Nascido
da tentativa de identificar uma nova forma de relação
com as imagens e com as referências culturais
em As Panteras Detonando, de McG, esquizopop
art designa tanto uma complicação da relação
entre sujeito e objeto no terreno da citação
quanto uma arte toda própria dos deslocamentos
narrativos e de espaço-tempo em que as distâncias
e as durações são encurtadas ou
curto-circuitadas: ontem é amanhã, aqui
é lá, o começo é o meio
é o fim. Este ano, dois grandes representantes:
Kill Bill de Quentin Tarantino e Tarnation
de Jonathan Caouette. "Complicação
da relação entre sujeito e objeto"
parece ser a perfeita casa para Caouette, despersonalizado
antes dos quinze anos de idade, fazendo do testemunhos
de balzacas abandonadas um pretexto para uma autobiografia
transversa, ou encenando Veludo Azul no teatro
como forma de evocar a relação entre Mick
Jagger e Marianne Faithful. A referência não
é mais uma tiradinha de chapéu ou um convite
à reflexão (dois terrenos em que Godard
se esbaldou e ainda se esbalda no que diz respeito à
referência), mas uma máscara que revela
a própria personalidade. É por isso que
não adianta Tarantino vir dizer que Kill Bill
é seu primeiro filme que se instala no "mundo
do cinema", em oposição ao "mundo
de Tarantino" dos outros filmes: os dois volumes
das aventuras da noiva Kiddo são possivelmente
a obra mais pessoal de Tarantino, uma espécie
de "psicologia da composição"
ou "arte poética" tarantiniana. Claro,
isso envolve uma espécie de patologia própria
da imagem: Tarantino vendo mil filmes por dia, Caouette
filmando sua própria vida desde os onze anos
de idade. Uma patologia que, mais do que nunca, é
a nossa hoje: nossa democracia é eletrônica,
com uma polis como simulacro na sala da casa
de cada um, ou na forma como se continuamente reproduz
imagens hoje (por câmeras digitais de vídeo
ou fotografia, celulares, internet, sistemas de vigilância,
pela profusão de filmes, canais e programas).
Tanto Tarnation quanto Kill Bill são
dois filmes de reconhecimento de uma nova idade da imagem,
mas ao mesmo tempo uma tentativa de purgação
delas: Caouette utiliza suas imagens para chegar a termos
com sua mãe; a Noiva entra em todos os filmes,
faz todos os tipos de cineminha para finalmente entrar
no único filme que interessa a ela (e que, naturalmente,
o filme não mostra, porque aí já
não é mais filme, é a vida real),
o de relações familiares entre mãe
e filha. O que mais uma vez só demonstra que
o artista "inconsciente" ainda é muito
mais produtivo e crítico do que aquele que "reflete"
(o reacionário Wenders): em McG, Tarantino e
Caouette se jogam todas as tensões imagéticas
que vivemos (e que Terra da Fartura, como avatar
da carreira de Wenders nos últimos 20 anos, denota
em modo reativo).
Ruy Gardnier
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