Bob Esponja é, certamente,
o melhor exemplar contemporâneo da animação televisiva
a trabalhar o non-sense e a explorar os jogos
mecânicos e a plasticidade de seus personagens na construção
de um estatuto narrativo que se equilibra com talento
entre um niilismo adocicado e um romantismo crítico.
Um certo dom para o mau-comportamento e uma ode à idiotia
como objeto de desvio do óbvio aparecem na série da
TV e nesse longa-metragem como eixos discursivos de
um universo de idéias que está longe de se resolver
sobre a mera estética do precário e do vazio, que toma
conta de toda uma linhagem de animações na TV a cabo
contemporânea.
Elogio rasgado à juventude e à coragem, o longa-metragem
ganha ao conseguir levar à grande tela o mesmo espírito
de anarquia involuntária que Bob Esponja e seu amigo
Patrick conseguem instaurar em uma vizinhança talhada
para ser pacata e coordenada por hábitos “adultos”.
O erro em Bob Esponja aparece sempre como elemento
antes do inesperado do que do falso, apostando em uma
trama que deixa de lado o bom-gosto e os limites, conseguindo
graça em piadas superexploradas e reflexão de linguagem
ao ultrapassar a comicidade em direção a um comentário
crítico sobre a própria constituição do elemento cômico.
Uma filiação entre o trabalho de Bob Esponja
e o tipo de universo construído pelos irmãos Farrelly
no cinema “adulto” não é pequena, sendo cabível dizer
que a esponja e a estrela, aqui, encarnam espíritos
similares aos das duplas típicas dos filmes talhados
pelos cineastas – sendo ambos donos de um vigor que
ganha ao ignorar o bom senso, ao explorar o mau gosto
como forma de contornar o já-visto.
É certo que a narrativa alongada por vezes se torna
repetitiva, e que Bob Esponja é mesmo um ser nascido
para curtas-metragens lacônicos, mas essa chegada ao
cinema não chega a sujar o trajeto do personagem. Uma
pena é que figuras geniais como Lula Molusco e Sandy
tenham sido deixados de lado em prol de uma trama de
“road-movie” que leva seus protagonistas para além do
território comum à série. (Pecado maior ainda é a opção
de deixar o tema musical “havaiano” de fora dos créditos
finais do filme...)
Ainda assim, a loucura encarnada pelo personagem, mesclada
a uma doçura que o distancia de qualquer emulação de
um cinismo vazio, faz do filme um bem sucedido tentáculo
desse que é um dos personagens infanto-juvenis mais
interessantes e complexos da TV nos últimos anos. Bob
Esponja consegue costurar traços da melhor tradição
averyana de animação charge com o caldo
multi-referencial reflexivo, típico do audiovisual infanto-juvenil
das últimas décadas. No olhar patético de Bob Esponja
está um convite eficaz e cativante para a crítica da
linguagem cômica e para a celebração do absurdo como
exercício do novo.
Felizes as “crianças”, os “jovens” e os “adultos” que
possam ter contato com esse liquidificador ironicamente
inconseqüente. Uma alegria sem razão de ser e que ignora
seus motivos em pequenos acidentes de transcendência.
Felipe Bragança
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