ENTREVISTA COM LISANDRO ALONSO

Uma das boas surpresas da Mostra de SP foi o filme argentino Los Muertos, do jovem cineastas Lisandro Alonso, cujo primeiro longa La Libertad (também bastante elogiado) nunca foi exibido no Brasil. Los Muertos, seu segundo trabalho, foi exibido na Quinzena dos Realizadores em Cannes. Conversamos com Lisandro sobre seu filme, a nova geração do cinema argentino e sua relação com o cinema de maneira geral. (EV)

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A primeira coisa que sentimos necessidade de saber, quanto ao filme, é sua relação com a região específica da Argentina onde ele se passa (Corrientes), e com o personagem de Argentino Vargas. Como você conheceu ambos e qual a relação do verdadeiro Vargas com o personagem Vargas – se é que há doisVargas distintos.

Eu sempre penso no lugar onde vou filmar antes mesmo do que na história. Meu primeiro longa (La Libertad) foi filmado nos Pampas, que é uma outra região onde a natureza se faz muito presente. Neste novo filme, eu queria filmar num ambiente tropical, onde houvesse muita umidade e que passasse esta sensação da presença da selva; e, também, na prisão. Então, eu comecei a procurar em lugares como Missiones, um pouco mais ao norte, e fui descendo até que cheguei a Corrientes. E ali encontrei lugares, verdadeiras ilhas, onde há muito mais pessoas, onde há fazendas, pesca, e onde há muito mais movimento – então era mais lógico para mim que este personagem estivesse voltando, passando por estes lugares.

Argentino Vargas, bem, ele está atuando, aquele é um personagem escrito – ele nunca matou ninguém, nunca esteve na prisão. Mas, de fato é o primeiro filme que ele faz, portanto nada sabia sobre cinema ou atuação. Eu o encontrei enquanto procurava locações com um guia, a quem eu disse que íamos fazer um filme e buscávamos uma pessoa com algumas daquelas características. Ele me mostrou três ou quatro pessoas que moravam na ilha, mas as duas primeiras tinham sérios problemas de alcoolismo e a terceira não quis fazer o filme. Quando encontramos Vargas, ele rapidamente concordou e depois entendeu que era apenas um trabalho a mais, pelo qual receberia um salário e faria um serviço – não importava tanto, então, se ele seria um ator ou um carpinteiro, era um trabalho a mais.

A relação com ele foi, principalmente, a de conhecê-lo. Estive com ele onde vive, na nascente do Rio Paraná, e fiquei por lá dois ou três dias. O que fazíamos era observá-lo, e também ir ganhando confiança de parte a parte. Foi aí que tive certeza que ele era o homem certo para o filme, quando vi como se relacionava com sua família, por exemplo – tinha 24 filhos (agora vive apenas com 6 deles). Vi que ele estabelecia com eles uma relação pai-filho que não é muito comum naquele lugar – também porque ele tinha se livrado do álcool que é um problema grande e que cria muito da violência nesta região.

Uma coisa que impressiona muito no filme, ainda em termos da figura de Argentino Vargas, é como ele vai se tornando ao longo da duração uma outra força da natureza. E isso se realiza de uma forma extrema na cena com a cabrita, que é uma cena da qual queríamos saber mais, especialmente em um aspecto: como foi trabalhada a filmagem dela, porque impressiona como ele passa com a canoa por este lugar aonde não vemos nada na margem do rio, e de repente ele dá meia volta e vem de forma decidida ao lugar onde só então se revela para nós (a platéia) a presença do animal. Então, partindo desta cena, me interessa muito entender como foi trabalhada, na filmagem, a relação da câmera com os personagens, porque ela passa uma sensação o tempo todo de quase apagamento dela em relação a eles – quando sabemos que você lidava ali com condições bastante extremas de filmagem. Queria pensar isso, principalmente dentro do atual modelo produtivo que impera no cinema mundial, onde se coloca como uma necessidade a presença das equipes de filmagem infladas com um grande número de técnicos – como vocês filmaram Los Muertos?

Bom, nós trabalhávamos com a câmera em cima de dois botes e uma plataforma que os unia, e em cima de uma maquinária cinematográfica. Isso nos dava um movimento muito mais fluido, de maneira que planejávamos a cena, e depois cabia ao câmera conseguir acompanhar o que se passava em frente a ele. Era como se filmássemos de forma documental, só que sabendo o que ia acontecer – o que era bem mais fluido.

