Galera do Mal (Saved!,
no original) gira em torno de dilemas adolescentes num
ambiente escolar altamente religioso, onde a vida de
todos é profundamente regida pela presença de Deus e
seus desígnios. A protagonista, com o sugestivo nome
de Mary, para tentar “salvar” o namorado que ela percebe
estar “virando” gay, resolve se entregar a ele
e acaba engravidando, tendo que enfrentar a hostilidade
do grupo liderado por Hilary Faye, a garota mais popular
do colégio. Ser popular aqui significa ser a mais religiosa
e estar à frente dos principais eventos da escola, assim
como “condenar” publicamente a menina judia rebelde
e nada pudica. Ou seja: todos os estereótipos de um
filme de high-school americana são reproduzidos
com um colorido religioso. O filme tenta “colocar em
questão” o fanatismo por meio da paródia exagerada e
da caricatura absoluta, para no final postular a fé
numa transcendência, afirmando a necessidade de “moderação”
quanto a todos os principais ditames morais do cristianismo
– o que acaba se revelando uma crítica das mais rasteiras
e denunciando a estratégia de negar para afirmar. Condenando
um comportamento exagerado e cego, ele tenta cativar
e ganhar força para convencer-nos de que “há algo maior”,
sim, mas que é preciso ter jogo de cintura.
É preciso compreender que Mary estava bem-intencionada
ao oferecer seu corpo para o namorado, que ser homossexual
não faz de ninguém filho do diabo e negador da palavra
divina, que ter fé verdadeiramente não significa almejar
uma posição de grande visibilidade pública que traga
sucesso e admiradores, que aceitar o diferente é muito
mais cristão do que acusá-lo de infiel. Na verdade,
Galera do Mal se estrutura a partir de um ponto
de vista de uprightness, afirmando que ser falso,
materialista e interesseiro ou não ter opinião própria
deve ser inaceitável, para então valorizar o que seria
justo e bom: a compreensão, o perdão, o amor ao próximo,
a sensibilidade, a honestidade, a sinceridade. E, neste
movimento, é muito importante lembrar que, juntamente
com esta “releitura” da espiritualidade, o que é valorizado
e afirmado ao longo de todo o filme é o Amor. Mais do
que o amor cristão, o amor romântico. É ele que promove
a redenção final, ocupando seu lugar de direito na viabilização
de um final feliz. Pois não é de outra forma que o diretor
arremata sua operação de crítica aparente.
Torpe e ardiloso, o filme busca resgatar os preceitos
mais básicos da moral judaico-cristã, como perdão e
amor ao próximo, com a apresentação de um processo de
degradação desta (vista principalmente como a banalização
da religiosidade), numa tentativa de renová-la com a
ressignificação do que poderia ameaçá-la em tempos de
consumo desenfreado e esvaziamento de sentidos e valores.
O homossexualismo, o desejo sexual irreprimível a rebeldia
adolescente, a vaidade e o culto ao corpo, a necessidade
do respaldo de um coletivo (“o grupo”), a gravidez adolescente,
a mãe solteira, o relacionamento entre jovens; tudo
é incorporado e tem seu valor convertido a partir da
lógica de incorporação de um certo liberalismo para
o fortalecimento e a sobrevivência de uma moralidade
ultrapassada e largamente rejeitada por uma maioria
da população. É como se, subitamente, os valores cristãos
diluídos no senso comum precisassem ser reafirmados
como um cabedal de princípios morais a serem lembrados.
Por fim, o filme, com este propósito claro, se dedica
especialmente aos jovens, estes que ele quer “salvar”,
assumindo todos os clichês do gênero apenas para fantasiá-los
com os tema em questão, de acordo com o que está em
jogo. A “vilã” é a menina intolerante, superficial e
fanática; a garota “certinha” é compreensiva e tem um
bom coração, sabe entender as palavras de Deus em sentidos
mais amplos, acolhendo seus semelhantes e valorizando
suas características distintivas; a bad girl
e o bad boy não são lá muito religiosos, mas
são respeitosos dos outros, e, sobretudo, éticos. Pela
sua atitude de “ponderação”, o diretor pretende atingir
todo um público que se sensibilize com as problemáticas
“atuais” apresentadas e reconheça as afirmações construídas
como respostas apropriadas e sensatas a uma certa “imoralidade”
que enfrentaríamos hoje. Extremamente reconciliatório
e esquemático, o filme, de fato, não questiona nem problematiza
nada, não consegue transmitir nenhum sentimento genuíno
nem dar autenticidade a seus personagens. Apenas opera
um jogo sentimentalóide para aliviar e amainar qualquer
angústia moral que ainda possa atingir os cristãos moderados,
que buscam a melhor forma de “casar” fé e vida comum.
Desnecessário e reacionário.
Tatiana Monassa
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