CONTRA-REGRA
coluna semanal de televisão

FAC

E foi criado agora o FAC, Fórum do Cinema e Audiovisual. Uma representação cujo eixo central é a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), capitaneada pela Rede Globo. Entre as diversas atividades do fórum, são apontadas duas centrais: a de assegurar a liberdade de expressão e a de cultivar a indústria audiovisual brasileira. O que parece óbvio é a forma como o FAC surge como resposta direta ao projeto da Ancinav, não apenas como local de articulação política contrária às propostas contidas no projeto, mas também como mais uma espécie de cala-boca, uma tentativa de vender a imagem de que a sociedade civil já teria nesse FAC um local de defesa e cultivo do audiovisual brasileiro e que, portanto, a Ancinav estaria esvaziada em sua função. É importante, porém, frisar que até a agora a ABRA (que congrega a Rede Bandeirantes, o SBT e a Rede Record) está fora desse fórum, caracterizando ainda mais a concentração desse espaço de "representação" como a face abertamente política da máquina "global". Na mesma semana em que é criado o FAC, começa a circular a notícia de que as regras que estabeleceriam a necessidade de uma porcentagem de programação independente nas TVs abertas teriam caído do projeto final da Ancinav. Ou seja: as TVs continuariam centralizando emissão e produção – contrariando até mesmo as lógicas de capitalismos desenvolvidos, como o europeu e o norte-americano. É um absurdo que se tenha que lidar com uma grande emissora aberta como se ela estivesse fazendo algum tipo de concessão ao governo e aos produtores audiovisuais ao aceitar alguma regulação, quando, na verdade, é ela quem funciona a partir de uma concessão pública e se sustenta através de empréstimos de um banco (BNDES) público. A Rede Globo não é dona de seu espaço na emissão de informações, é apenas uma empresa que recebeu o direito de exploração desse espaço desde que seguindo regras públicas de difusão. Confundir porcentagem de produção independente com intervenção de conteúdo é uma falácia divulgada para se tentar esvaziar a possibilidade real de uma arejada na programação aberta de nossas TVs. É um absurdo que se abaixe a cabeça agora e se caia na esparrela de se dizer que as negociações entre as grandes emissoras e as pequeninas produtoras devem ser incentivadas e realizadas livremente, sem estabelecimentos de porcentagens mínimas. Sabemos que esse liberalismo utópico se traduz antes em submissão dos pequenos do que em diálogo aberto. Tem de haver cota mínima sim porque a TV aberta é um espaço público de expressão cultural e não pode ficar nas mãos cerradas de famílias escolhidas em tempos em que democracia no Brasil era um arremedo de coisa alguma. Quem é que pode ou não difundir idéias hoje no Brasil? Quem definirá a qualidade e ditará o que é "brasileiro" serão os executivos do Jardim Botânico? Reforma audiovisual, já! Triste é ver alguns nomes de possível respeito servindo de testa de ferro para essa tentativa de golpe em nome de algumas migalhas.

Portugal

"Queremos mais legalidade na Lei. Exigimos que ela seja regulamentada no espírito do seu preâmbulo, isto é, proporcionando as condições de produção para mais filmes e mais diferentes, com mais pessoas a filmar de todas as gerações. E queremos, sobretudo, que o Estado se remeta ao seu papel de garante da liberdade e de defesa intransigente da independência dos criadores e das suas obras, sem as pretensões populistas que, desde há muito, nada mais fizeram que hipotecar o imaginário e boa parte da vida dos portugueses aos interesses do cinema americano e às modas da televisão brasileira." Esse é o trecho de um manifesto de cineastas portugueses contrários à submissão das leis do audiovisual locais a uma falsa lógica do mercado livre em que a nossa Rede Globo aparece como nova força centralizadora da produção. Não é à toa a quantidade significante de atores-personagens portugueses em telenovelas recentes da emissora. A Rede Globo está tentando repetir em Portugal o que fez/faz no Brasil. Recentemente a SIC, TV portuguesa conveniada à TV Globo, substituiu a RTP na grade da NET no Brasil e deixou patente a grande quantidade de estrelas "globais" brasileiras a centralizar a programação em programas de entrevista e comportamento. Quem quiser ler mais sobre essas questões lá na terrinha e que falam muito também desse impasse, que vivemos aqui no Brasil hoje, indico esse link aqui.

Felipe Bragança


Textos das semanas anteriores:
Notas sobre A Escrava Isaura (por Francisco Guarnieri)
Retomando (Rede Globo, Ancinav...) (por Felipe Bragança)
"À luz do dia, e no Leblon. O que falta mais?" (por Felipe Bragança)
Horário Político, decapitações, paraolimpíadas (por Felipe Bragança)
Clodovil em sua casa (por Francisco Guarnieri)
Uma rapidinha (sobre Ancinav) (por Felipe Bragança)
Divagações da qualidade (por Felipe Bragança)
Anotações da madrugada, parte 2: CNN (por Felipe Bragança)
Anotações da madrugada, parte 1: Rede Globo (por Felipe Bragança)
Gomes vs. Coen (por Francisco Guarnieri)
Viagens Fantásticas (parte 2) (por Felipe Bragança)
Terapeuta JK (por Francisco Guarnieri)
Viagens Fantásticas (parte 1) (por Felipe Bragança)
Coito de Cachorro, Otávio Mesquita, Sônia Abrão e outras sumidades televisivas (por Francisco Guarnieri)
Pânico! (por Felipe Bragança)
Notas, notas, notas (por Francisco Guarnieri)
Da TV e dos corpos humanos, parte 2 (por Felipe Bragança)
Da TV e dos corpos humanos, parte 1 (por Felipe Bragança)
Violência da edição, edições da violência (por Felipe Bragança)
Fauna in concert: Tribos, Ayrton Senna, Monique Evans, João Kléber (por Francisco Guarnieri)
Repórter Cidadão: pouca cidadania, reportagem duvidosa (por Francisco Guarnieri)
Semana de carnaval (por Francisco Guarnieri)
A dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 – Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 (por Felipe Bragança)
A Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos treze (por Roberto Cersósimo)
Algum começo... (por Felipe Bragança)
Uma novela de... (por Roberto Cersósimo)
O canal das mulheres, a cidade dos homens (por Felipe Bragança)
O fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo)
Televisão cidadã, cidadãos televisivos (por Felipe Bragança)