Tablóide
Americano
Dada a freqüência com que a paranóia
foi tema da melhor literatura americana a partir da
década de 60 (Thomas Pynchon, Don Delillo), é
curioso observar como o cinema americano raramente fez
bom uso do tema. Os três melhores filmes americanos
sobre o assunto, até onde eu sei, são
três thrillers de baixo orçamento
feitos entre 77 e 81: FBI – Arquivo Secreto,
uma excelente biografia do famoso chefão do FBI
J. Edgar Hoover, de Larry Cohen; Cutter’s Way,
uma estranha fantasia cômica dirigida por Ivan
Passer (roteirista dos filmes tchecos de Milos Forman,
que depois teve uma estranhíssima e inspiradíssima
carreira subterrânea em Hollywood) e este Morte
no Inverno, realizado pelo desconhecido Richert.
Que todos estes filmes tenham sido imensos fracassos
de público e tenham sido tratados com desprezo
pelos próprios distribuidores diz muito sobre
como eles vão direto ao alvo. Adaptando um roman
à clef de Richard Condor sobre o assassinato
de John Kennedy, Richert construiu um intrigante misto
de cinefilia, estética de revistas em quadrinhos
e um perverso gosto por jogar com o espectador. A trama
é bastante simples: o caçula (Jeff Bridges)
de uma milionária família, cujo filho
mais velho fora assassinado quando exercia a presidência,
acaba, 20 anos depois, trombando com um homem moribundo
que se diz "o segundo atirador". Com o apoio
financeiro/logístico do pai (John Huston) ele
tenta, por contra própria, investigar o crime
e topa com um sem-número de teorias conspiratórias
e uma interminável parada de ex-estrelas em final
de carreira (Anthony Perkins, Eli Wallach, Sterlyng
Hayden, Elizabeth Taylor, Ralph Meeker, Richard Boone,
Tomas Millian, Dorothy Malone, Toshiro Mifune).
De certa forma, Richert constrói seu filme como
se estivesse fazendo um filme de Welles. A montagem
tende a fragmentar o filme e aumentar o senso de confusão
como em muitos dos filmes finais de Welles (em especial
O Processo), e a personagem interpretada por
Huston parece moldada nas grandes figuras controladoras
e corruptas que estão no centro de boa parte
da obra do cineasta. Mas Richert tempera a influência
do mestre com grandes doses de humor absurdo e uma estética
exagerada que lembra, por vezes, HQs que alteram consideravelmente
o tom e o sentido da homenagem. Da mesma forma, a presença
de tantos atores famosos é enriquecida para além
da mera referência pela habilidade de Richert
de dar um certo tom sinistro à sua exploração
do valor iconográfico que cada um daqueles nomes
incluem.
O filme se constrói todo a partir de uma tensão
obtida por um tom propositalmente incerto. Nunca sabemos
se o diretor trata as teorias progressivamente paranóicas
que Bridges encontra a sério ou não; ou
melhor, é como se ao mesmo tempo o cineasta procedesse
das duas maneiras. O resultado é uma intensificação
da paranóia. Cada um dos gêneros (comédia,
suspense) ilumina o outro com o efeito de deixar o filme
mais forte. O filme tem muitos momentos engraçadíssimos
(a caçada à raposa de Hayden, num tanque
de guerra, que termina com Bridges como caça
é especialmente engraçada), mas quanto
mais se ri mais assustador ele também se torna
(neste sentido a influência de Pynchon é
até maior que a de Welles). No final, quando
todas as teorias sobrepõem-se uma às outras
– e nosso representante em cena (Bridges) sequer sabe
se aquele que o manipulara até ali não
era só mais uma peça sendo manipulada
acima –; quando tudo que está conectado leva
a um completo colapso de significado, já não
sabemos como rir mais.
Filipe Furtado
(VHS:
Globo Filmes)
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