Realizador de cinema em sua essência,
John Flynn é um autor que tende a ser pouco reconhecido
pelo acesso difícil de muitos de seus filmes,
geralmente relegados às locadoras onde são
misturados a uma porção de policiais ou
suspenses em que reinam produções pouco
atrativas – já que em boa parte do tempo, sobretudo
num passado recente, Flynn tem sido relegado mais e
mais a realizar apenas filmes com essa aparência.
Flynn, junto de cineastas como Anthony Hickox e John
Herzfeld, é formador de um grupo de arquitetos
do filme B, cineastas que trabalham geralmente em situações
limitadas, muitas vezes produzindo para a TV, e possuem
exímia habilidade em subverter esta situação
em cinema dos melhores.
Flynn teve em Condenação Brutal
talvez sua maior chance de trabalhar com dinheiro à
disposição, o que de certo modo era compensado,
se ponderarmos também, pelo fato do filme ser
um veículo para Sylvester Stallone – logo também
haveria exigências delimitadoras (a trilha melosa
de Bill Conti, ganhador do Oscar pela trilha de Rocky,
um lutador, é talvez o que mais influi negativamente
no filme). Tal qual em seus filmes B – ainda que seja
bastante óbvio que Condenação
Brutal é um filme B de estúdio –,
Flynn orquestra a ação de forma a driblar
seus empecilhos. Ele adota a forma de um cinema bruto
por excelência, o que se traduz, aqui, no seu
modo de aproximação para com o mundo de
personagens como Frank Leone (Stallone), um presidiário
que num passado recente fugira da cadeia denunciando
para toda a mídia os maus tratos sofridos pelos
presos. Frank cumpre cinco anos pela pena da fuga, numa
prisão que dá exemplo de tratamento entre
as pessoas. O filme começa calmo e externo, com
Frank fora da cadeia fazendo visita à sua esposa.
O clima pacífico persiste em seu retorno à
prisão, mas sofre um racha instantes depois:
Frank é brutalmente carregado sem maiores explicações
para uma prisão nada pacífica, a mando
de um antigo desafeto. Entra-se, enfim, no clima de
infinita brutalidade, que Flynn irá construindo
em ritmo crescente, tendo seu término somente
no momento em que Frank Leone não terá
mais como sobreviver a tanta pressão.
A presença das trocas de olhares é fundamental
para o estabelecimento de todas as relações
no filme: sempre alguém observa outra pessoa
à distância, com um tipo diferente de interesse,
e a partir daí se traçam seus atos em
seqüência. Donald Sutherland observa a partida
de futebol americano do alto, e Flynn não precisa
mostrar quais seriam suas ordens aos guardas, à
semelhança do primeiro momento em que Meissner
troca um olhar com Frank, já dentro da prisão,
e fica claro que ele será sua única esperança
com algum poder por lá.
Ainda que Flynn filme tudo com absoluto vigor, o filme
tem seus problemas de estrutura. A priori, é
uma obra que tenta se abrir para muitos gêneros
sem fugir de sua essência, em vários momentos
parecendo uma coleção de slides, um verdadeiro
mosaico – sendo que cada peça aponta para um
gênero específico. Assim teremos o romance
acentuado do começo dividindo espaço com
o momento literalmente filme-de-horror de Frank na solitária.
Mas também teremos o momento feel good
na antológica seqüência em que eles
reconstroem o carro, ou o total desespero do clímax.
Mesmo sendo um cineasta bastante habilidoso, fica claro
dentro desta estrutura que existem gêneros com
o qual Flynn não lida tão bem. Nada que
empeça o filme de funcionar, mas certamente é
uma pedra no caminho. Ainda assim não deixa de
ser corajoso se arriscar em tantas possibilidades sem
deixar de estar percorrendo seu próprio caminho.
Flynn é adepto de um cinema do corpo, mas também
da corrupção do olhar. A seqüência
do futebol americano é um primor em se tratando
do cinema físico, da mesma forma que o personagem
de Tom Sizemore é perfeito em relação
à questão de um olhar dúbio. As
pancadas que Stallone sofre doem, e Flynn faz questão
de que tenhamos consciência disso – nada de sangue
e muito de tensão e densidade. Talvez o filme
com que Condenação Brutal estabeleça
o melhor diálogo seja o recente Hell,
de Ringo Lam (quem sabe podendo ser estendido para os
filmes de prisão feitos por Lam ainda em Hong
Kong, os quais infelizmente ainda não pude ver),
ambos traçando um caminho onde a amargura de
estar aprisionado é refletida de forma física.
No final, Flynn retorna mais uma vez à corrupção
– não necessariamente a do personagem de Sutherland,
mas também a de Stallone. A forma da farsa é
a única saída que Frank encontra para
poder expor ao mundo os atos que o fizeram chegar até
ali. Toda a perseguição – assim como a
solução de Frank da fuga para dentro e
não para fora da prisão, e em especial
a tensão e a dramaticidade exageradas na medida
certa no clímax final entre Stallone e Sutherland
(mas envolvendo também guardas e Meissner) –
é cinema em seu estado puro. Não há
dificuldades estruturais que arruínem algo tão
bem filmado e pensado. Flynn é um autor que ignora
a verossimilhança e abraça as imagens
como sua realidade, oferecendo belos momentos de cinema.
Guilherme Martins
(DVD
Columbia Tristar; VHS LK-Tel Video/Columbia)
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