Já
se foi o tempo em que o instrumento da narração
em off de um narrador onisciente se fazia como
ferramenta ilibada para a acomodação discursiva
de um fluxo de imagens. A voz de Deus que dominou toda
uma linhagem de "documentarismo" griersoniano
e algumas linhagens do melodrama clássico, há
muito já foi rejeitada como figura central e
hoje se localiza majoritariamente no terreno limitado
da "tele-reportagem" (ou subvertido em forma
de ensaio políticos ou poéticos – que
vão do panfletarismo tacanho de Moore ao lirismo
de Van der Keuken). A narração em off
deixa de ser a voz que descreve/explica para ser
aquela que pode inventar, propor, criticar. No refluxo
dessa falência, porém, um certo tipo outro
de endeusamento ferramental parece ter acometido outro
dispositivo cinematográfico: o depoimento em
primeiro pessoa. Esse "entrevistismo" aparece
hoje como o vício novo de um cinema brasileiro
interessado ainda em encontrar a fórmula para
a autenticidade de sua descrição do real
– uma morada outra para a sobrevivência da Verdade.
Atrelada a um desejo ingênuo de promover o encontro
direto com a vida cotidiana e a subjetividade de seus
personagens, este cinema de perguntadores aestéticos
ameaça esvaziar o cinema de não-ficção,
sendo não mais do que a mesma praga griersoniana
do didatismo só que agora travestida em inovação.
A palavra em "off" que se quer como captação
direta da expressão de uma subjetividade não
deixa de ser antes de tudo um gesto descritivo, uma
irmã covarde da palavra em "off". O
que diferencia o cinema de um Eduardo Coutinho de uma
certa horda de imitadores sem reflexão é
justamente a forma com que o lugar da entrevista em
Coutinho está muito além da construção
testemunhal de eventos ou da entrevista enquanto contato
não-mediado com a personalidade falante. Coutinho
procura personagens, acima de tudo – imaginações
em que enquadramento, corpo e gestualidade dos personagens
são essenciais. Os entrevististas procuram figuras,
artefatos de curiosidade, em suma: querem o exemplo
e não as pessoas. "Dar a voz ao povo"
é uma das proposições moralistas
que vêem no cinema um instrumento de recalque
social – e é irmã gêmea daqueles
que pensam que esse dito "povo" não
tem voz própria. Um mal estético que vem
limitando boa parte da produção brasileira
de não-ficção a sub-cinemas de
capacidade cênica limitadíssima. É
o cinema baixando a cabeça à reportagem
(que, como o nome já diz: é o exercício
de linguagem que busca acima de tudo emular, se reportar
a um elemento extra filme, ou seja: não se interessa
majoritariamente pela imagem enquanto constituição
estética e fruição sensorial).
O entrevistismo não é arte e nem mesmo
sabe lidar com o artesanato das imagens – crê
em um cinema que funcione como meio de propagação
e não espaço de criação.
Quer ser, ser ter de agir. Se tornando um cinema de
choques informativos e de submissão de seus personagens
ao papel de "tipos úteis" a um painel
temático.
Felipe Bragança
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