ENTREVISTA COM MANIA AKBARI

Mania Akbari aparece no lobby do hotel com um ar um pouco perdido, cabelo muito curto e um charme tão evidente quanto inacessível. Ela espera Paivand, seu intérprete, terminar uma ligação no telefone celular para começar a entrevista. Digo a ela que ela fala bem o inglês, pergunto se ela sente-se à vontade de começar a entrevista naquele momento. Ela responde que entende bem a língua, mas não consegue se expressar muito bem nela. Enquanto esperávamos, o bar do hotel toca uma música de Chico Buarque. Protagonista de Dez, de Kiarostami, Mania Akbari faz com seu primeiro longa-metragem como diretora uma obra comovente, afilhada do trabalho de Kiarostami mas já desenvolvendo práticas e problemáticas próprias. Vamos a ela. (RG)

* * *

Entre Dez e 20 Dedos, você desenvolveu um trabalho como video-artista. São filmes, ou trabalhos exibidos em galerias e museus?

Eu realizei quatro peças de video-arte entre 2003 e 2004: Self, Repression, Sin e Escape. Elas não eram exibidas em salas de cinema, mas em galerias. É uma combinação de conflitos de uma mulher consigo mesma, que envolve pecados, a relação com o próprio corpo, suas opiniões e seus pensamentos. Sobre uma pessoa que quer ser e estar, mas não pode, sobre algo que é mudo na sociedade. Essas quatro peças não são exibidas ao mesmo tempo, mas cada uma separadamente.

Seu primeiro longa-metragem, 20 Dedos, guarda muitas semelhanças com Dez, de Abbas Kiarostami, em que você atua como protagonista, ou, melhor dizendo, como condutora. Gostaria que você falasse da relação entre o seu trabalho e o cinema de Kiarostami.

A arte é uma confirmação do passado, e eu sou uma continuação de Dez, uma continuação do trabalho de Kiarostami. Não tem comparação, na verdade, a comparação é a mesma de uma criança de cinco meses e a mesma criança, quatro meses depois. É a vida que continua, em contínua evolução. Dez está na minha vida e é porque eu fiz Dez que eu faço o que faço hoje, como o meu próximo filme será o filme de alguém que fez 20 Dedos. Eu e Kiarostami vemos a vida de forma semelhante, e foi por isso que criamos Dez. Isso é parte do movimento do filme novo, eu sou parte desse movimento. Eu acredito que aquilo que se vê em 20 Dedos é a vida que segue em frente. Por isso é que há semelhanças. Mas também há muitas diferenças. Afinal, minha maneira de olhar é a maneira de uma mulher, com todas as experiências de uma mulher.

Todas as cenas do filme são cenas de relacionamento entre homem e mulher, geralmente discussões em torno de liberdade feminina, e de como a possessividade masculina limita essa liberdade.

Eu acredito que o filme gira em torno do desafio de um relacionamento. Existe uma frase de Sócrates: "As pessoas que vivem sozinhas e não escolhem viver junto com alguém ou são deuses muito grandes ou animais muito perigosos". Eu acredito que não, eu acredito que vale criar um adendo a Sócrates, dizer que o ser humano precisa também ficar sozinho, que é possível ao mesmo tempo ser deus e perigoso. Os dois personagens do filme são dois deuses perigosos. Ambos precisam de sua solidão e existe um desafio muito grande entre eles para manter vivo o relacionamento.

É curioso como em duas oportunidades os homens fazem comparações exageradas quanto à liberdade individual. Quando discutem sobre ela ter dançado com um amigo numa festa, ele compara com a hipótese de ele ter quatro amantes.

Mas isso não é tanto um exagero quanto uma realidade na sociedade. Muitos homens têm esse sentimento, é natural deles. Em farsi, temos uma palavra, "heirat", que Kiarostami definiu muito bem: é uma mistura de ciúme e orgulho. Quase toda as pessoas têm isso, e eu não consigo entender as pessoas que não sentem dessa forma. Não acredito que há pessoas que não têm ciúme ou orgulho. Já ouvi muitas pessoas que dizem que não se importam se os parceiros têm amantes, se vêem outras pessoas. Acho que é apenas um subterfúgio para escapar da dor, um mecanismo para não sentir essa dor. Todos nós temos essa possessividade.

