Um
dos cinemas contemporâneos de maior interesse
talvez seja esse que se interessa antes pela observação
crítica de espaços horizontalizados do
que na proposição sintética de
desfechos lineares. Elefante (Van Sant), O
Prisioneiro da Grade de Ferro (Sacramento), A
Cidade Louvre (e o cinema de Philibert, majoritariamente),
o cinema de Frederick Wiseman e do Eduardo Coutinho
pós-Santa Marta, são alguns exemplos
de um certo movimento em direção um cinema
onde a fruição de eventos não se
articula em uma seqüenciação cronológica
de narrativa, mas em uma espécie de cartografia
muldirecional em que a construção de dramaturgia
se dá por uma lógica de mosaico – onde
os planos antes se atraem e se compõe,
do que se sucedem. Van Sant navega por uma high
school como Sacramento nos convida ao complexo do
Carandiru, como Wiseman se esgueira pelas instituições
norte-americanas, como Coutinho se enreda pelas falas
dos moradores de um edifício em Copacabana, como
Philibert flutua pelo Museu do Louvre. Nesse jogo de
tabuleiro (vale lembrar aqui do Dez de Kiarostami),
onde tudo interessa, está em foco não
a descrição pontual de eventos, mas as
inter-relações possíveis e as diferenciações
internas de seus rituais. Não através
da descrição ordenada, mas da expansão
espacial em busca de uma determinada atmosfera/espírito
fugidia e sempre em mutação. Um cinema
mais interessado nos mapeamentos de espaços simbólicos,
de teatros localizados e da forma como os corpos ali
se relacionam, do que na psicologização
aprofundada de personagens. No lugar do aprofundamento,
há um espaço para a ampliação
de sentidos nas formas como as diferentes partes e pequenos
flagrantes de suas partes se atraem e se negam. Hábitos
que regem e são regidos por um jogo de forças
que ultrapassa as vidas particulares sem submetê-las,
mas tramadas como um grande organismo de gestos, idéias,
práticas e desejos. Onde a imagem parece tomar
antes a forma de rastro atravessado de um todo disperso
do que como elemento funcional de discurso diretivo
ou síntese temática. Um cinema de navegação.
Um cinema de divagações. Apaixonado por
seus oceanos.
Felipe Bragança
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