Quanto a cena da cabrita especificamente, bem, esta cena não estava no roteiro. Ela surgiu no momento da filmagem, e não tínhamos certeza sobre como ia resultar, porque foi um tanto improvisada. Tínhamos duas cabras, mas acabamos só usando uma mesmo. Foi por puro acaso que o sangue jorra do animal de frente para a câmera – não fazíamos idéia de como isso ia aparecer. Nesta cena, explicamos a Argentino o que ele tinha que fazer, ele entendeu e o fez. Resultou um tanto natural, e o que eu queria era realmente esta sensação de algo que acontece por sorte mesmo.

É por uma casualidade que ele vê o animal, mas queríamos era mostrar este instinto de que, se tem em mãos um facão, e de repente vê um animal, sabendo que está indo para a casa de sua família, sua reação é imediata e instintiva – porque sabe que tem que levar comida. Então, o primeiro que faz, sem pensar, é automaticamente voltar, matar o animal, e levá-lo. Para mim é algo natural, nada agressivo ou violento. É a relação que ele tem com a natureza e com a vida.
O que a cena tem de mais forte é justamente a maneira, não apenas natural, mas quase mecânica como Vargas responde aos seus instintos. Isso passa uma sensação muito forte não só de alguém que pertence a este meio, quanto mesmo a de quem (anos depois da prisão) está relembrando, em todos os sentidos inclusive o físico, uma vida anterior, voltando a ela com cada pequena ação. E aquela cena, como está encenada, marca o momento em que vemos Argentino Vargas completamente integrado não só com o seu ambiente, mas com o seu passado.

O fato é que o próprio Argentino, para além do filme, vive neste lugar. O que implica dizer que sabe como matar, como tirar a pele de um animal, como remar, então sabia os movimentos envolvidos. No filme, a questão para mim é que, sejam vinte anos que ele tenha passado na prisão, ao voltar para seu ambiente, as coisas voltam a ele – porque acredito que o se aprende na infância na se esquece nunca mais. E quanto mais vai se metendo na água, no entorno, e vai retomando como mover-se melhor, está em seu lugar. E isso para mim se consuma no final do filme, quando encontra seu bonequinho de brinquedo no chão, volta à sua infância, e está no mesmo lugar onde começou, quando matou seus irmãos, no começo do filme. Sem que nada tenha melhorado, avançado – aliás, tudo está pior.

Mas, voltando ao tema do trabalho, éramos uma equipe de oito ou dez pessoas, e filmamos em 35mm. Estabelecíamos jornadas de trabalho de em torno de 7 horas por dia – não filmávamos muito mais que isso, mas sabíamos que planos íamos fazer a cada dia. Era tudo um tanto calculado, e eu tenho muita confiança no fotógrafo, com quem tina feito meu primeiro longa também. Eu dizia para ele a lente, o enquadramento, mas sabia que sua sensibilidade faria com que seguisse e se adaptasse aos movimentos perfeitamente.

Você mencionou ter filmado em 35mm, e eu acho que este é um tema muito interessante para nós. Porque se convencionou acreditar que, principalmente num filme de baixo orçamento, a primeira imposição natural é a questão do digital. Sempre se faz soar como algo "gastador", perdulário mesmo, usar o 35mm. Mas, vendo teu filme, eu pensava que não há, pelo menos nas tecnologias até hoje criadas e colocadas em uso com regularidade, uma câmera digital que tenha solucionado no seu jogo entre lentes e sensibilidade do suporte, uma possibilidade de conseguir o tipo de resultado de imagem, do jogo com a luz e o escuro, por exemplo, que o 35mm consegue. Então, pensando em teu filme como um filme barato e com todos os motivos práticos para optar pelo digital, queríamos que você falasse desta opção pela película, pelo 35mm.

