CORPOS

Em Exílios, de Tony Gatlif, há o privilégio absoluto do corpo, da matéria. O corpo como lugar onde se dá a experiência sensível, a pele enquanto superfície de contato e de trocas com o mundo, entre o interior e o exterior. A apreensão e a compreensão da realidade objetiva e empírica por intermédio dos sentidos e das sensações, e não do intelecto, sobretudo no plano seqüência em que Naima (Lubna Azabal) convulsiona o próprio corpo a fim de se entregar em definitivo ao ambiente que a cerca, marcado pela exclusão e pela marginalidade.

Contudo, se Gatlif enxerga na matéria corpórea veículo para alcançar a alteridade e, em conseqüência, construir a subjetividade do casal protagonista (o Eu a partir da identificação com o Outro), Michael Winterbottom em Código 46 e Lukas Moodysson em Um Vazio em Meu Coração, seja na cena do estupro consentido da primeira, seja no sadismo com que a atriz pornô é tratada no segundo, igualam o corpo a palco de horrores onde a violência a ele infligida serve apenas para provar a visão distorcida e abjeta dos cineastas de que a crueldade constitui a prática comum aos homens.

Filmes que, buscando a estética de nausear e de chocar o espectador a qualquer custo, realizam exploração alienante dos corpos humanos: não importa a Winterbottom e a Moodysson o que sentem ou o que pensam, os sonhos que possuem ou as dores que carregam, pois a intenção consiste somente em animalizá-los. Diverso, portanto, de O Homem Elefante, de David Lynch, e de Ligado em Você, dos irmãos Farrelly, nos quais as aberrações físicas, a partir justamente da ruptura que estabelecem ao considerado "normal" pela sociedade, apontam para a humanização dos personagens.


Paulo Ricardo de Almeida