STARSKY & HUTCH – JUSTIÇA EM DOBRO
Todd Phillips, Starsky & Hutch, EUA, 2004

Seriado policial ícone de uma estética da década de 70 – assim como Miami Vice foi para os anos 80 – Starsky & Hutch é contemporâneo e quase complementar de As Panteras. Sua adaptação para o cinema é sem dúvida parte de um processo mais que natural. Mas se nos dois filmes de As Panteras o diretor McG optou por um completo trabalho de reciclagem, apropriando-se da idéia básica do programa, mas criando um novo produto, com uma linguagem marcante e que guarda uma identidade bastante individualizada dentro da produção atual do cinema popular de Hollywood, Starsky & Hutch, o filme, parte essencialmente de pouco mais que uma mera repetição de elementos do original, como o inevitável carrão vermelho com uma faixa branca, e os jurássicos casacões e óculos Ray-ban usados pela dupla de detetives.

A série Starsky & Hutch foi basicamente um policial de ritmo bastante ágil, com a presença – mas não o predomínio – de elementos cômicos, que ajudou a cristalizar a fórmula do que o cinema costumou chamar de "buddy movie", com sua dramaturgia cercada em uma dupla de personagens de temperamentos antagônicos, mas complementares – do que o exemplo mais marcante é a tetralogia Máquina Mortífera. Na transposição para o cinema, a opção foi priorizar a faceta humorística. Tendo em vista tal opção, parece em princípio acertada a escolha do diretor Phillips, que vinha de dois razoáveis êxitos no gênero (Road Trip, Old School) assim como a escalação para o elenco dos principais membros do que podemos chamar de uma "panelinha" de atores que vem dominando a comédia americana, quase sempre com resultados bastante positivos, vide os recentes e muito bons O Âncora e Com a Bola Toda. Temos os protagonistas Ben Stiller e Owen Wilson repetindo uma sintonia já mais que burilada em cinco filmes anteriores. E também Will Ferrell (em papel pequeno não creditado), além dos vilões Jason Bateman e Vince Vaughn, novo nome na linha de frente da "panelinha".

Mas ao contrário dos demais trabalhos citados no parágrafo anterior, Starsky & Hutch praticamente não decola, voando sempre muito raso, sendo um filme que pode muito bem ser definido pelo termo "meia-bomba". Certamente pelo fato de – ao oposto de As Panteras – jamais entrar fundo em algumas idéias que ao longo do filme passam pela tangente. A abertura de Starsky & Hutch ao som de Barry Manilow, ícone do pop-brega americano da época, sugere uma sátira – que mal se concretiza em seguida – à cafonice setentista. Mas a utilização das canções na trilha sonora acaba sendo a única parte cem por cento acertada do filme. O clima "meia-bomba" fica flagrante no roteiro com um tratamento nada criativo, que mistura uma trama policial clichê a uma comédia quase sempre chocha e meio sem graça. Ao que parece, pela visão das cenas eliminadas apresentadas no DVD, na tentativa de se agradar um público mais abrangente, houve na sala de montagem uma espécie de suavização de alguns elementos, principalmente no que se refere a uma faceta malandra, quase desonesta, de Hutch.

O melhor e mais engraçado momento de Starsky & Hutch é justamente a única seqüência onde não se foge do clima de cara-de-pau e vulgaridade, que tanto contribuiu para que O Âncora e Com a Bola Toda dessem tão certo, mas que, exceto em raríssimos momentos, não é assumido no filme de Phillips. O interrogatório ao prisioneiro pervertido vivido por Will Ferrell sugere, somado ao talento e cumplicidade de seus ótimos atores, o que Starsky & Hutch poderia ter sido caso o tom dessa cena, que se encerra com uma sugestiva elipse, predominasse durante toda a projeção. Pena que durante quase todo o resto o que se vê na tela não corresponda ao potencial de algumas piadas – como na seqüência com a dupla de cheerleaders e Starsky drogado –, passando por referências tolas a outros filmes (O Poderoso Chefão, Sem Destino, Embalos de Sábado à Noite) e chegando até a alguns momentos simplesmente dispensáveis, principalmente quando aparece o policial provocador vivido por Chris Penn. Curiosamente, o extra de entrevistas que acompanha o DVD é todo desenvolvido de forma satírica (?) como se os atores e equipe estivessem cientes do fracasso do projeto e pedindo desculpas pelo mau-passo em suas carreiras. Certamente não é para tanto, mas que podia ter sido bem melhor, podia.


Gilberto Silva Jr.

(DVD e VHS: Warner)