FLORESTIZANDO

Uma das recorrentes características do modus filmandi atual é uma certa pressa, com câmeras nervosas perseguindo o núcleo da trama como se o cinema estivesse sempre alguns segundos atrasado da história-notícia. Embora não seja uma condição sine qua non, dá-se a entender, pelas temáticas geralmente abordadas e pela ideologia incutida, que esse estilo investigativo (e muitas vezes invasivo) de filmar seja inerente e próprio de um cinema urbano. A câmera frenética em busca da "verdade" é quase que uma assimilação do ritmo movimentado dos protagonistas. É como se ela estivesse pronta não a domar, mas a apresentar ao público de forma circense e sensacionalista toda a selvageria do meio e a inescrupulosidade do homem. E, nesse sentido, o olhar megalopólico mais parece um papparazzi em busca do melhor ângulo do conflito.

Ainda que tratando de questões diversas (e deixando bem claro que nem todo cinema-repórter se utiliza desse artifício), este código lingüístico vem apresentando sinais visíveis de desgaste e não traz mais surpresas em sua decifração. Inovações dentro desse vernáculo, onde o critério é mínimo e o rigor é quase deixado de lado, não vêm sendo utilizadas adequadamente. Ou seja, dentro de uma estrutura nova-velha, muitas vezes nos deparamos com um acolchoado de invencionices. O que fazer então?

Apagar tudo e começar do zero. Essa resposta veio a partir das semelhanças entre filmes geograficamente opostos: o tailandês Mal dos Trópicos e o argentino Los Muertos. Um rompimento formal que parece ter sido o troco de saco cheio a essa estrutura cinematográfica lânguida e corroída. Portanto, realizar um retorno radical às origens faz todo o sentido. Em ambos os casos, temos não só como panorama, mas também como personagem a mata virgem, o hábitat primitivo do indivíduo, o útero materno dos personagens em questão. Aqui o homem não é fruto do meio, tampouco agente modificador dele; é o homem que compõe o ambiente, e vice-versa. Essa relação amalgamada, esse mimetismo simbiótico coloca o ser humano longe das questões do tipo de cinema supracitado. Sua vitimização e sua culpabilização, o esvaziamento das suas relações interpessoais dentro de um cenário expresso, são colocados de lado. Todas as atenções estão voltadas unicamente para a apresentação metalingüística deste homem-símio, este indivíduo matéria bruta. Se este cinema umbilical, se esta linguagem fílmica Jeca Tatu não chega a ser algo totalmente inédito, pelo menos este grito primal emergente é um caminho interessante a se observar. Tanto em Mal dos Trópicos quanto em Los Muertos, há um respeito tácito ao seu ritmo zen-budista: aqui a câmera não invade, ela pede licença. Os protagonistas conhecem tão bem a floresta escura e inóspita assim como conhecemos os aposentos da nossa casa. São eles os únicos capazes de desvendar o mistério desse labirinto frondoso. Trata-se de uma familiaridade tão grande, que é curioso observar a sensação de estranheza que isso causa ao espectador. Ou seja, dentro desse niilismo tópico, tudo pode acontecer. E o tratamento dado a esta gruta, mais para a valsa do que para o punk, oferece uma sensação paradoxal tão lírica quanto mórbida. Quem será este homem-Diadorim, o que ele pensa da vida? Ele mata por prazer, mata de raiva ou mata pra comer? Pouco importa. Motivações é coisa de cinema doente. Aqui o homem respira o ar puro. Aqui a floresta é sua certidão de nascimento. Este é o homem brucutu de Mal dos Trópicos e Los Muertos, que parte do cinema novo tanto faz questão de enjaular.


Érico Fuks