Um dos pilares de sustentação do cinema
americano físico é a propagação
incessante do mito da eterna juventude. Afinal de contas,
dificilmente algum homem adulto negará que a
vida após certa idade inclui, irrefutavelmente,
uma nostálgica ruminação das lembranças
acumuladas entre os dezoito e os trinta anos. O cinema,
desde Howard Hawks e Nicholas Ray, passando por John
Landis e John Hughes, desfruta e sempre desfrutou a
genialidade de alguns de seus porta-vozes da vida pré-adulta
(o que independe da idade dos personagens), na qual
nunca se definem por completo as trajetórias
"profissionais" e as condutas pessoais (seja
de pensamento, de convívio social ou de relação
afetiva). Concentrada no instante-já, essa é
uma condição a que alguns chamariam pré-política,
mas que pode representar a mais política das
fases da vida: aquela em que a distância entre
o que se diz e o que se faz é a menor possível.
Não deixa de ser um cinema transgressor esse
que, a exemplo de Dias Incríveis, estende
seu campo de "irresponsabilidade salutar"
à vida após o diploma universitário,
época em que se cobram do homem justamente maturidade
e assentamento, trabalho e família, obrigações
e normas. No meio do caminho, esse cinema acaba por
deflagrar os cruéis mecanismos de corrupção
e exclusão que a sociedade cultiva desde as instituições
de aprendizagem. Hoje – no que os detratores da puberdade
durável encontram tanto pano de quanto necessitam
para as mangas –, o cinema redescobre sua propensão
ao exercício de uma livre-exaltação
da juventude que caminha em estreita proximidade com
a incorreção política, formando
quase que uma rota de colisão. É claro
que, com alguma freqüência, os filmes que
se passam nas universidades norte-americanas acabam
esbarrando no próprio conservadorismo a que a
princípio se colocavam "contra". A
redenção dos transviados muitas vezes
descolore o que o filme tão desbragadamente construíra
anteriormente. O mais pervertido dos alunos termina
o filme se casando: por aí vai o manancial que
atualmente desemboca em American Pie (cujo terceiro
filme não gratuitamente aborda o casamento).
Revivendo o espírito de Clube dos Cafajestes
(1979, Landis), mas fazendo-o de modo indireto, Dias
Incríveis se coloca num espaço híbrido,
onde universitários e adultos de todas as idades
se unem com o mesmo intuito hedonista. A galera "old
school" do filme de Phillips é a melhor
turma de comédia que o cinema americano tem para
oferecer hoje: Luke Wilson, Will Ferrell e Vince Vaughn
interpretam os três amigos que resolvem combater
os desafetos da vida adulta com um retorno profundo
aos bons tempos. Mitch (Wilson) sofreu o que eufemisticamente
podemos chamar de decepção amorosa (ele
chega de viagem e encontra sua namorada no meio de uma
suruba); Frank (Ferrell) se casou, mas basta um primeiro
retorno à era "Frank the Tank" para
que ele perca todas as estribeiras e saia correndo pelado
pelas ruas, até ser encontrado pela própria
esposa; Beanie (Vince Vaughn) está casado com
filhos e não trai a mulher, mas sente saudade
do tempo em que não tinha as responsabilidades
do casamento. Eles montam, então, na casa que
Mitch aluga dentro do campus de uma universidade, uma
república estudantil à moda antiga e agitada
que muitos filmes dos anos 80 exploraram. Suas festas
contam com o know-how de veteranos no assunto (a primeira
delas já conquista a universidade inteira, com
direito à participação de Snoop
Doggy). Se a maioria dos filmes sobre adolescentes,
ainda mais se passados dentro de escolas, constitui
ritos de passagem, em Dias Incríveis não
será tão diferente: o filme é um
rito de re-passagem, uma nova versão do processo
para aqueles que não o assimilaram de primeira.
O triste, para o homem, é justamente a "passagem",
a idéia de deixar para trás os "dias
incríveis" da juventude.
