Uma
das boas surpresas da Mostra de SP foi o filme argentino
Los Muertos, do jovem cineastas Lisandro Alonso,
cujo primeiro longa La Libertad (também
bastante elogiado) nunca foi exibido no Brasil. Los
Muertos, seu segundo trabalho, foi exibido na Quinzena
dos Realizadores em Cannes. Conversamos com Lisandro
sobre seu filme, a nova geração do cinema
argentino e sua relação com o cinema de
maneira geral. (EV)
* * *
A primeira coisa que sentimos necessidade de saber,
quanto ao filme, é sua relação
com a região específica da Argentina onde
ele se passa (Corrientes), e com o personagem de Argentino
Vargas. Como você conheceu ambos e qual a relação
do verdadeiro Vargas com o personagem Vargas – se é
que há doisVargas distintos.
Eu sempre penso no lugar onde vou filmar antes mesmo
do que na história. Meu primeiro longa (La
Libertad) foi filmado nos Pampas, que é uma
outra região onde a natureza se faz muito presente.
Neste novo filme, eu queria filmar num ambiente tropical,
onde houvesse muita umidade e que passasse esta sensação
da presença da selva; e, também, na prisão.
Então, eu comecei a procurar em lugares como
Missiones, um pouco mais ao norte, e fui descendo até
que cheguei a Corrientes. E ali encontrei lugares, verdadeiras
ilhas, onde há muito mais pessoas, onde há
fazendas, pesca, e onde há muito mais movimento
– então era mais lógico para mim que este
personagem estivesse voltando, passando por estes lugares.
Argentino Vargas, bem, ele está atuando, aquele
é um personagem escrito – ele nunca matou ninguém,
nunca esteve na prisão. Mas, de fato é
o primeiro filme que ele faz, portanto nada sabia sobre
cinema ou atuação. Eu o encontrei enquanto
procurava locações com um guia, a quem
eu disse que íamos fazer um filme e buscávamos
uma pessoa com algumas daquelas características.
Ele me mostrou três ou quatro pessoas que moravam
na ilha, mas as duas primeiras tinham sérios
problemas de alcoolismo e a terceira não quis
fazer o filme. Quando encontramos Vargas, ele rapidamente
concordou e depois entendeu que era apenas um trabalho
a mais, pelo qual receberia um salário e faria
um serviço – não importava tanto, então,
se ele seria um ator ou um carpinteiro, era um trabalho
a mais.
A relação com ele foi, principalmente,
a de conhecê-lo. Estive com ele onde vive, na
nascente do Rio Paraná, e fiquei por lá
dois ou três dias. O que fazíamos era observá-lo,
e também ir ganhando confiança de parte
a parte. Foi aí que tive certeza que ele era
o homem certo para o filme, quando vi como se relacionava
com sua família, por exemplo – tinha 24 filhos
(agora vive apenas com 6 deles). Vi que ele estabelecia
com eles uma relação pai-filho que não
é muito comum naquele lugar – também porque
ele tinha se livrado do álcool que é um
problema grande e que cria muito da violência
nesta região.
Uma coisa que impressiona muito no filme, ainda em
termos da figura de Argentino Vargas, é como
ele vai se tornando ao longo da duração
uma outra força da natureza. E isso se realiza
de uma forma extrema na cena com a cabrita, que é
uma cena da qual queríamos saber mais, especialmente
em um aspecto: como foi trabalhada a filmagem dela,
porque impressiona como ele passa com a canoa por este
lugar aonde não vemos nada na margem do rio,
e de repente ele dá meia volta e vem de forma
decidida ao lugar onde só então se revela
para nós (a platéia) a presença
do animal. Então, partindo desta cena, me interessa
muito entender como foi trabalhada, na filmagem, a relação
da câmera com os personagens, porque ela passa
uma sensação o tempo todo de quase apagamento
dela em relação a eles – quando sabemos
que você lidava ali com condições
bastante extremas de filmagem. Queria pensar isso, principalmente
dentro do atual modelo produtivo que impera no cinema
mundial, onde se coloca como uma necessidade a presença
das equipes de filmagem infladas com um grande número
de técnicos – como vocês filmaram Los
Muertos?
Bom, nós trabalhávamos com a câmera
em cima de dois botes e uma plataforma que os unia,
e em cima de uma maquinária cinematográfica.
Isso nos dava um movimento muito mais fluido, de maneira
que planejávamos a cena, e depois cabia ao câmera
conseguir acompanhar o que se passava em frente a ele.
