CONDENAÇÃO BRUTAL
John Flynn, Lock Up, EUA, 1989

Realizador de cinema em sua essência, John Flynn é um autor que tende a ser pouco reconhecido pelo acesso difícil de muitos de seus filmes, geralmente relegados às locadoras onde são misturados a uma porção de policiais ou suspenses em que reinam produções pouco atrativas – já que em boa parte do tempo, sobretudo num passado recente, Flynn tem sido relegado mais e mais a realizar apenas filmes com essa aparência. Flynn, junto de cineastas como Anthony Hickox e John Herzfeld, é formador de um grupo de arquitetos do filme B, cineastas que trabalham geralmente em situações limitadas, muitas vezes produzindo para a TV, e possuem exímia habilidade em subverter esta situação em cinema dos melhores.

Flynn teve em Condenação Brutal talvez sua maior chance de trabalhar com dinheiro à disposição, o que de certo modo era compensado, se ponderarmos também, pelo fato do filme ser um veículo para Sylvester Stallone – logo também haveria exigências delimitadoras (a trilha melosa de Bill Conti, ganhador do Oscar pela trilha de Rocky, um lutador, é talvez o que mais influi negativamente no filme). Tal qual em seus filmes B – ainda que seja bastante óbvio que Condenação Brutal é um filme B de estúdio –, Flynn orquestra a ação de forma a driblar seus empecilhos. Ele adota a forma de um cinema bruto por excelência, o que se traduz, aqui, no seu modo de aproximação para com o mundo de personagens como Frank Leone (Stallone), um presidiário que num passado recente fugira da cadeia denunciando para toda a mídia os maus tratos sofridos pelos presos. Frank cumpre cinco anos pela pena da fuga, numa prisão que dá exemplo de tratamento entre as pessoas. O filme começa calmo e externo, com Frank fora da cadeia fazendo visita à sua esposa. O clima pacífico persiste em seu retorno à prisão, mas sofre um racha instantes depois: Frank é brutalmente carregado sem maiores explicações para uma prisão nada pacífica, a mando de um antigo desafeto. Entra-se, enfim, no clima de infinita brutalidade, que Flynn irá construindo em ritmo crescente, tendo seu término somente no momento em que Frank Leone não terá mais como sobreviver a tanta pressão.

A presença das trocas de olhares é fundamental para o estabelecimento de todas as relações no filme: sempre alguém observa outra pessoa à distância, com um tipo diferente de interesse, e a partir daí se traçam seus atos em seqüência. Donald Sutherland observa a partida de futebol americano do alto, e Flynn não precisa mostrar quais seriam suas ordens aos guardas, à semelhança do primeiro momento em que Meissner troca um olhar com Frank, já dentro da prisão, e fica claro que ele será sua única esperança com algum poder por lá.

Ainda que Flynn filme tudo com absoluto vigor, o filme tem seus problemas de estrutura. A priori, é uma obra que tenta se abrir para muitos gêneros sem fugir de sua essência, em vários momentos parecendo uma coleção de slides, um verdadeiro mosaico – sendo que cada peça aponta para um gênero específico. Assim teremos o romance acentuado do começo dividindo espaço com o momento literalmente filme-de-horror de Frank na solitária. Mas também teremos o momento feel good na antológica seqüência em que eles reconstroem o carro, ou o total desespero do clímax. Mesmo sendo um cineasta bastante habilidoso, fica claro dentro desta estrutura que existem gêneros com o qual Flynn não lida tão bem. Nada que empeça o filme de funcionar, mas certamente é uma pedra no caminho. Ainda assim não deixa de ser corajoso se arriscar em tantas possibilidades sem deixar de estar percorrendo seu próprio caminho.

Flynn é adepto de um cinema do corpo, mas também da corrupção do olhar. A seqüência do futebol americano é um primor em se tratando do cinema físico, da mesma forma que o personagem de Tom Sizemore é perfeito em relação à questão de um olhar dúbio. As pancadas que Stallone sofre doem, e Flynn faz questão de que tenhamos consciência disso – nada de sangue e muito de tensão e densidade. Talvez o filme com que Condenação Brutal estabeleça o melhor diálogo seja o recente Hell, de Ringo Lam (quem sabe podendo ser estendido para os filmes de prisão feitos por Lam ainda em Hong Kong, os quais infelizmente ainda não pude ver), ambos traçando um caminho onde a amargura de estar aprisionado é refletida de forma física.

No final, Flynn retorna mais uma vez à corrupção – não necessariamente a do personagem de Sutherland, mas também a de Stallone. A forma da farsa é a única saída que Frank encontra para poder expor ao mundo os atos que o fizeram chegar até ali. Toda a perseguição – assim como a solução de Frank da fuga para dentro e não para fora da prisão, e em especial a tensão e a dramaticidade exageradas na medida certa no clímax final entre Stallone e Sutherland (mas envolvendo também guardas e Meissner) – é cinema em seu estado puro. Não há dificuldades estruturais que arruínem algo tão bem filmado e pensado. Flynn é um autor que ignora a verossimilhança e abraça as imagens como sua realidade, oferecendo belos momentos de cinema.

Guilherme Martins

(DVD Columbia Tristar; VHS LK-Tel Video/Columbia)