COMO FAZER UM FILME DE AMOR
José Roberto Torero, Brasil, 2004

José Roberto Torero, tanto como diretor de curtas-metragens e episódios (Morte, A Felicidade É...) quanto como roteirista de longas (O Casamento de Louise), já nos tinha encantado com seu humor ora referencial, ora amargo, ora sorvete-na-testa, mas sempre fazendo muito bom uso do riso auto-consciente. Em Como Fazer um Filme de Amor, esperado primeiro longa-metragem de Torero como diretor, a má notícia que o título já esboça: a auto-consciência, antes adoravelmente presente como elemento secundário da trama, aqui assume ares absolutistas e torna irrespirável aquilo que vem da tela, fazendo de todos os processos artísticos (na relação de como incorporar o filme ao gênero) e sentimentais (na relação amorosa propriamente dita dos personagens do filme) a glorificação do clichê mais do que sua autocrítica referencial.

Em sua lendária crítica de O Homem do Oeste, Godard dizia que o filme de Anthony Mann é ao mesmo tempo a crítica e a feitura prática do western. Como Fazer um Filme de Amor, tentando ser ambos, não é nenhum deles: aparece como um filme amargurado que tenta jogar na cara do espectador o gosto formatado que ele tem pelo gênero cinematográfico, entregando a ele o básico do que ele espera receber quando vai assistir a um filme de gênero, no caso a comédia romântica. Mas, no caso, nem o básico é o básico nem a crítica é de fato crítica: o filme não faz sair da sala de cinema com o feelgood das comédias românticas e tampouco é aquela comédia referencial parodística (Como Fazer um Filme de Amor está mais para Todo Mundo em Pânico do que para, digamos, Quatro Casamentos e um Funeral, para pegar um dos melhores recentes do gênero) que brinca respeitosamente com os filmes-matriz que decide satirizar. É mais uma aproximação paga-lá-dá-cá pragmática de suprir a toques de caixa a demanda de ficção do espectador: você pediu isso, toma isso e não reclama, quem mandou pedir isso. Mais uma vez, a questão é que nem exatamente o "isso" a gente recebe.

O humor, ponto sempre forte em Torero, aqui parece funcionar num deplorável piloto automático. Já começa com a situação mais clichê possível: vemos uma cartela com letras sem serifas exibindo o título do filme, com música atonal no fundo musical. Aparece a voz do narrador, Paulo José, e diz que isso não é maneira de começar filme de amor, e logo passamos a ver uma letra cursiva com fundo colorido, cheio de frufrus, e uma música mais amigável, senão bem piegas. A um exagero, responde outro: ou é filme cabeça ou é entretenimento descerebrado. O filme se montará todo na lógica certo-errado (cartela errada, depois cartela certa; protagonista feminina errada, depois certa; estrutura narrativa errada, etc.), e com a onipresente voz em off de Paulo José, que está lá para que não precisemos exercitar por nós mesmos o raciocínio, diz os mandamentos da comédia romântica: o casal tem que ser de opostos complementares, não pode haver sexo, tem que ter um inimigo que tenta separar o casal, etc. Construído inteiramente na recognição e na cópia de clichês sem perceber que o que torna esse processo de atualização rico é justamente as pequenas diferenças (claro, não há nenhuma no filme), Como Fazer um Filme de Amor se termina com uma voz off de Paulo José nos créditos, que diz de forma um tanto ameaçadora que nós, os espectadores, estaremos semana que vem vendo mais outro filme que repete as mesmas fórmulas para tomar nosso dinheiro. Isso pode ser verdade sobre as comédias românticas, mas, havendo de repetir sua "homenagem" ao cinema por seus próximos projetos, dificilmente será verdadeiro sobre os filmes de José Roberto Torero.

Ruy Gardnier