BOB ESPONJA - O FILME
Sherm Cohen, The Sponge Bob Squarepants Movie, EUA, 2004

Bob Esponja é, certamente, o melhor exemplar contemporâneo da animação televisiva a trabalhar o non-sense e a explorar os jogos mecânicos e a plasticidade de seus personagens na construção de um estatuto narrativo que se equilibra com talento entre um niilismo adocicado e um romantismo crítico. Um certo dom para o mau-comportamento e uma ode à idiotia como objeto de desvio do óbvio aparecem na série da TV e nesse longa-metragem como eixos discursivos de um universo de idéias que está longe de se resolver sobre a mera estética do precário e do vazio, que toma conta de toda uma linhagem de animações na TV a cabo contemporânea.

Elogio rasgado à juventude e à coragem, o longa-metragem ganha ao conseguir levar à grande tela o mesmo espírito de anarquia involuntária que Bob Esponja e seu amigo Patrick conseguem instaurar em uma vizinhança talhada para ser pacata e coordenada por hábitos “adultos”. O erro em Bob Esponja aparece sempre como elemento antes do inesperado do que do falso, apostando em uma trama que deixa de lado o bom-gosto e os limites, conseguindo graça em piadas superexploradas e reflexão de linguagem ao ultrapassar a comicidade em direção a um comentário crítico sobre a própria constituição do elemento cômico. Uma filiação entre o trabalho de Bob Esponja e o tipo de universo construído pelos irmãos Farrelly no cinema “adulto” não é pequena, sendo cabível dizer que a esponja e a estrela, aqui, encarnam espíritos similares aos das duplas típicas dos filmes talhados pelos cineastas – sendo ambos donos de um vigor que ganha ao ignorar o bom senso, ao explorar o mau gosto como forma de contornar o já-visto.

É certo que a narrativa alongada por vezes se torna repetitiva, e que Bob Esponja é mesmo um ser nascido para curtas-metragens lacônicos, mas essa chegada ao cinema não chega a sujar o trajeto do personagem. Uma pena é que figuras geniais como Lula Molusco e Sandy tenham sido deixados de lado em prol de uma trama de “road-movie” que leva seus protagonistas para além do território comum à série. (Pecado maior ainda é a opção de deixar o tema musical “havaiano” de fora dos créditos finais do filme...)

Ainda assim, a loucura encarnada pelo personagem, mesclada a uma doçura que o distancia de qualquer emulação de um cinismo vazio, faz do filme um bem sucedido tentáculo desse que é um dos personagens infanto-juvenis mais interessantes e complexos da TV nos últimos anos. Bob Esponja consegue costurar traços da melhor tradição averyana de animação charge com o caldo multi-referencial reflexivo, típico do audiovisual infanto-juvenil das últimas décadas. No olhar patético de Bob Esponja está um convite eficaz e cativante para a crítica da linguagem cômica e para a celebração do absurdo como exercício do novo.

Felizes as “crianças”, os “jovens” e os “adultos” que possam ter contato com esse liquidificador ironicamente inconseqüente. Uma alegria sem razão de ser e que ignora seus motivos em pequenos acidentes de transcendência.

Felipe Bragança