José Roberto Torero,
tanto como diretor de curtas-metragens e episódios
(Morte, A Felicidade É...) quanto
como roteirista de longas (O Casamento de Louise), já
nos tinha encantado com seu humor ora referencial, ora
amargo, ora sorvete-na-testa, mas sempre fazendo muito
bom uso do riso auto-consciente. Em Como Fazer um
Filme de Amor, esperado primeiro longa-metragem
de Torero como diretor, a má notícia que
o título já esboça: a auto-consciência,
antes adoravelmente presente como elemento secundário
da trama, aqui assume ares absolutistas e torna irrespirável
aquilo que vem da tela, fazendo de todos os processos
artísticos (na relação de como
incorporar o filme ao gênero) e sentimentais (na
relação amorosa propriamente dita dos
personagens do filme) a glorificação do
clichê mais do que sua autocrítica referencial.
Em sua lendária crítica de O Homem
do Oeste, Godard dizia que o filme de Anthony Mann
é ao mesmo tempo a crítica e a feitura
prática do western. Como Fazer um Filme de Amor,
tentando ser ambos, não é nenhum deles:
aparece como um filme amargurado que tenta jogar na
cara do espectador o gosto formatado que ele tem pelo
gênero cinematográfico, entregando a ele
o básico do que ele espera receber quando vai
assistir a um filme de gênero, no caso a comédia
romântica. Mas, no caso, nem o básico é
o básico nem a crítica é de fato
crítica: o filme não faz sair da sala
de cinema com o feelgood das comédias
românticas e tampouco é aquela comédia
referencial parodística (Como Fazer um Filme
de Amor está mais para Todo Mundo em Pânico
do que para, digamos, Quatro Casamentos e um
Funeral, para pegar um dos melhores recentes do
gênero) que brinca respeitosamente com os filmes-matriz
que decide satirizar. É mais uma aproximação
paga-lá-dá-cá pragmática
de suprir a toques de caixa a demanda de ficção
do espectador: você pediu isso, toma isso e não
reclama, quem mandou pedir isso. Mais uma vez, a questão
é que nem exatamente o "isso" a gente
recebe.
O humor, ponto sempre forte em Torero, aqui parece funcionar
num deplorável piloto automático. Já
começa com a situação mais clichê
possível: vemos uma cartela com letras sem serifas
exibindo o título do filme, com música
atonal no fundo musical. Aparece a voz do narrador,
Paulo José, e diz que isso não é
maneira de começar filme de amor, e logo passamos
a ver uma letra cursiva com fundo colorido, cheio de
frufrus, e uma música mais amigável, senão
bem piegas. A um exagero, responde outro: ou é
filme cabeça ou é entretenimento descerebrado.
O filme se montará todo na lógica certo-errado
(cartela errada, depois cartela certa; protagonista
feminina errada, depois certa; estrutura narrativa errada,
etc.), e com a onipresente voz em off de Paulo José,
que está lá para que não precisemos
exercitar por nós mesmos o raciocínio,
diz os mandamentos da comédia romântica:
o casal tem que ser de opostos complementares, não
pode haver sexo, tem que ter um inimigo que tenta separar
o casal, etc. Construído inteiramente na recognição
e na cópia de clichês sem perceber que
o que torna esse processo de atualização
rico é justamente as pequenas diferenças
(claro, não há nenhuma no filme), Como
Fazer um Filme de Amor se termina com uma voz off
de Paulo José nos créditos, que diz de
forma um tanto ameaçadora que nós, os
espectadores, estaremos semana que vem vendo mais outro
filme que repete as mesmas fórmulas para tomar
nosso dinheiro. Isso pode ser verdade sobre as comédias
românticas, mas, havendo de repetir sua "homenagem"
ao cinema por seus próximos projetos, dificilmente
será verdadeiro sobre os filmes de José
Roberto Torero.
Ruy Gardnier
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