Para mim, o material fílmico tem uma textura e uma profundidade absolutamente peculiares a ele – e é muito mais "manual" que o vídeo. Eu não considero que, quando se está falando de cinema, você possa pensar em baixar custos com algo que influencia a qualidade da sua imagem – que é o que há de mais importante no cinema, que começou como imagem e vai morrer como imagem. O que acontece também é que hoje em dia se maltrata muito a imagem, e não se dá a ela o valor que ela tem.
Então eu, por exemplo, só tinha, ao final das filmagens, três horas e meia de material total. Mas, de que adianta uma pessoa filmar 50 horas de material em vídeo, mesmo que seja falando financeiramente, para depois ter que ampliá-lo para a película para as cópias finais, se a exibição ainda é majoritariamente em película? Então, se eu filmo pouco e sei o que quero filmar, não consigo ver nem mesmo onde estaria a economia, para além das questões mais teóricas.
O fato é que se perdeu o respeito pelo ato de filmar. Com o digital, aperta-se o REC no início do dia de trabalho e está sete horas filmando sem parar. Depois perde-se muito mais tempo editando este material, é tanta informação recolhida de forma desordenada, que há que se recontextualizar o filme todo na edição, porque já se perdeu o caminho do que estava sendo feito.

Mas, para além disso tudo, o fato é que eu tenho um amor enorme pela câmera de cinema, por ser pesada, com suas lentes, com o barulho que faz... Meu próximo filme eu acho que farei em Super 16mm, por uma série de fatores, mas o fato é que não gosto do vídeo.

Falando um pouco de sua formação, agora, eu queria saber se você fez escola de cinema ou não, e como começou a trabalhar em cinema, de forma geral. É uma chance de sabermos um pouco mais de você, já que seu primeiro longa, por exemplo, nunca passou no Brasil.

Quando terminei o segundo grau sabia que não ia estudar medicina nem arquitetura e o cinema, bem, havia rumores de que era algo "promissor" na Argentina. Comecei a estudar cinema, o que fiz durante três anos e meio na Universidad Del Cine, e lá aprendi a ver diferentes tipos de cinema (Lumière, neo-realismo, expressionismo alemão, e tudo o mais). E encontrei uma forma lá dentro de conseguir realizar coisas sem precisar me expor, e passei um tempo fazendo coisas, trabalhando em curtas – não curtas meus, porque eles nunca eram escolhidos para serem realizados, mas trabalhando em curtas das pessoas da escola. Comecei como assistente de som, e até hoje, se acredito no projeto de um filme, estou disposto a trabalhar como assistente de som nele.

Depois da universidade, comecei a trabalhar com um cineasta argentino chamado Nicolas Sarkis, que havia feito alguns filmes que eu respeitava muitíssimo, e também numa mostra que havia no Festival de Mar Del Plata, que coincidentemente se chamava "Contracampo", onde passavam filmes do Irã, Índia, ou de autores como... bem, como ele (N do T: aponta para Manoel de Oliveira, que passava neste momento pelo local da entrevista), sempre filmes de muita personalidade. Trabalhei dois anos neste festival, e para mim serviu como um mestrado em cinema, porque fui lá que encontrei o tipo de cinema que gostaria de fazer.

Bom, falemos agora do cinema argentino como um todo: aqui no Brasil pelo menos ficamos com a impressão sempre de uma nova geração do cinema argentino com qualidades raras e muito interessantes – gente como Lucrecia Martel, Pablo Trapero, Ana Poliak, em suma, gente que está fazendo filmes muito arriscados e surpreendentes. Uma coisa que reparamos é que a maioria destes citados (e também o teu filme) tem o apoio de instituições européias de desenvolvimento do cinema (Hubert Bals, Montecinemaveritá, Cinefondation, Ibermedia). Por outro lado, não temos uma noção muito clara aqui de como se relaciona este cinema argentino que circula pelos festivais mundiais com o cinema argentino comercial, mais industrial e para o grande público. Então, queríamos que você falasse um pouco de tudo isso: de como vê esta geração de diretores, como são estas relações com o exterior, com o cinema argentino como um todo.

Bom, a primeira coisa a destacar é que os filmes de Pablo Trapero, Lucrecia Martel ou o meu também recebem dinheiro do instituto argentino de cinema. Mas, em primeira instância, é verdade que as instituições européias são as que mais apostam no nosso tipo de cinema, seja porque está na moda ou num bom momento, entenda como preferir – eu, por exemplo, tenho um produtor francês dos meus filmes. No meu caso, ainda não recebi o dinheiro argentino (mas, sei que receberei), então fiz o filme com um pouco de dinheiro meu mesmo, e com fundos da França, Suíça e Holanda. Então, temos sim a sorte de que eles estejam nos apoiando senão vários filmes acabariam não sendo feitos.

