SOB O CÉU DO LÍBANO
Randa Chahal Sabag, Le cerf-volant, Líbano/França, 2003

As famílias discutem o casamento dos noivos. Acontecimento prosaico, se elas não estivessem separadas pelo posto de controle israelense, que as obriga a conversarem através de megafones. Escutando e anotando o que falam, Youssef (Maher Bsaibes) – árabe que serve ao exército de Israel – apaixona-se por Lamia (Flavia Bechara), a prometida. A violência da ocupação israelense, a qual anexa territórios libaneses na calada da noite, cerca vilas com minas e arame farpado, divide famílias, destrói a identidade cultural de um povo – mas que, impotente, vê o amor florescer. Em Sob o Céu do Líbano, Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2003, a capacidade de resistência e a teimosia em continuar vivendo, a despeito das adversidades, são infelizmente mal trabalhadas pela cineasta Randa Chahal Sabag, incapaz de articular o tom fantasioso pretendido para a narrativa aos absurdos da dura realidade cotidiana a que os personagens se encontram submetidos.

Elia Suleiman, em Intervenção Divina, também mostra o impacto da ocupação israelense – no caso, sobre a Palestina. Ao unir cenas banais e repetitivas do dia-a-dia, todas calcadas na violência – o homem que sempre joga o lixo no quintal do vizinho, o outro que fura a bola de futebol dos garotos –, com seqüências delirantes a la Matrix, como a da terrorista, Suleiman retrata, por um lado, o completo nonsense em que subsiste a população (cuja vida diária se assemelha a um filme de Jacques Tati) e, por outro, a morte progressiva de uma sociedade, asfixiada e apodrecida pelo terror, tanto israelense quanto palestino, o qual penetra inclusive nos relacionamentos microscópicos e pessoais – que se tornam, por conseguinte, doentios e perversos.

Se em Intervenção Divina realidade e ficção se confundem, em Sob o Céu do Líbano elas se excluem, uma vez que o amor entre Lamia e Youssef é tratado como mero escapismo, capaz de, “poeticamente”, ultrapassar todas as barreiras, sejam as políticas (o conflito árabe-israelense), sejam as físicas (o posto de controle, o arame farpado e as minas que afastam os amantes). No choque proposto entre o real e a fantasia, Randa Chahal Sabag opta, paradoxalmente, por exagerar a realidade a fim de faze-la mais crível, amplificando, dessa feita, a necessidade dos personagens pela imaginação. Como efeito, todavia, tem-se o oposto: a valorização excessiva do cotidiano da pequena vila libanesa, assim como o destaque gratuito dos absurdos gerados pela presença israelense, apenas transforma o feroz e cruel ambiente sócio-político mostrado em caricatura grotesca, valendo-se da comédia (por exemplo, discutir os dotes sexuais do noivo pelo megafone) para expressar a tentativa dos habitantes de encarar a situação contrária com o mínimo de normalidade.

Visto que não há qualquer dramaticidade no real, Randa Chahal Sabag procura suprir a falta de calor de Sob o Céu do Líbano, artificialmente, sobretudo por meio da música onipresente, que não apenas realça, como também substitui a própria emoção da imagem – que não existe. A trilha sonora, da mesma forma que o uso do cinemascope (injustificado, já que os enquadramentos de Sabag são pobres, com os personagens no centro da composição, não relacionados com o vasto espaço que os cerca) e o simbolismo da pipa, servem para que a cineasta imprima no filme falsa conotação poética, pois somente o adequa aos clichês do que se convenciona chamar de “obra de arte”.

Em Sob o Céu do Líbano, portanto, Randa Chahal Sabag troca a emoção verdadeira pela pompa e circunstância daquilo que se considera “artístico”, como se ater-se às histórias e aos sentimentos dos personagens, ou ao contexto que os oprime, fossem insuficientes, por si mesmos, para justificar a existência do filme.

Paulo Ricardo de Almeida