MORTE NO INVERNO
William Richert, Winter Kills, EUA, 1979

Tablóide Americano

Dada a freqüência com que a paranóia foi tema da melhor literatura americana a partir da década de 60 (Thomas Pynchon, Don Delillo), é curioso observar como o cinema americano raramente fez bom uso do tema. Os três melhores filmes americanos sobre o assunto, até onde eu sei, são três thrillers de baixo orçamento feitos entre 77 e 81: FBI – Arquivo Secreto, uma excelente biografia do famoso chefão do FBI J. Edgar Hoover, de Larry Cohen; Cutter’s Way, uma estranha fantasia cômica dirigida por Ivan Passer (roteirista dos filmes tchecos de Milos Forman, que depois teve uma estranhíssima e inspiradíssima carreira subterrânea em Hollywood) e este Morte no Inverno, realizado pelo desconhecido Richert. Que todos estes filmes tenham sido imensos fracassos de público e tenham sido tratados com desprezo pelos próprios distribuidores diz muito sobre como eles vão direto ao alvo. Adaptando um roman à clef de Richard Condor sobre o assassinato de John Kennedy, Richert construiu um intrigante misto de cinefilia, estética de revistas em quadrinhos e um perverso gosto por jogar com o espectador. A trama é bastante simples: o caçula (Jeff Bridges) de uma milionária família, cujo filho mais velho fora assassinado quando exercia a presidência, acaba, 20 anos depois, trombando com um homem moribundo que se diz "o segundo atirador". Com o apoio financeiro/logístico do pai (John Huston) ele tenta, por contra própria, investigar o crime e topa com um sem-número de teorias conspiratórias e uma interminável parada de ex-estrelas em final de carreira (Anthony Perkins, Eli Wallach, Sterlyng Hayden, Elizabeth Taylor, Ralph Meeker, Richard Boone, Tomas Millian, Dorothy Malone, Toshiro Mifune).

De certa forma, Richert constrói seu filme como se estivesse fazendo um filme de Welles. A montagem tende a fragmentar o filme e aumentar o senso de confusão como em muitos dos filmes finais de Welles (em especial O Processo), e a personagem interpretada por Huston parece moldada nas grandes figuras controladoras e corruptas que estão no centro de boa parte da obra do cineasta. Mas Richert tempera a influência do mestre com grandes doses de humor absurdo e uma estética exagerada que lembra, por vezes, HQs que alteram consideravelmente o tom e o sentido da homenagem. Da mesma forma, a presença de tantos atores famosos é enriquecida para além da mera referência pela habilidade de Richert de dar um certo tom sinistro à sua exploração do valor iconográfico que cada um daqueles nomes incluem.

O filme se constrói todo a partir de uma tensão obtida por um tom propositalmente incerto. Nunca sabemos se o diretor trata as teorias progressivamente paranóicas que Bridges encontra a sério ou não; ou melhor, é como se ao mesmo tempo o cineasta procedesse das duas maneiras. O resultado é uma intensificação da paranóia. Cada um dos gêneros (comédia, suspense) ilumina o outro com o efeito de deixar o filme mais forte. O filme tem muitos momentos engraçadíssimos (a caçada à raposa de Hayden, num tanque de guerra, que termina com Bridges como caça é especialmente engraçada), mas quanto mais se ri mais assustador ele também se torna (neste sentido a influência de Pynchon é até maior que a de Welles). No final, quando todas as teorias sobrepõem-se uma às outras – e nosso representante em cena (Bridges) sequer sabe se aquele que o manipulara até ali não era só mais uma peça sendo manipulada acima –; quando tudo que está conectado leva a um completo colapso de significado, já não sabemos como rir mais.

Filipe Furtado

(VHS: Globo Filmes)