FORMAS SONORAS

Diversas tendências podem acompanhar o tratamento incidental dado às imagens, mas o valor e atenção dado aos sons, musicais ou meramente de inteiração de ambiente, no panorama do cinema contemporâneo, chamam a atenção. A forma como Apichatpong Weerasethakul e Nicolas Klotz inteiram as canções em suas obras fazendo delas parte vital da forma. No primeiro, sobretudo, a cena da moto passeando pela cidade, a vontade de se perder em um espaço específico. No segundo, no antológico momento em que "Atmosphere" e o passear de mãos dadas ganham sentido cinemático único e poucas vezes tão forte. O intercalar narrativo sendo pautado pelas canções italianas de 5 x 2, a relação de manipulador daquele casal de François Ozon sendo imaginado por via musical. A operação que exerce Jonathan Caouette em transformar uma autobiografia em uma auto-ficção subvertendo-a num musical ópera-rock. A boa e velha trilha tradicional sendo usada com primor por Dario Argento em O Jogador de Cartas, mostrando com perfeição o choque com mídias modernas e a relação com o cinema recente de Argento, especialmente quando composta por Cláudio Simonetti, ex-líder do Goblin, autores das trilhas progressivas (aqui realizando um trabalho eletrônico) dos clássicos de Argento. O cinema do cinema de Almodóvar expondo o seu lado mais picareta (e saudável) ao emular de Bernard Herrmann e Hitchcock já nos primeiros segundos de Má Educação. E a revolução dos efeitos sonoros estabelecida por Takeshi Kitano em Zatoichi, obra em que os sons ganham sentidos assustadores, o estalar de um galho é agudo como poucas vezes, a pele rasgando contrapondo-se ao artificial efeito em cgi do sangue que jorra (e não mancha) de seus adversários; cada movimento, cada cortada da carne humana, Kitano rasgando a espada de um inimigo – tudo audível com um teor agudo e preciso assustador. O observar do trabalho destas diversas vertentes tão impressionantes, cada uma a seu modo, leva a uma conclusão muito simples, mas acima de tudo necessária: o uso da banda sonora nestes filmes são muito mais do que ilustrações sonoras para uma imagem, mas parte integral e dramática da forma cinematográfica destas obras.

Guilherme Martins