O cinema de Gitai está sempre
obcecado pelos mesmos temas que pretende colocar em
questão, parecendo tentar esmiuçar até o limite aquilo
que lhe interessa. Daí observar os diversos retornos
ao Wadi, a trilogia Neofacista, as várias obras em torno
do Golem, e também um círculo recente, ao qual já vínhamos
tendo acesso, do qual Um Dia Depois do Outro
parece quase um precursor. Seus filmes possuem um tipo
estranho de peso - não necessariamente uma mão pesada,
mas o de uma crença quase fúnebre naquilo que filma
(como o demonstram os longos planos-seqüência, muitas
vezes fascinantes, mas também em muitas outras um tanto
desnecessários e alongados). Se observar os filmes de
Gitai com proximidade só demonstra o quão repetitivo
ele o é, ainda assim faz um cinema de inegável presença.
Gitai impõe sem saídas aquilo que pretende filmar e
abordar, buscando sempre uma situação-limite dentro
de seu cinema: seus filmes tendem a terminar quando
o cineasta não poderia mais suportar aquele mundo que
criara, gritando dentro de seu cinema. Se em Kippur
isso parece tão perfeitamente colocado em cena, em Golem,
o Jardim de Pedras e Yom Yom parece ainda
estar se aperfeiçoando, mas já com essa busca do limite
se fazendo bastante presente. Yom Yom passa-se
em torno da religião, mas também do processo de despersonificação
de um homem comum em Israel, sendo então um filme um
bocado regionalista nesse sentido, onde a compreensão
de muitos fatos nos parece um pouco distante.
Já em O Jardim de Pedras, um colecionador de
arte herda de um parente a mão de um Golem, a criatura
feita de argila mítica judaica, e viaja para a Rússia
a fim de encontrar o que resta do Golem, seguindo as
instruções que lhe são dadas. Daniel (Yuri Klepikov),
o colecionador, se perde com tanta informação lhe sendo
jogada ao mesmo tempo - o interesse artístico que se
mistura com o interesse financeiro, o fascínio por algo
que passa longe de ter qualquer poder sobre. No momento
em que Daniel, teoricamente, iria enfim ao encontro
do que resta do Golem, um corte abrupto - e já estamos
de volta à Paris, onde ele, já extasiado, somente é
capaz de relatar aos poucos como voltara para lá de
mãos vazias. O clima de tensão nestas cenas finais lembra
um bocado o último plano-seqüência de Yom Yom,
onde o protagonista parece carregar o peso de toda uma
cultura nas costas.
Samuel Fuller é talvez a influência mais clara e admitida
da obra de Gitai, ainda que em muitos momentos ela pareça
soar presente apenas na decupagem de alguns planos,
muito mais do que na forma de olhar. Yom Yom,
abre por exemplo, com um plano bastante forte de uma
mulher – um personagem secundário do filme na realidade
– fumando e olhando para a imagem que ecoa Fuller de
primeiro momento, tal qual alguns planos bastante fortes
de O Jardim de Pedras. Fuller, aliás, atua em
O Jardim de Pedras, junto de uma ainda estonteante
Hanna Schygulla - e sua participação parece apenas mais
um reflexo desta relação de Amos Gitai com seu cinema,
ainda que Fuller esteja genial como sempre.
Yom Yom parece uma obra mais forte (ainda que
soe como uma primeira abordagem mais direta dos temas
regionais em questão), talvez por Gitai se ver mais
como o protagonista aqui, e menos em O Jardim de
Pedras, onde parece trabalhar de forma mais fria.
Todavia, Gitai permite que ambos os filmes, em meio
às suas viagens internas, se tornem um tanto desinteressantes
- antes que voltem com alguma força já no fim. As obras
parecem perder-se em si mesmas, mesmo quando se partilha
um interesse forte - tanto pelo discurso quanto pelo
cinema que o exibe. Problema este recorrente na obra
ficcional do cineasta, aliás – obra de mais interesse
do que de força real.
Guilherme Martins
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