DENSIDADE DO PLANO
(cf. Platitude do plano)

Seria a imagem-hieróglifo a verdadeira forma de fazer cinema político? Explica-se. Em geral, CNN, nos filmes médios americanos que estréiam semanalmente nos cinemas, nas séries que são exibidas na TV a cabo, a imagem aparece para fornecer alguma informação. O tempo de duração na tela de alguma coisa depende do tempo necessário para revelar seu sentido: um personagem, uma ação, um gesto, uma notícia, um beijo de amor têm seu valor de imagem enquanto se prestam a transmitir um conteúdo informativo (o dólar subiu, ele traiu ela, o xerife subiu no cavalo) e geralmente nada além. A imagem é a moeda, mas o capital está em outro lugar. Mal dos Trópicos, O Intruso, Tarnation, Cinco e até o aparentemente simples O Coração É Traiçoeiro Sobre Todas as Coisas nos fornecem outra lógica: a imagem aparece para causar mistério e estranhamento, o acesso a ela não é imediato, e tampouco sua significação é clara. Planos a decifrar: é preciso construir com as imagens desses filmes uma relação que não está dada pelas convenções cinematográficas a que estamos acostumados. Arte das distâncias – equivalente às distâncias que precisamos tomar para compreender o que se passa na tela –, que demanda tempo para que o plano ganhe densidade, esse plano-hieróglifo tem sua força tanto pelo maravilhamento que causa quanto pelo mistério que evoca: uma cartela que surge no meio do filme em Mal dos Trópicos (obrigando a medir novamente todas as distâncias, buscando uma nova harmonia), as entradas em cena de Béatrice Dalle ou Alex Descas, completamente dissociados de papel na intriga em O Intruso, puras aparições. Mas também imagens-absurdo, aquelas que desafiam nossa capacidade não de entender o que está na tela, mas o que o diretor pretende ao mostrá-las inicialmente: um toco de madeira ou uma matilha em Cinco, Renee mentalmente debilitada em Tarnation, Asia Argento fazendo o papel de seu próprio filho em O Coração É Traiçoeiro... A imagem sem valor de face aparente, a melhor forma de lutar contra uma sociedade em que a imagem disseminada mostra de cara quanto "vale" (ou seja, instala de partida sua forma de ser codificada)? A briga é boa: reinsere a resistência na ordem do dia, e ao mesmo tempo preserva um tipo de fascinação que o cinema parecia ter há muito perdido e que hoje demanda um outro tipo de crença na imagem. Uma crença que não é religiosa – que consistiria em acreditar que por trás da imagem se esconde a verdade, a evidência (Godard) – e tampouco "realista" – crença na apreensão do real bruto (em diversos bocados, de Bazin ao cinema direto) –, mas estética: uma crença de que o cinema ainda é capaz de instalar novos dispositivos de percepção que nos instalam em ambientes jamais experimentados. Manoel de Oliveira: "É aliás disso que eu gosto em geral no cinema: uma saturação de signos magníficos que se banham na luz de sua ausência de explicação".

Ruy Gardnier