Nas discussões, percebemos ao longo do filme que geralmente a palavra feminina funciona para alavancar a discussão, para permitir à mulher ter um pouco mais de espaço, de liberdade, ao passo que a palavra do homem é sempre para acabar com a discussão, fazê-la terminar deixando as coisas do jeito que estão. São dois registros diferentes da palavra.

Isso faz parte da cultura do Irã. Existem leis que só deixam uma mulher trabalhar se ela tiver a permissão do marido. Se o homem não permite que a mulher trabalhe, a lei não deixa. A mulher de 20 Dedos, no entanto, é muito mais forte do que a maioria das mulheres iranianas. Ela tenta discutir sua liberdade com seu parceiro.

Acredito que ela tem um comportamento pioneiro não só no Irã, mas nos países ocidentais também.

O ser humano tem algo de natural, que vem dele mesmo. Ainda não encontrei uma resposta a uma infinidade de coisas: por que o corpo da mulher é mais fraco? Mas essa é uma pergunta da mesma ordem de "Por que existe a lua?" O belo disso tudo é aceitar que a mulher é mulher e que o homem é homem. É triste que se troque de lugar, que haja mulheres com mentalidade masculina e vice-versa. Os problemas podem nascer dessa forma. Acredito que beleza é isso, encontrar cada coisa em seu lugar e em sua posição.

Em Dez, por mais que se fale o tempo inteiro dele, o homem adulto não está presente, ao menos não diante da tela. Em 20 Dedos não, é um filme claramente confrontativo, uma batalha mesmo.

Acho difícil comparar um filme com o outro, cada filme tem uma perspectiva diferente. É Kiarostami que deve responder por que fez da forma que fez. Quanto a 20 Dedos, eu pensei muito detalhadamente sobre os diálogos, sobre as experiências e os pensamentos vividos por uma mulher. Às vezes não precisamos ver uma flor, apenas sentimos o cheiro dela e sabemos que há uma flor, e que flor é. 20 Dedos tem o cheiro de uma mulher.

Excetuada a cena no restaurante, todas as cenas do filme se passam em veículos: carro, motocicleta, barco, teleférico.

Isso está no filme para que tudo seja símbolo de movimento. Para que não pareça que eles estão parados, discutindo, e que algo se move enquanto eles conversam. Fui algo que eu me dei conta numa noite, em que eu estava muito triste, tentando dormir, e achava que não iria acordar, não veria o dia seguinte, o mundo ia acabar. Acordei no dia seguinte e curiosamente o sol nasceu, os pássaros cantavam, a guerra do Iraque continuava, era só eu que sofria e estava parada. Foi assim que eu percebi que poderia fazer 20 Dedos, e os veículos se prestam a essa função de dar movimento às coisas.

Quanto dos diálogos que estão no filme estava escrito antes da filmagem e o que é improvisado? Como foi a preparação das cenas e as indicações que você deu para o ator que co-protagoniza com você o filme?

O roteiro foi escrito minuciosamente. Mas, ora, eu era a diretora mas também estava diante da câmera. Então eu não podia dirigi-lo sem ser dessa forma. O roteiro não é seguido linha a linha, existia uma certa liberdade para deixar a discussão fluir, seguir o ritmo próprio dela. Mas em vários momentos do filme, se você prestar bastante atenção, eu falo: "Escuta!" Era como uma deixa, e ele é um ator muito experiente e bom de trabalhar improvisando. Ele percebia imediatamente que eu queria introduzir alguma coisa nova na cena, e então eu falava alguma coisa que reconduzia a conversa para onde eu queria.

Entrevista realizada por Ruy Gardnier no dia 2 de novembro de 2004, em São Paulo, Hotel Crowne Plaza. Agradecimentos a A. Paivand pela tradução simultânea do farsi.