Era como se filmássemos de forma documental,
só que sabendo o que ia acontecer – o que era
bem mais fluido.
Quanto a cena da cabrita especificamente, bem, esta
cena não estava no roteiro. Ela surgiu no momento
da filmagem, e não tínhamos certeza sobre
como ia resultar, porque foi um tanto improvisada. Tínhamos
duas cabras, mas acabamos só usando uma mesmo.
Foi por puro acaso que o sangue jorra do animal de frente
para a câmera – não fazíamos idéia
de como isso ia aparecer. Nesta cena, explicamos a Argentino
o que ele tinha que fazer, ele entendeu e o fez. Resultou
um tanto natural, e o que eu queria era realmente esta
sensação de algo que acontece por sorte
mesmo.
É por uma casualidade que ele vê o animal,
mas queríamos era mostrar este instinto de que,
se tem em mãos um facão, e de repente
vê um animal, sabendo que está indo para
a casa de sua família, sua reação
é imediata e instintiva – porque sabe que tem
que levar comida. Então, o primeiro que faz,
sem pensar, é automaticamente voltar, matar o
animal, e levá-lo. Para mim é algo natural,
nada agressivo ou violento. É a relação
que ele tem com a natureza e com a vida.
O que a cena tem de mais forte é justamente
a maneira, não apenas natural, mas quase mecânica
como Vargas responde aos seus instintos. Isso passa
uma sensação muito forte não só
de alguém que pertence a este meio, quanto mesmo
a de quem (anos depois da prisão) está
relembrando, em todos os sentidos inclusive o físico,
uma vida anterior, voltando a ela com cada pequena ação.
E aquela cena, como está encenada, marca o momento
em que vemos Argentino Vargas completamente integrado
não só com o seu ambiente, mas com o seu
passado.
O fato é que o próprio Argentino, para
além do filme, vive neste lugar. O que implica
dizer que sabe como matar, como tirar a pele de um animal,
como remar, então sabia os movimentos envolvidos.
No filme, a questão para mim é que, sejam
vinte anos que ele tenha passado na prisão, ao
voltar para seu ambiente, as coisas voltam a ele – porque
acredito que o se aprende na infância na se esquece
nunca mais. E quanto mais vai se metendo na água,
no entorno, e vai retomando como mover-se melhor, está
em seu lugar. E isso para mim se consuma no final do
filme, quando encontra seu bonequinho de brinquedo no
chão, volta à sua infância, e está
no mesmo lugar onde começou, quando matou seus
irmãos, no começo do filme. Sem que nada
tenha melhorado, avançado – aliás, tudo
está pior.
Mas, voltando ao tema do trabalho, éramos uma
equipe de oito ou dez pessoas, e filmamos em 35mm. Estabelecíamos
jornadas de trabalho de em torno de 7 horas por dia
– não filmávamos muito mais que isso,
mas sabíamos que planos íamos fazer a
cada dia. Era tudo um tanto calculado, e eu tenho muita
confiança no fotógrafo, com quem tina
feito meu primeiro longa também. Eu dizia para
ele a lente, o enquadramento, mas sabia que sua sensibilidade
faria com que seguisse e se adaptasse aos movimentos
perfeitamente.
Você mencionou ter filmado em 35mm, e eu acho
que este é um tema muito interessante para nós.
Porque se convencionou acreditar que, principalmente
num filme de baixo orçamento, a primeira imposição
natural é a questão do digital. Sempre
se faz soar como algo "gastador", perdulário
mesmo, usar o 35mm. Mas, vendo teu filme, eu pensava
que não há, pelo menos nas tecnologias
até hoje criadas e colocadas em uso com regularidade,
uma câmera digital que tenha solucionado no seu
jogo entre lentes e sensibilidade do suporte, uma possibilidade
de conseguir o tipo de resultado de imagem, do jogo
com a luz e o escuro, por exemplo, que o 35mm consegue.
Então, pensando em teu filme como um filme barato
e com todos os motivos práticos para optar pelo
digital, queríamos que você falasse desta
opção pela película, pelo 35mm.
Para mim, o material fílmico tem uma textura
e uma profundidade absolutamente peculiares a ele –
e é muito mais "manual" que o vídeo.
Eu não considero que, quando se está falando
de cinema, você possa pensar em baixar custos
com algo que influencia a qualidade da sua imagem –
que é o que há de mais importante no cinema,
que começou como imagem e vai morrer como imagem.
O que acontece também é que hoje em dia
se maltrata muito a imagem, e não se dá
a ela o valor que ela tem.
Então eu, por exemplo, só tinha, ao final
das filmagens, três horas e meia de material total.