A fraternidade montada por eles, apesar de em nenhum
momento isso ser comentado ou ostentado, tem claramente
a característica de ser um espaço democrático,
que reúne representantes de todas as parcelas
discriminadas da sociedade: um velhinho de quase noventa
anos (o lendário Blue), um negro obeso, um nerd
com poucas habilidades sociais, um latino que trabalha
em lanchonete etc. Mas que não se confunda essa
parcela democrática do filme com intenções
politicamente corretas (o filme justamente se põe
na contracorrente da hipocrisia incrustada nessa expressão):
numa cena em que serve limonada sem gelo para Frank,
Blue é ordenado a pagar vinte flexões;
o mesmo Blue, posteriormente, tem um infarto fulminante
na festa de seu aniversário, quando duas mulheres
se despem à sua frente (no enterro, Frank canta
"Forever Young", do Alphaville); as próprias
minorias são alvos de tipificações
e piadas; o mau-gosto é incorporado ao filme
como elemento essencial. Em suma, trata-se de uma ótima
comédia que não abre mão de ser
descacetada – e que prega uma democracia que não
é "inocente" (os próprios líderes
da fraternidade exercem uma relação de
poder quase tirânico sobre os demais).
Dias Incríveis tem também sua parcela
de conservadorismo, de afirmação da maturidade
trazida pelos anos vividos, mas a questão está
em como o filme enxerga esse processo, nunca o colocando
como a necessidade de manutenção cega
de certos valores ligados à família e
ao mundo patronal do trabalho. É antes a depuração
dessa vida adulta convencional. A família e o
local de trabalho, por sinal, são enxergados
de forma bem peculiar por Phillips. A primeira menina
com que Mitch dorme na nova casa é a filha do
chefe (Elisha Cuthbert, a Kim Bauer da série
24 Horas), o que lhe rende uma posição
de afrontamento em relação ao chefe, que
em determinada cena chega a receber uma bronca dele.
Dias Incríveis, curiosamente, é
um filme também sobre relações
de poder – e sobre os artifícios (não
raro sujos) de que este lança mão (do
que o principal representante é o reitor-vilão,
que em dado momento faz um vídeo no qual posa
à frente da bandeira nacional – como nos discursos
presidenciais – e de cabeças de animais empalhados
penduradas na parede).
O combate à hipocrisia, o anti-puritanismo, a
derrota moral dos conservadores... obviamente há
um quê anti-bushista em Dias Incríveis.
Como seu título original (Old School)
melhor permite antever, o filme quer recuperar alguma
coisa ausente não apenas na vida de seus personagens,
mas também na América bushista de uma
forma geral: desde a caracterização do
reitor da universidade até o jogo de pergunta
e resposta que depois é mostrado (em que Frank
desbanca o reacionário comentarista político
da CNN), não faltam críticas ao neoconservadorismo
e à total falta de ética de quem está
"no comando". Os ingredientes misóginos
que balizam o filme de Phillips têm uma determinação
muito clara, pois vão contra o chauvinismo e
o discurso monogâmico hipócrita de Mark
(namorado pedante de Nicole) e contra o ressentimento
nerd do reitor.
Phillips, embora não seja nenhum gênio
da mise-en-scène, sabe o que fazer para
que as cenas de comédia funcionem em todos os
casos (as cenas com Ferrell entorpecido na festinha
de criança são sensacionais), que é
o que importa no fim das contas. Ele opta, também,
por liberar os atores para as performances que suas
especialidades melhor permitem (Wilson, Ferrell e Vaughn
estão fazendo exatamente os tipos a que mais
estão acostumados). Dias Incríveis
é uma comédia (romântica?) cuja
mensagem de fraternidade, ainda que menos explícita
que a de Ligado em Você, dos Farrelly,
lá está para quem quiser apreciar. Assim
como a afirmação da vontade de viver no
ponto limítrofe em que é possível
ser adulto, velho, jovem e criança ao mesmo tempo.
Um pouco antes dos créditos finais ao som de
"Here I go again", do Whitesnake, o filme
prenuncia o romance de Mitch com Nicole, que ele conheceu
na época da escola, mas com quem nunca havia
tentado nada por se sentir intimidado (ela andava com
caras mais velhos, usava uma jaqueta jeans do Whitesnake,
fumava Mallboro vermelho...). A nova chance foi dada,
e dessa vez ele soube aproveitar. Certas coisas só
se aprendem mesmo com o tempo.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
(DVD
Universal)
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