PARALELAS E TRANSVERSAIS
Nathalie X, de Anne Fontaine
A Sétima Vítima, de Jaume Balagueró


Nathalie..., França, 2003
Darkness, EUA/Espanha, 2002


Porque diabos colocar um autêntico filme de gênero no mesmo texto que trata de um filme de “palavras”, um filme de relações humanas na tradição tão francesa? Por um motivo bem simples: o fracasso de ambas as propostas passam por uma mesma incapacidade – a de tornar cinema aquilo que propõem.

No primeiro caso, o de A Sétima Vítima, a confusão que Jaume Balagueró faz é entre o que seja “medo” com o que na verdade é susto. Não é difícil, com o domínio da percepção do espectador que o cinema permite, causar um susto: um barulho mais alto, uma nota forte das cordas na trilha sonora, uma sombra que passa na frente da câmera... e voilá! Susto garantido. Daí a provocar o medo... vai uma enorme diferença. Pois não há um só fotograma neste filme de Balagueró (que, produção de 2002, só agora estréia nos EUA, em fins de 2004, o que dificilmente é um bom sinal) que cause real medo. Neste seu autêntico mélange de lugares comuns do cinema de horror recente (sejam os lugares comuns narrativos, sejam os de mise-en-scène), não sobra um fotograma de diferenciação, de novidade – ou, pior que isso tudo, de eficácia.

É verdade que o começo animará em especial as platéias masculinas quando, com uma perversidade quase nabokoviana, Balagueró nos revela em três seqüências seguidas que Anna Paquin (a menininha de O Piano) cresceu – e como. Parece até um compêndio de fantasias sexuais lolísticas: ela em roupinhas de dormir, ela em maiô, ela em topzinho casual. É o máximo de sensações que o filme nos causará, infelizmente. Paquin, inclusive, logo se revela um dos grandes problemas do filme, numa interpretação monótona onde parece usar sempre a mesma expressão de “meu Deus, tem alguma coisa errada aqui”. Infelizmente, nós só podemos acreditar na “palavra” dela porque Balagueró nunca consegue dividir essa sensação conosco – o filme é especialmente mal-sucedido, em sendo essencialmente um filme de “casa mal assombrada”, em nos fazer acreditar no clima daquele ambiente que (por mais que ele insista em tremer a imagem obsessivamente) nunca ganha vida própria (como convém a uma assombração). Há, na seqüência da tradicional “revelação da trama”, a cargo de Giancarlo Gianinni, quase uma sensação de “este cara está brincando comigo”, mas a comicidade eventual infelizmente parece mais involuntária do que desejada.

A produção do filme é um interessante clone de Os Outros, onde a Dimension Films americana tentou repetir o feito de Alejandro Amenábar, dando liberdade para Balagueró para filmar na sua Espanha natal, com uma equipe toda ela local. Só que Balagueró definitivamente não é Amenábar – e tudo que era clima, perturbação, vida na morte no caso do espanhol anterior, aqui é derivação, repetição e tédio.


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Não é exagero afirmar que Nathalie X é um filme sobre sexo – sobre relações humanas antes de tudo, mas estas vistas pelo prisma preponderante do sexo dentro destas relações. Pois bem, como tal Nathalie X é um filme que pedia muito tesão da parte de sua realização – e isso é tudo que ele não tem. Assim como no caso do filme de Balagueró, há uma confusão entre duas sensações – só que ao invés de medo e susto, aqui se confunde tesão com atração visual simples. Claro, atração visual com Emmanuelle Béart narrando desventuras sexuais, ou dançando como uma prostituta de luxo, não é difícil criar. Mas, tesão são outros quinhentos... quinhentos que Anne Fontaine nunca consegue colocar na tela. Com isso, toda a teoria por trás do filme (a da revitalição/sublimação de uma desgastada relação marido/mulher, por parte dela, através das aventuras sexuais dele com uma prostituta que ela contrata – para depois lhe fazer estes relatos), cai por terra quando tornada prática, quando tornada filme.

Mais uma vez há um espelhamento do filme de Balagueró na completa incapacidade do filme criar empatia entre espectadores e sua protagonista (aqui, como lá, o centro nervoso da narrativa). Só que aqui a coisa é um pouco mais sério já que, ao contrário de uma ainda púbere Paquin, temos Fanny Ardant – a quem certamente não falta cancha na sua caracterização. Resta somente a hipótese (facilmente comprovada pelo filme) do completo equívoco de tom que permeia cada enquadramento, cada corte (há alguns dos fade outs mais feios do cinema em tempos), cada movimento dos atores. Fontaine desperdiça constantemente possibilidades de interesse, principalmente com o personagem do marido (por Gerard Depardieu), com o qual ficamos com a clara impressão que ela precisava radicalizar e torná-lo um fantasma não-presente (como em Bens Confiscados, de Carlos Reichenbach, por exemplo), ou então desenvolvê-lo com outras tintas. Como está, Depardieu não é um fantasma e sim um morto-vivo a perambular pelo filme (com todo o charme que ele consegue extrair disso, mas ainda assim sem um norte cinematográfico a guiá-lo).

Mas o mais grave é realmente a incapacidade de Fontaine criar qualquer clima com seu gimmick narrativo essencial (a construção da narrativa em torno das mentiras/fantasias que compõem o discurso de Béart). Não é nem o caso de reclamar apenas do fato de que o filme trata como uma revelação surpreendente aquilo que é mais do que óbvio no filme inteiro (porque esta incapacidade de “surpreender” é menos importante do que a obsessão moderna com a “ixperteza” faz supor). É, acima de tudo, caso de se reclamar de o filme girar em torno de um jogo de registros (verdade/mentira, fantasia/criação, sexualidade/pudor) que ele nunca faz questão de incorporar como linguagem – e por isso soa falso, frio, desimportante o tempo todo. Um exemplo simples: porque o filme não dá imagem a qualquer dos fatos narrados por Béart? Claro, pode-se pegar a resposta mais fácil: porque devemos imaginá-los, como a personagem de Ardant. Mas, por conta de uma resposta fácil, joga-se fora um jogo muito mais complexo e relevante na narrativa audiovisual, que seria aquele do estatuto de cada imagem. Como está o filme cai no banal: imagem que está no filme é real, imagem que não está nele é nossa imaginação. Ao não articular estes pólos (entre tantos outros possíveis), o filme não consegue qualquer “sentimento” da parte do espectador – o que seria menos grave se ele propusesse um filme “racional”, mas não é este o caso, como fica claro nas tentativas (dolorosamente frustradas) de cenas de “clima” (onde com o uso de músicas “cool” se tenta um efeito-Claire Denis de imersão, que resulta incrivelmente errado, sem conexão com o filme).

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O que A Sétima Vítima e Nathalie X configuram, para além de qualquer outra coisa, são exemplos indubitáveis da ausência de algo que muitas vezes parece difícil de conceituar quando se trata de análise de cinema: talento de encenação, capacidade de criar clima. Fontaine e Balagueró, ao menos julgando-se por estes dois filmes, podem ter as idéias certas nas mãos em determinados momentos – mas isso nunca implica em filmes minimamente funcionais.

Eduardo Valente