Quanto à nossa geração, acho que há sim algo que começou há uns cinco anos, mas que devo dizer que não sei agora o que vai acontecer, uma idéia acima de tudo de honestidade destas pessoas com os ideais do que gostaria de fazer em cinema – e esta honestidade era o que unia esta geração. Hoje, depois de cinco anos, eu vejo como se alguns estivessem deixando de lado o que eu chamo desta honestidade, em troca de algo mais, como você disse, "industrial", que gere mais dinheiro mas com que aja menos comprometimento pessoal com o filme. Eu, por exemplo, trabalhei como assistente de som no primeiro filme de Trapero, e ele trabalhou como produtor associado no meu primeiro filme. Num primeiro momento, nos anos 99, 2000, 2001, isso era muito comum. Filmávamos muitas vezes sem cobrar nada, só nos fins de semana, e era muito normal que eu trabalhasse aqui, ali, acolá. Havia muito sangue envolvido, e agora que cada um está mais ou menos estabelecido, com um ou dois longas feitos e circulando, acho que isso está se perdendo, o que me parece perigoso até em termos estratégicos, porque pode ser que isso fosse parte importante do que nos fazia diferentes, e o que interessou, por exemplo, as fundações européias por nosso trabalho. Se começarem a fazer o filme pensando nos festivais, ou em fazer um milhão de espectadores, me parece algo um tanto perigoso.

Você mencionaria outros nomes que talvez conheçamos menos no Brasil, para adicionar a esta lista de realizadores argentinos interessantes, importantes?

Tem o Martin Rejtman, conhece? Ele está catalogado pela crítica argentina como um tipo de "pai" deste novo cinema argentino. Ele fez um filme chamado Silvia Prieto, e que foi o primeiro a fazer um cinema um pouco mais original. Para além dele, temos que lembrar do Diego Lerman (Tán de repente), e terminando agora seu segundo filme, Luis Ortega, cujo primeiro filme me agrada muito. E certamente há muito mais gente que eu não conheço mas que pode surpreender a qualquer momento.

Acho que uma outra curiosidade natural nossa diz respeito à relação do cinema argentino atual com o momento do país, por exemplo, com a crise econômica recente. Afinal, sabemos que o cinema não é apenas expressão artística, mas envolve também toda uma economia na sua realização, e que fatores para além dos criadores influenciam diretamente na sua feitura diária (isso sabemos de experiência própria no Brasil, aliás). Porque, de uma certa forma, a impressão que passou aqui é que quanto maior a crise na Argentina, mais filmes se faziam, como se não houvesse sido alterada a produção do país por estes fatores.

O cinema argentino recebe dinheiro estatal, o que me parece sempre algo ridículo, mas afinal de contas estamos num país ridículo. Mas, o que acontece é que se o cinema parasse de receber este dinheiro, ele iria parar no bolso de dois ou três, e jamais com o povo argentino de fato. Por outro lado, o cinema argentino, a publicidade, a televisão, dá trabalho a muita gente – na publicidade, por exemplo, se filma muito hoje na Argentina, por ser muito mais barato, então é impressionante o quanto se filma no país. E tudo isso gera empregos, o que é uma preocupação também do Governo.

Mas, também acredito é que o resultado da crise é o novo cinema argentino. Porque acredito que os jovens, os estudantes, encontraram no cinema (como não encontraram na fotografia ou na pintura, por exemplo), a maneira de contar o que estavam vendo todos os dias nas ruas. E filmes como os de Pablo (Trapero) ou Pizza, Birra, Faso começaram a mudar como se pensava o cinema argentino, começaram a se interessar pelas histórias cotidianas, de como vivia toda essa gente em meio a esta crise. Então, acho que foi quase como um resultado obrigatório desta mesma crise.

Bom, gostaria agora então de voltar ao teu filme mais uma vez, pensando no fato de como, no início especialmente, você faz questão de não explicar demais as coisas. Eu mesmo demorei muito para entender que o ambiente onde víamos Vargas era uma prisão, porque ele não era filmado como tal, tinha aquele balancinho de brinquedo quase no meio de uma praça, o corte de cabelo, as banalidades, e só depois de um tempo vem a confirmação de que ele está na prisão. Como você vê ou gosta de trabalhar este tipo de relação entre o que você quer que o espectador saiba e o que ele vá construindo por si mesmo?

