O ABRAÇO PARTIDO
Daniel Burman, El abrazo partido, Argentina, 2004

A câmera percorre o andar de Ariel, o nosso personagem-narrador, quando ele através de sua voz off nos conta e nos pinta o habitat do qual ele é parte integrante. O habitat em questão é o espaço de uma galeria comercial incrustada no centro da grande Buenos Aires, que pelo seu cotidiano seria igual a muitas outras galerias existentes em qualquer grande cidade, com seus personagens e pequenas estórias de vida, porém mesmo podendo ser um mosaico de personagens e fatos banais para um olhar externo, não o é de forma alguma para Ariel. O personagem, então, cataloga minuciosamente cada integrante daquele microcosmo, começando pelo nome, estabelecimento do qual é dono, e por algum elo que une aquele personagem à sua estória pessoal. Ao apresentar a lanchonete da galeria, Ariel recorda que um dia ela serviu de palco para um incidente protagonizado por seu pai, que discutiu com o dono porque a maionese estava estragada. São essas pequenas estórias, aparentemente insignificantes e sem nenhuma importância que vão pontuar a narrativa de O abraço partido.

Ariel vivencia uma crise existencial, as suas perambulações por Buenos Aires são sintomas de uma incessante busca de sentido e significado para sua vida. Desconhecendo a verdade sobre o seu passado, e o real motivo que levou o pai a abandoná-lo, ele experimenta um presente atormentado e confuso que o levou a largar opções consideradas concretas, como a sua namorada e sua carreira de arquiteto. Agora, ele almeja possuir uma nova identidade através da legitimação de sua nacionalidade polonesa – como se a solução para os seus problemas estivesse embutida no ato de fugir. E é justamente isso que o nosso personagem almeja: correr incessantemente sem rumo e sem destino definido, para agarrar algo que nem ele mesmo sabe o que é. Todas as três cenas em que Ariel aparece correndo sem rumo são antecedidas por seqüências onde são mostradas para ele ocorrências que exigem de sua parte uma tomada de posição e uma decisão para ser eleita. Sem saber o que fazer, Ariel executa uma corrida-perambulação que unifica o desespero da fuga e a ânsia de uma procura incansável: a procura de seu passado, de sua identidade e do afeto perdido.

Ariel, através dos caminhos e ruas percorridos, delineia uma nova e particular geografia. Em uma importante seqüência, sua mãe conta para ele um incidente ocorrido em sua infância. Segundo ela Ariel com 4 anos de idade vagou pela praia sozinho até se perder, porque inconscientemente achava que estava nos desertos de Israel à procura do pai. Aqui está realçada a idéia da busca de um espaço imaginário onde todas as ausências e faltas poderão enfim ser supridas. A construção desses espaços é análoga à junção de fragmentos compostos por pequenas estórias, como a da maionese estragada e a do conserto do rádio número 30. Em um bloco narrativo denominado Fragmentos de Elias o nosso personagem revê a única imagem em que ele aparece com o pai. Essa imagem e essas estórias são as únicas ferramentas que ele dispõe para dar forma a algo insistentemente abstrato.

A busca de uma forma e de um sentido para a vida também está presente nas outras micro narrativas que compõem o universo representado pela galeria. A estória de amor protagonizado pelo casal de coreanos, que fugiu de seu país para poder casar, ou a do amigo de Ariel que se apaixonou por uma lituana mesmo sem saber uma palavra do seu idioma. São pequenas fábulas que servem para costurar o desenlace central: a recomposição e a plenitude de um afeto ou abraço que outrora foi partido.

Estevão Garcia