Só quem não tem acompanhado
com dedicação as estréias de filmes argentinos no circuito,
e suas exibições em mostras, pode supor a existência
de um cinematografia esteticamente forte no país vizinho.
Se uns poucos exemplos são realmente talentosos, como
se pôde verificar em O
Pântano e La
Ninã Santa, de Lucrecia Martel, em El
Bonaerense, de Pablo Trapero, e Los
Muertos, de Lisandro Alonso, há que afirmá-los como
luminosas exceções de um conjunto irregular. Porque, mesmo se levando em conta
o limite de circulação de cópias a nós imposto pelos
mecanismos de distribuição e pelas curadorias das mostras,
pode se vislumbrar pelas obras por nós conhecidas uma
quantidade significativa de trabalhos inócuos ou modestos
em suas ambições artísticas. Ilusão
de Movimento talvez seja o mais evidente sinal dessa
categoria. Se há filmes que não nos agradam, mas têm
características capazes de justificar o investimento
de dinheiro por parte do distribuidor e de interesse
por parte da platéia, neste caso essas atrações estão
invisíveis.
A ausência de qualquer traço instigante é menos responsabilidade
da proposta e quase só da realização. O eixo central
é o retorno de um quarentão à sua cidade, Rosário, em
1986, e sua aproximação com o filho de pouca idade,
a quem não conhecia – ruptura essa gerada pelo regime
militar. A convivência de adulto e criança é intercalada
com cenas empregadas para se esboçar um perfil das pessoas
daquele espaço geográfico. A imersão na subjetividade
dos personagens e nas singularidades do ambiente logo
será abortada. Algumas das cenas e diálogos despem-se
de funcionalidade dramática para tentarem se manter
como registros autônomos de pequenos momentos não espetaculares
do cotidiano; são sustentados por bate-papos, sem relevância
para além da de serem “instantes da vida”. O que, enquanto
proposta, é até salutar. Da mesma forma, algumas situações
remetem a um passado envolto em mistério e não são decifradas,
para assim termos apenas entendimento parcial das motivações
dos personagens – outra proposta interessante.
O diretor Hector Molina, constata-se porém, investe
na incompletude: também persegue olhares e expressões
em silêncio para tentar extrair de tais momentos alguma
centelha de encanto estético. Visa-se captar superfícies
e palavras sem dar a elas um sentido pleno para entendermos
o mundo onde se dá a ação. Há uma sensação de aborto
permanente, talvez derivada das rupturas familiares
causadas pelas questões políticas (nunca uma questão,
na verdade), nas quais o drama individual carrega consigo
o coletivo – talvez a maior característica dos filmes
argentinos recentes. No entanto, sem habilidade para
viabilizar essas diretrizes, fica-se na intenção.
Apesar de ser portenho de origem, Molina integra um
pequeno grupo de diretores de Rosário, do qual o mais
conhecido é Gustavo Postiglione (El Assadito,
El Cumple). Em sua estréia no longa-metragem,
prima pelo desleixo. Não tem por objetivo elaborar uma
composição visual nos enquadramentos, corta de um plano
para outro como se usasse um machado e nenhum senso
formal, emprega de forma desastrosa músicas que são
atentados aos ouvidos, recorre a flash-backs aparentemente
filmados por outro diretor tão ruim quanto, deixa os
atores perdidos em cena: eles não sabem o que fazer
com o corpo, são cientes demais da presença da câmera,
para a qual posam de forma travada, nunca interagindo
com espontaneidade. Mesmo quando entrega alguns momentos
para duas crianças, talvez esperando captar nelas alguma
poesia e ressaltar o tom pretensamento singelo, Molina
só produz constrangimento. O mesmo acontece nas situações
cômicas, que não produzem graça nem tanto por falta
de graça das situações em si, mas pelo despreparo para
a comédia. Ilusão
de Movimento limita-se a colecionar cenas que revelam
o lado “bizarrinho” de tipos exóticos. Impressiona sobretudo
pela completa falta de paixão pela imagem e pela ausência de rigor em seu projeto
de “narrativa da sugestão”.
Cléber Eduardo
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