Mas, de que adianta uma pessoa filmar 50 horas de material
em vídeo, mesmo que seja falando financeiramente,
para depois ter que ampliá-lo para a película
para as cópias finais, se a exibição
ainda é majoritariamente em película?
Então, se eu filmo pouco e sei o que quero filmar,
não consigo ver nem mesmo onde estaria a economia,
para além das questões mais teóricas.
O fato é que se perdeu o respeito pelo ato de
filmar. Com o digital, aperta-se o REC no início
do dia de trabalho e está sete horas filmando
sem parar. Depois perde-se muito mais tempo editando
este material, é tanta informação
recolhida de forma desordenada, que há que se
recontextualizar o filme todo na edição,
porque já se perdeu o caminho do que estava sendo
feito.
Mas, para além disso tudo, o fato é que
eu tenho um amor enorme pela câmera de cinema,
por ser pesada, com suas lentes, com o barulho que faz...
Meu próximo filme eu acho que farei em Super
16mm, por uma série de fatores, mas o fato é
que não gosto do vídeo.
Falando um pouco de sua formação, agora,
eu queria saber se você fez escola de cinema ou
não, e como começou a trabalhar em cinema,
de forma geral. É uma chance de sabermos um pouco
mais de você, já que seu primeiro longa,
por exemplo, nunca passou no Brasil.
Quando terminei o segundo grau sabia que não
ia estudar medicina nem arquitetura e o cinema, bem,
havia rumores de que era algo "promissor"
na Argentina. Comecei a estudar cinema, o que fiz durante
três anos e meio na Universidad Del Cine, e lá
aprendi a ver diferentes tipos de cinema (Lumière,
neo-realismo, expressionismo alemão, e tudo o
mais). E encontrei uma forma lá dentro de conseguir
realizar coisas sem precisar me expor, e passei um tempo
fazendo coisas, trabalhando em curtas – não curtas
meus, porque eles nunca eram escolhidos para serem realizados,
mas trabalhando em curtas das pessoas da escola. Comecei
como assistente de som, e até hoje, se acredito
no projeto de um filme, estou disposto a trabalhar como
assistente de som nele.
Depois da universidade, comecei a trabalhar com um cineasta
argentino chamado Nicolas Sarkis, que havia feito alguns
filmes que eu respeitava muitíssimo, e também
numa mostra que havia no Festival de Mar Del Plata,
que coincidentemente se chamava "Contracampo",
onde passavam filmes do Irã, Índia, ou
de autores como... bem, como ele (N do T: aponta para
Manoel de Oliveira, que passava neste momento pelo local
da entrevista), sempre filmes de muita personalidade.
Trabalhei dois anos neste festival, e para mim serviu
como um mestrado em cinema, porque fui lá que
encontrei o tipo de cinema que gostaria de fazer.
Bom, falemos agora do cinema argentino como um todo:
aqui no Brasil pelo menos ficamos com a impressão
sempre de uma nova geração do cinema argentino
com qualidades raras e muito interessantes – gente como
Lucrecia Martel, Pablo Trapero, Ana Poliak, em suma,
gente que está fazendo filmes muito arriscados
e surpreendentes. Uma coisa que reparamos é que
a maioria destes citados (e também o teu filme)
tem o apoio de instituições européias
de desenvolvimento do cinema (Hubert Bals, Montecinemaveritá,
Cinefondation, Ibermedia). Por outro lado, não
temos uma noção muito clara aqui de como
se relaciona este cinema argentino que circula pelos
festivais mundiais com o cinema argentino comercial,
mais industrial e para o grande público. Então,
queríamos que você falasse um pouco de
tudo isso: de como vê esta geração
de diretores, como são estas relações
com o exterior, com o cinema argentino como um todo.
Bom, a primeira coisa a destacar é que os filmes
de Pablo Trapero, Lucrecia Martel ou o meu também
recebem dinheiro do instituto argentino de cinema. Mas,
em primeira instância, é verdade que as
instituições européias são
as que mais apostam no nosso tipo de cinema, seja porque
está na moda ou num bom momento, entenda como
preferir – eu, por exemplo, tenho um produtor francês
dos meus filmes. No meu caso, ainda não recebi
o dinheiro argentino (mas, sei que receberei), então
fiz o filme com um pouco de dinheiro meu mesmo, e com
fundos da França, Suíça e Holanda.
Então, temos sim a sorte de que eles estejam
nos apoiando senão vários filmes acabariam
não sendo feitos.
