DE-LOVELY – VIDA E AMORES DE COLE PORTER
Irwin Winkler, De-Lovely, EUA, 2004

Imagine um filme ousado, com ritmo vertiginoso e diversas invações formais, retratando a vida dos compositores de música brega Sullivan e Masadas (ou, para não dizer que só achincalhamos o produto nacional, citemos Bryan Adams). Pois bem: ficaria tão ridículo e deslocado quanto fica um filme como De-Lovely ao encenar de forma melosa e sem sal a vida de um dos maiores compositores da música popular americana. Focando em como Cole Porter conhece, se apaixona e depois vive sua vida inteira com Linda Lee, o filme opta por um retrato do homem público, e joga para debaixo do tapete todas as características "anti-sociais" do artista, homoessexual e usuário de drogas pesadas (se Cazuza pega leve com seu personagem, o filme de Winkler nem chega a pegar nada). Cole Porter falava pelas entrelinhas nas letras de suas músicas, ao passo que De-Lovely fica o tempo todo nos fazendo prestar atenção somente nas "linhas gerais". Tornado inócuo o biografado, tanto pelo foco na vida conjugal (sem sexo) quanto pela estrutura narrativa, que coloca um Cole Porter assistindo aos ensaios de uma montagem teatral sobre sua própria vida, De-Lovely pode então seguir o circuito usual dos clichês dos biopics: juventude, amores, inserção da adversidade ainda cedo, idade adulta, a felicidade, tudo dá errado, a velhice, e a fatal decadência. Há um certo desejo necrófago e sádico em assistir ao filme: uma vontade – que no mais está disseminado na produção de cinebiografias – de perceber os pontos fracos do artista, de comprovar como ninguém é deus, de como todos somos em alguma medida falidos, e talvez as celebridades mais que todos. A esse sentimento, De-Lovely satisfaz prontamente.

No entanto, quanto a qualquer expectativa quanto a valor estético, o filme de Irwin Winkler se revela como absolutamente nulo. Todas as escolhas, do ritmo ao tom do filme, da escolha de atores à iluminação, deriva do mais profundo convencionalismo estilo senhoras-desacompanhadas-de-meia-idade: músicas, luxo ostentatório, um muito brando senso de libertinagem e a mão pesada característica de produções acadêmicas. Nem a inserção de números musicais com artistas contemporâneos cantando clássicos de Porter ajuda o filme: de uma Alanis Morrissete evidentemente deslocada a um Elvis Costello sem brilho somente atualizando sua persona mais bufona, passando sem dúvida por uma Sheryl Crow desagradável, os próprios artistas parecem apenas caber (e mal) no papel que lhes é prescrito, e nada mais que isso (apesar de uma boa interpretação de Diana Krall). Assim sendo, a melhor crítica a De-Lovely é uma própria letra de Cole Porter, em que o sujeito seria o filme e o biografado o objeto. Com vocês, senhores e senhoras, uma das mais magníficas canções de Cole Porter: " You're the Top"...

You're the top! you're the Collosseum,
You're the top! you're the Louvre Museum,
You're the melody from a symphony by Strauss,
You're a Bendel bonnet, A Shakespeare Sonnet, You're Mickey Mouse!

You're the Nile! You're the Tow'r of Pisa,
You're the smile, on the Mona Lisa!
I'm a worthless check, a total wreck, a flop!
But if baby I'm the bottom, You're the top!

You're the top, you're Mahatma Gandhi,
You're the top! you're Napoleon brandy,
You're the purple light, of a summer night in Spain,
You're the National Gallery, you're Garbo's salary, You're cellophane!

You're sublime, you're a turkey dinner,
You're the time of the Derby Winner,
I'm a toy balloon that's fated soon to pop;
But if baby I'm by the bottom you're the top!

You're the top, you're a Waldorf salad
You're the top, you're a Berlin ballad
You're the nimble tread of the feet of Fred Astaire
You're an O'Neal drama, you're Whistler's mama, you're camembert

You're a rose, you're inferno's Dante
You're the nose, on the great Durante
I'm a masy leroux who's just about to stop
But if baby I'm the bottom, You're the top!

Ruy Gardnier