mike Nichols, Closer, EUA, 2004

Perto Demais é o registro dos encontros, separações e reencontros entre quatro personagens, sempre atendo-se ao início da aproximação sexual-afetiva entre eles, às rupturas e aos passos tortos rumo às reconciliações – sem nada mostrar do lado bom e ruim de cada relação enquanto ela dura. São meia-dúzia de atos cênicos condensados em tempo e espaço – o início, o final, o reinício, a retomada. Neles, vemos uniões iniciadas com sinais de benção do destino levando rasteiras do fluxo dos desejos. Temos assim a exposição de rachaduras na vida de quem ama e nos gestos desses amantes. Quem ama aqui não está vacinado contra atitudes não legitimadas pelo modelo social da ação correta; quem ama aqui ama certo por gestos tortos. É um tiro no pé nas receitas de comédias-românticas-inglesas- contemporâneas-e-de-sucesso-internacional – as escritas por Richard Curtis. Tiro de festim.

Festim sim. Porque, se aparentemente estamos diante de uma inversão cruel daquele modelo de cinema-analgésico (comprimido psicológico para espantar maus pensamentos sobre o amor), o efeito analgésico persiste aqui também para controlar possíveis estragos gerados pela crueldade – o maior deles, a sensação e consciência de que, em matéria qualquer da vida, o céu não nos protege. Portanto, Perto Demais, se flerta com a queda, antes coloca a rede.

Essa medicação dramática é obtida por meio de operações empenhadas em não transmitir ao espectador a dor e o mal estar dos personagens. O humor é a maior delas, concentrado em Clive Owen (em registro mais teatral, denunciando a origem do material). O ator jamais perde a piada, mesmo em momentos de desespero, como se risse do personagem – do sofrimento e do ridículo dele. Perto Demais também emprega os diálogos espertinhos e inteligentes, derivados do modelo screwball - em versão “contemporaneizada” -, para amenizar os efeitos das cargas positiva-negativa dos dois homens e das duas mulheres. E, finalmente, lança mão de interpretações que sobrepõem o valor dos atores ao incômodo dos personagens: atores em primeiro plano, personagens nas quinas, quase ofuscados pelos estrelismos.

Temos, então, uma relação utilitária entre o filme e esses personagens, que ali estão para atender alguma demanda de quem os observa e de quem os cria, sem pretender sair da estreita área de possibilidade dos “tipos” (uns mais homogêneos, outros menos). E a utilização deles é para ofertá-los ao espectador como símbolos de experiências contemporâneas - da  inconstância dos laços de afetos -, porém não para se tentar compreendê-los em seu momento histórico, tampouco para lhes dar a chance de emancipação. Esses seres estão lá também para rirmos de suas danações e batidas de cabeça no pântano afetivo.

Este, no entanto, não é um riso de superioridade em relação a quem observamos na tela, mas um riso-colete, perseguido para se chegar a uma terapia-exorcismo que cria anticorpos para os efeitos da desorganização de percursos. Somos convidados a rir, não sem sadismo, por estar ali como voyeurs, protegidos e assegurados pela operação narrativa que nos leva a ver os personagens como ratinhos de laboratório, algo mais ou menos comum em filmes originados no teatro ou teatralizado em sua encenação – Dogville, por exemplo. Se aceitamos o convite para presenciar a experiência, que tem a ver conosco por sermos partes da mesma humanidade, é grande a possibilidade de não nos reconhecermos ou aproximarmos dos tipos, pois eles são menos pessoas e mais símbolos de nosso tempo, sendo a peculiaridade de cada um tratada apenas como traço mais ou menos exótico.

Mike Nichols busca um olhar de complacência não moralista, e vacinado contra juízos implacáveis, no olhar dirigido aos dois casais – seja lá em qual formação. Mas se a legitimação do humano torto se dá nos acontecimentos, na forma há linhas retas demais na suposta estrada cheia de curvas. A dramaturgia concentrada em travessões e três pontinhos, avançando por elipses e pela negação dos processos de convivência (para se ater a uma sucessão de clímax e eventos definidores do futuro), não se traduz em sinuosidade na tela – a não ser por um amontoado de cortes de câmera raramente harmonioso. Embora pensado para assim sê-lo, de modo a se fazer a passagem de teatro para cinema sem condenar as possibilidades de câmera/cortes à matriz de palco e sem expor excessivamente a luta para se enterrar os gritos de lembrança emitidos pela fonte teatral, ambas metas não concretizadas. Se torto por efeito, Perto Demais crê no princípio da organização, da conciliação e da carícia no espectador. O desconforto parece ter ficado todo na tela.

Cléber Eduardo