Quanto à nossa geração, acho que
há sim algo que começou há uns
cinco anos, mas que devo dizer que não sei agora
o que vai acontecer, uma idéia acima de tudo
de honestidade destas pessoas com os ideais do que gostaria
de fazer em cinema – e esta honestidade era o que unia
esta geração. Hoje, depois de cinco anos,
eu vejo como se alguns estivessem deixando de lado o
que eu chamo desta honestidade, em troca de algo mais,
como você disse, "industrial", que gere
mais dinheiro mas com que aja menos comprometimento
pessoal com o filme. Eu, por exemplo, trabalhei como
assistente de som no primeiro filme de Trapero, e ele
trabalhou como produtor associado no meu primeiro filme.
Num primeiro momento, nos anos 99, 2000, 2001, isso
era muito comum. Filmávamos muitas vezes sem
cobrar nada, só nos fins de semana, e era muito
normal que eu trabalhasse aqui, ali, acolá. Havia
muito sangue envolvido, e agora que cada um está
mais ou menos estabelecido, com um ou dois longas feitos
e circulando, acho que isso está se perdendo,
o que me parece perigoso até em termos estratégicos,
porque pode ser que isso fosse parte importante do que
nos fazia diferentes, e o que interessou, por exemplo,
as fundações européias por nosso
trabalho. Se começarem a fazer o filme pensando
nos festivais, ou em fazer um milhão de espectadores,
me parece algo um tanto perigoso.
Você mencionaria outros nomes que talvez conheçamos
menos no Brasil, para adicionar a esta lista de realizadores
argentinos interessantes, importantes?
Tem o Martin Rejtman, conhece? Ele está catalogado
pela crítica argentina como um tipo de "pai"
deste novo cinema argentino. Ele fez um filme chamado
Silvia Prieto, e que foi o primeiro a fazer um
cinema um pouco mais original. Para além dele,
temos que lembrar do Diego Lerman (Tán de
repente), e terminando agora seu segundo filme,
Luis Ortega, cujo primeiro filme me agrada muito. E
certamente há muito mais gente que eu não
conheço mas que pode surpreender a qualquer momento.
Acho que uma outra curiosidade natural nossa diz
respeito à relação do cinema argentino
atual com o momento do país, por exemplo, com
a crise econômica recente. Afinal, sabemos que
o cinema não é apenas expressão
artística, mas envolve também toda uma
economia na sua realização, e que fatores
para além dos criadores influenciam diretamente
na sua feitura diária (isso sabemos de experiência
própria no Brasil, aliás). Porque, de
uma certa forma, a impressão que passou aqui
é que quanto maior a crise na Argentina, mais
filmes se faziam, como se não houvesse sido alterada
a produção do país por estes fatores.
O cinema argentino recebe dinheiro estatal, o que me
parece sempre algo ridículo, mas afinal de contas
estamos num país ridículo. Mas, o que
acontece é que se o cinema parasse de receber
este dinheiro, ele iria parar no bolso de dois ou três,
e jamais com o povo argentino de fato. Por outro lado,
o cinema argentino, a publicidade, a televisão,
dá trabalho a muita gente – na publicidade, por
exemplo, se filma muito hoje na Argentina, por ser muito
mais barato, então é impressionante o
quanto se filma no país. E tudo isso gera empregos,
o que é uma preocupação também
do Governo.
Mas, também acredito é que o resultado
da crise é o novo cinema argentino. Porque acredito
que os jovens, os estudantes, encontraram no cinema
(como não encontraram na fotografia ou na pintura,
por exemplo), a maneira de contar o que estavam vendo
todos os dias nas ruas. E filmes como os de Pablo (Trapero)
ou Pizza, Birra, Faso começaram a mudar
como se pensava o cinema argentino, começaram
a se interessar pelas histórias cotidianas, de
como vivia toda essa gente em meio a esta crise. Então,
acho que foi quase como um resultado obrigatório
desta mesma crise.
Bom, gostaria agora então de voltar ao teu
filme mais uma vez, pensando no fato de como, no início
especialmente, você faz questão de não
explicar demais as coisas. Eu mesmo demorei muito para
entender que o ambiente onde víamos Vargas era
uma prisão, porque ele não era filmado
como tal, tinha aquele balancinho de brinquedo quase
no meio de uma praça, o corte de cabelo, as banalidades,
e só depois de um tempo vem a confirmação
de que ele está na prisão. Como você
vê ou gosta de trabalhar este tipo de relação
entre o que você quer que o espectador saiba e
o que ele vá construindo por si mesmo?
