A câmera percorre o andar de
Ariel, o nosso personagem-narrador, quando ele através
de sua voz off nos conta e nos pinta o habitat do qual ele é parte integrante.
O habitat em questão é o espaço de uma galeria comercial
incrustada no centro da grande Buenos Aires, que pelo
seu cotidiano seria igual a muitas outras galerias existentes
em qualquer grande cidade, com seus personagens e pequenas
estórias de vida, porém mesmo podendo ser um mosaico
de personagens e fatos banais para um olhar externo,
não o é de forma alguma para Ariel. O personagem, então,
cataloga minuciosamente cada integrante daquele microcosmo,
começando pelo nome, estabelecimento do qual é dono,
e por algum elo que une aquele personagem à sua estória
pessoal. Ao apresentar a lanchonete da galeria, Ariel
recorda que um dia ela serviu de palco para um incidente
protagonizado por seu pai, que discutiu com o dono porque
a maionese estava estragada. São essas pequenas estórias,
aparentemente insignificantes e sem nenhuma importância
que vão pontuar a narrativa de O
abraço partido.
Ariel vivencia uma crise existencial, as suas perambulações
por Buenos Aires são sintomas de uma incessante busca
de sentido e significado para sua vida. Desconhecendo
a verdade sobre o seu passado, e o real motivo que levou
o pai a abandoná-lo, ele experimenta um presente atormentado
e confuso que o levou a largar opções consideradas concretas,
como a sua namorada e sua carreira de arquiteto. Agora,
ele almeja possuir uma nova identidade através da legitimação
de sua nacionalidade polonesa – como se a solução para
os seus problemas estivesse embutida no ato de fugir.
E é justamente isso que o nosso personagem almeja: correr
incessantemente sem rumo e sem destino definido, para
agarrar algo que nem ele mesmo sabe o que é. Todas as
três cenas em que Ariel aparece correndo sem rumo são
antecedidas por seqüências onde são mostradas para ele
ocorrências que exigem de sua parte uma tomada de posição
e uma decisão para ser eleita. Sem saber o que fazer,
Ariel executa uma corrida-perambulação que unifica o
desespero da fuga e a ânsia de uma procura incansável:
a procura de seu passado, de sua identidade e do afeto
perdido.
Ariel, através dos caminhos e ruas percorridos, delineia
uma nova e particular geografia. Em uma importante seqüência,
sua mãe conta para ele um incidente ocorrido em sua
infância. Segundo ela Ariel com 4 anos de idade vagou
pela praia sozinho até se perder, porque inconscientemente
achava que estava nos desertos de Israel à procura do
pai. Aqui está realçada a idéia da busca de um espaço
imaginário onde todas as ausências e faltas poderão
enfim ser supridas. A construção desses espaços é análoga
à junção de fragmentos compostos por pequenas estórias,
como a da maionese estragada e a do conserto do rádio
número 30. Em um bloco narrativo denominado Fragmentos
de Elias o nosso personagem revê a única imagem
em que ele aparece com o pai. Essa imagem e essas estórias
são as únicas ferramentas que ele dispõe para dar forma
a algo insistentemente abstrato.
A busca de uma forma e de um sentido para a vida também
está presente nas outras micro narrativas que compõem
o universo representado pela galeria. A estória de amor
protagonizado pelo casal de coreanos, que fugiu de seu
país para poder casar, ou a do amigo de Ariel que se
apaixonou por uma lituana mesmo sem saber uma palavra
do seu idioma. São pequenas fábulas que servem para
costurar o desenlace central: a recomposição e a plenitude
de um afeto ou abraço que outrora foi partido.
Estevão Garcia
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