Seriado policial ícone de uma estética
da década de 70 – assim como Miami Vice foi
para os anos 80 – Starsky & Hutch é
contemporâneo e quase complementar de As Panteras.
Sua adaptação para o cinema é sem
dúvida parte de um processo mais que natural.
Mas se nos dois filmes de As Panteras o diretor
McG optou por um completo trabalho de reciclagem, apropriando-se
da idéia básica do programa, mas criando
um novo produto, com uma linguagem marcante e que guarda
uma identidade bastante individualizada dentro da produção
atual do cinema popular de Hollywood, Starsky &
Hutch, o filme, parte essencialmente de pouco mais
que uma mera repetição de elementos do
original, como o inevitável carrão vermelho
com uma faixa branca, e os jurássicos casacões
e óculos Ray-ban usados pela dupla de detetives.
A série Starsky & Hutch foi basicamente
um policial de ritmo bastante ágil, com a presença
– mas não o predomínio – de elementos
cômicos, que ajudou a cristalizar a fórmula
do que o cinema costumou chamar de "buddy movie",
com sua dramaturgia cercada em uma dupla de personagens
de temperamentos antagônicos, mas complementares
– do que o exemplo mais marcante é a tetralogia
Máquina Mortífera. Na transposição
para o cinema, a opção foi priorizar a
faceta humorística. Tendo em vista tal opção,
parece em princípio acertada a escolha do diretor
Phillips, que vinha de dois razoáveis êxitos
no gênero (Road Trip, Old School) assim
como a escalação para o elenco dos principais
membros do que podemos chamar de uma "panelinha"
de atores que vem dominando a comédia americana,
quase sempre com resultados bastante positivos, vide
os recentes e muito bons O Âncora e Com
a Bola Toda. Temos os protagonistas Ben Stiller
e Owen Wilson repetindo uma sintonia já mais
que burilada em cinco filmes anteriores. E também
Will Ferrell (em papel pequeno não creditado),
além dos vilões Jason Bateman e Vince
Vaughn, novo nome na linha de frente da "panelinha".
Mas ao contrário dos demais trabalhos citados
no parágrafo anterior, Starsky & Hutch
praticamente não decola, voando sempre muito
raso, sendo um filme que pode muito bem ser definido
pelo termo "meia-bomba". Certamente pelo fato
de – ao oposto de As Panteras – jamais entrar
fundo em algumas idéias que ao longo do filme
passam pela tangente. A abertura de Starsky &
Hutch ao som de Barry Manilow, ícone do pop-brega
americano da época, sugere uma sátira
– que mal se concretiza em seguida – à cafonice
setentista. Mas a utilização das canções
na trilha sonora acaba sendo a única parte cem
por cento acertada do filme. O clima "meia-bomba"
fica flagrante no roteiro com um tratamento nada criativo,
que mistura uma trama policial clichê a uma comédia
quase sempre chocha e meio sem graça. Ao que
parece, pela visão das cenas eliminadas apresentadas
no DVD, na tentativa de se agradar um público
mais abrangente, houve na sala de montagem uma espécie
de suavização de alguns elementos, principalmente
no que se refere a uma faceta malandra, quase desonesta,
de Hutch.
O melhor e mais engraçado momento de Starsky
& Hutch é justamente a única seqüência
onde não se foge do clima de cara-de-pau e vulgaridade,
que tanto contribuiu para que O Âncora
e Com a Bola Toda dessem tão certo, mas
que, exceto em raríssimos momentos, não
é assumido no filme de Phillips. O interrogatório
ao prisioneiro pervertido vivido por Will Ferrell sugere,
somado ao talento e cumplicidade de seus ótimos
atores, o que Starsky & Hutch poderia ter
sido caso o tom dessa cena, que se encerra com uma sugestiva
elipse, predominasse durante toda a projeção.
Pena que durante quase todo o resto o que se vê
na tela não corresponda ao potencial de algumas
piadas – como na seqüência com a dupla de
cheerleaders e Starsky drogado –, passando por
referências tolas a outros filmes (O Poderoso
Chefão, Sem Destino, Embalos de Sábado
à Noite) e chegando até a alguns momentos
simplesmente dispensáveis, principalmente quando
aparece o policial provocador vivido por Chris Penn.
Curiosamente, o extra de entrevistas que acompanha o
DVD é todo desenvolvido de forma satírica
(?) como se os atores e equipe estivessem cientes do
fracasso do projeto e pedindo desculpas pelo mau-passo
em suas carreiras. Certamente não é para
tanto, mas que podia ter sido bem melhor, podia.
Gilberto Silva Jr.
(DVD
e VHS: Warner)
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