O fato é que eu, como realizador, sinto que tenho sempre mais perguntas do que respostas. Por isso, eu gosto de observar sem precisar explicar nada. Eu, como espectador ou diretor, gosto que o filme me deixe ter este tempo de observação, de criar também o que se passa na cabeça daquele personagem, porque ele faz isso ou aquilo. Creio que é um pouco como quando passeamos pelas ruas – ninguém nos explica quem é esta pessoa com quem cruzamos, quem é aquela outra.

E a relação com a natureza, por que seu interesse tão grande por ela?

Me parece que na natureza se vê com mais facilidade as necessidades que têm o ser humano, e como tratam de sobreviver. E também que coisas lhes faltam, de que precisam. Me parece que na natureza podemos ir tratar de uma forma, digamos, mais puras, as necessidades do ser humano. Porque a natureza é violenta quando não está dominada, então todo dia é uma luta para poder sobreviver – o que neste caso serve como uma metáfora, para mim, porque as árvores e os edifícios me parecem a mesma coisa neste sentido. Só que para mim é mais fácil de mostrá-lo longe das cidades, onde podemos mais facilmente deixar de lado a palavra e vermos isso com as imagens. Porque o fato é que eu, hoje, já não confio nas palavras, apenas naquilo que vejo.

Mas você é de Buenos Aires, certo? Então, há uma relação pessoal sua com a natureza?

Sim, sou de Buenos Aires. Mas quando eu era bem pequeno eu costumava viajar bastante para um lugar, mais ou menos uma hora distante da capital, onde havia muito forte a presença da natureza, dos animais. E, há dez anos, comecei a ir muito aos Pampas, onde filmei La Libertad, porque meu pai é de lá. Então sempre me dá muito mais curiosidade saber da gente que vive em contato constante com a natureza, que me parece não mais pura, mas bastante diferente das pessoas da cidade – e me interessa conhecê-los e tentar entender como vêem o mundo.

Acho que podemos terminar por aqui, só aproveitando para saber se está desenvolvendo no momento algum projeto, o que tem em mente para depois de Los Muertos.

Estou tentando ainda viajar com o filme, vendo como as pessoas recebem o filme em lugares bem diferentes, e fazendo o que mais gosto que é conversar com as pessoas. Mas, já sei que vou fazer um próximo filme em Uzuaya, na Argentina, que fica no extremo sul, onde no inverno há muita neve e mar, é uma cidade portuária. Este é o lugar que quero explorar agora, e já tenho uma pequena história sobre um homem que volta para lá e tem problemas com álcool. A idéia surge de algo que também vi muito por aqui, e que sempre me passa pela cabeça, que é quando vemos alguém de seus cinqüenta anos morando no meio da rua, completamente retirado da organização social que o cerca, e me interessa tentar ver de como forma aquela pessoa chegou até aquele momento de sua vida. Claro que podemos ter algumas idéias do que possa ter acontecido, mas há detalhes que me interessam saber, explorar. Devo levar mais um tempo escrevendo e juntando fundos, porque por mais que para estes dois filmes eu tenha um co-produtor na França e na Holanda, é sempre uma luta – e eu produzo a mim mesmo na Argentina. Então, creio que devo filmar mesmo em 2006, algo assim.

Já que você mencionou isso, como tem sido o contato com as pessoas sobre Los Muertos?

Em outros lugares que não a América Latina, me parece que o filme é visto de forma um tanto exótica, porque eles não vivem de forma parecida com a nossa. Mas, para mim Los Muertos não é um filme sobre um assassino que matou seus irmãos e sim sobre as pessoas que vivem sob estas condições, que por mais que sigam respirando, não têm muitas condições de viver, vivenciando uma certa morte lenta. E, pelo menos na Europa, até há pessoas que morrem lentamente, mas não do mesmo jeito que este.

Na Argentina, o filme está passando nos cinemas agora, e fez mais ou menos 4 mil espectadores, o que eu sei que não é quase nada, mas também sei que é o que dá para esperar quando um filme estréia em apenas um cinema, numa cinemateca, como foi o caso. A crítica elogiou muito o filme, e há respostas bem interessantes, mas muita gente não quer ver este tipo de coisa no cinema, porque acha que já vê muito na rua, escuta o tempo todo, e não se interessa muito.

Entrevista realizada por Eduardo Valente no dia 30 de outubro de 2004, em São Paulo.