Um
fato curioso: as questões sobre "como proceder" estão
em voga nos filmes brasileiros recentes. Seja no envolvimento
entre o íntimo e o social em Bens Confiscados,
seja na oposição apresentada em De Passagem e
no exame de relações sociais de Quase Dois Irmãos,
seja nas trajetórias dos metalúrgicos esquecidos ou
do metalúrgico levado ao poder em Peões ou Entreatos,
seja na entrega da câmera pelo realizador aos presidiários
em Prisioneiro da Grade de Ferro ou no direito
do historiador em inventar o relato do passado em Narradores
de Javé, ou mesmo em questionamentos ambíguos e
problemáticos acerca dos procedimentos de corpos sociais
específicos, como em Ódiquê e Contra Todos em todos estes exemplos (e em diversos outros recentes)
as questões éticas não são pano de fundo, são tema central.
Será que estes exemplos indicam um movimento de tomada
de posição coletiva de cineastas diante da célebre crise
moral que assola o país? Talvez, ou talvez seja apenas
um sinal de uma certa sintonia que se evidencia, para
sorte da relação entre o cinema brasileiro e seu público certas questões urgentes não se bastam em representações
metafóricas, distantes. Não há como fugir da velha constatação
de que o cinema que mais tratará de nossas questões
será aquele feito junto a nós (com as exceções eventuais).
Ao contrário do que apregoam os profetas da miragem
do cinema industrial, é ligando-se decididamente à sua
realidade que o cinema brasileiro vem despertando interesse,
seja na ficção ou no documentário. Neste ponto é preciso
notar como são reveladoras e eventualmente assustadoras
as escolhas feitas em certos filmes, como os já citados
Ódiquê e Contra Todos e ainda Nina
ou Glauber o Filme. O posicionamento ético
de um filme não se fecha no seu tema ou escolha do herói ele se define também na relação que o filme constrói
com seu público. Neste ponto, constranger a platéia
para provar teses não apenas esvazia os objetivos
na verdade, conspira contra eles. Se para fazer cinema
no Brasil é preciso ter muita moral, no sentido vulgar
da palavra, é preciso ter também muita moral, no sentido
original deste termo, para que os questionamentos éticos
não se embaralhem entre certezas e erros.
Daniel Caetano
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