O fato é que eu, como realizador, sinto que
tenho sempre mais perguntas do que respostas. Por isso,
eu gosto de observar sem precisar explicar nada. Eu,
como espectador ou diretor, gosto que o filme me deixe
ter este tempo de observação, de criar
também o que se passa na cabeça daquele
personagem, porque ele faz isso ou aquilo. Creio que
é um pouco como quando passeamos pelas ruas –
ninguém nos explica quem é esta pessoa
com quem cruzamos, quem é aquela outra.
E a relação com a natureza, por que
seu interesse tão grande por ela?
Me parece que na natureza se vê com mais facilidade
as necessidades que têm o ser humano, e como tratam
de sobreviver. E também que coisas lhes faltam,
de que precisam. Me parece que na natureza podemos ir
tratar de uma forma, digamos, mais puras, as necessidades
do ser humano. Porque a natureza é violenta quando
não está dominada, então todo dia
é uma luta para poder sobreviver – o que neste
caso serve como uma metáfora, para mim, porque
as árvores e os edifícios me parecem a
mesma coisa neste sentido. Só que para mim é
mais fácil de mostrá-lo longe das cidades,
onde podemos mais facilmente deixar de lado a palavra
e vermos isso com as imagens. Porque o fato é
que eu, hoje, já não confio nas palavras,
apenas naquilo que vejo.
Mas você é de Buenos Aires, certo? Então,
há uma relação pessoal sua com
a natureza?
Sim, sou de Buenos Aires. Mas quando eu era bem
pequeno eu costumava viajar bastante para um lugar,
mais ou menos uma hora distante da capital, onde havia
muito forte a presença da natureza, dos animais.
E, há dez anos, comecei a ir muito aos Pampas,
onde filmei La Libertad, porque meu pai é
de lá. Então sempre me dá muito
mais curiosidade saber da gente que vive em contato
constante com a natureza, que me parece não mais
pura, mas bastante diferente das pessoas da cidade –
e me interessa conhecê-los e tentar entender como
vêem o mundo.
Acho que podemos terminar por aqui, só aproveitando
para saber se está desenvolvendo no momento algum
projeto, o que tem em mente para depois de Los Muertos.
Estou tentando ainda viajar com o filme, vendo como
as pessoas recebem o filme em lugares bem diferentes,
e fazendo o que mais gosto que é conversar com
as pessoas. Mas, já sei que vou fazer um próximo
filme em Uzuaya, na Argentina, que fica no extremo sul,
onde no inverno há muita neve e mar, é
uma cidade portuária. Este é o lugar que
quero explorar agora, e já tenho uma pequena
história sobre um homem que volta para lá
e tem problemas com álcool. A idéia surge
de algo que também vi muito por aqui, e que sempre
me passa pela cabeça, que é quando vemos
alguém de seus cinqüenta anos morando no
meio da rua, completamente retirado da organização
social que o cerca, e me interessa tentar ver de como
forma aquela pessoa chegou até aquele momento
de sua vida. Claro que podemos ter algumas idéias
do que possa ter acontecido, mas há detalhes
que me interessam saber, explorar. Devo levar mais um
tempo escrevendo e juntando fundos, porque por mais
que para estes dois filmes eu tenha um co-produtor na
França e na Holanda, é sempre uma luta
– e eu produzo a mim mesmo na Argentina. Então,
creio que devo filmar mesmo em 2006, algo assim.
Já que você mencionou isso, como tem
sido o contato com as pessoas sobre Los Muertos?
Em outros lugares que não a América Latina,
me parece que o filme é visto de forma um tanto
exótica, porque eles não vivem de forma
parecida com a nossa. Mas, para mim Los Muertos
não é um filme sobre um assassino que
matou seus irmãos e sim sobre as pessoas que
vivem sob estas condições, que por mais
que sigam respirando, não têm muitas condições
de viver, vivenciando uma certa morte lenta. E, pelo
menos na Europa, até há pessoas que morrem
lentamente, mas não do mesmo jeito que este.
Na Argentina, o filme está passando nos cinemas
agora, e fez mais ou menos 4 mil espectadores, o que
eu sei que não é quase nada, mas também
sei que é o que dá para esperar quando
um filme estréia em apenas um cinema, numa cinemateca,
como foi o caso. A crítica elogiou muito o filme,
e há respostas bem interessantes, mas muita gente
não quer ver este tipo de coisa no cinema, porque
acha que já vê muito na rua, escuta o tempo
todo, e não se interessa muito.
Entrevista realizada por Eduardo Valente no dia 30 de
outubro de 2004, em São Paulo.
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