UM DIA DEPOIS DO OUTRO / GOLEM - O JARDIM DE PEDRAS
Amos Gitai, Yom Yom / Golem, le jardin petrifié Israel, 1998 / Israel/França/Alemanha/Rússia, 1993

O cinema de Gitai está sempre obcecado pelos mesmos temas que pretende colocar em questão, parecendo tentar esmiuçar até o limite aquilo que lhe interessa. Daí observar os diversos retornos ao Wadi, a trilogia Neofacista, as várias obras em torno do Golem, e também um círculo recente, ao qual já vínhamos tendo acesso, do qual Um Dia Depois do Outro parece quase um precursor. Seus filmes possuem um tipo estranho de peso - não necessariamente uma mão pesada, mas o de uma crença quase fúnebre naquilo que filma (como o demonstram os longos planos-seqüência, muitas vezes fascinantes, mas também em muitas outras um tanto desnecessários e alongados). Se observar os filmes de Gitai com proximidade só demonstra o quão repetitivo ele o é, ainda assim faz um cinema de inegável presença.

Gitai impõe sem saídas aquilo que pretende filmar e abordar, buscando sempre uma situação-limite dentro de seu cinema: seus filmes tendem a terminar quando o cineasta não poderia mais suportar aquele mundo que criara, gritando dentro de seu cinema. Se em Kippur isso parece tão perfeitamente colocado em cena, em Golem, o Jardim de Pedras e Yom Yom parece ainda estar se aperfeiçoando, mas já com essa busca do limite se fazendo bastante presente. Yom Yom passa-se em torno da religião, mas também do processo de despersonificação de um homem comum em Israel, sendo então um filme um bocado regionalista nesse sentido, onde a compreensão de muitos fatos nos parece um pouco distante.

Já em O Jardim de Pedras, um colecionador de arte herda de um parente a mão de um Golem, a criatura feita de argila mítica judaica, e viaja para a Rússia a fim de encontrar o que resta do Golem, seguindo as instruções que lhe são dadas. Daniel (Yuri Klepikov), o colecionador, se perde com tanta informação lhe sendo jogada ao mesmo tempo - o interesse artístico que se mistura com o interesse financeiro, o fascínio por algo que passa longe de ter qualquer poder sobre. No momento em que Daniel, teoricamente, iria enfim ao encontro do que resta do Golem, um corte abrupto - e já estamos de volta à Paris, onde ele, já extasiado, somente é capaz de relatar aos poucos como voltara para lá de mãos vazias. O clima de tensão nestas cenas finais lembra um bocado o último plano-seqüência de Yom Yom, onde o protagonista parece carregar o peso de toda uma cultura nas costas.

Samuel Fuller é talvez a influência mais clara e admitida da obra de Gitai, ainda que em muitos momentos ela pareça soar presente apenas na decupagem de alguns planos, muito mais do que na forma de olhar. Yom Yom, abre por exemplo, com um plano bastante forte de uma mulher – um personagem secundário do filme na realidade – fumando e olhando para a imagem que ecoa Fuller de primeiro momento, tal qual alguns planos bastante fortes de O Jardim de Pedras. Fuller, aliás, atua em O Jardim de Pedras, junto de uma ainda estonteante Hanna Schygulla - e sua participação parece apenas mais um reflexo desta relação de Amos Gitai com seu cinema, ainda que Fuller esteja genial como sempre.

Yom Yom parece uma obra mais forte (ainda que soe como uma primeira abordagem mais direta dos temas regionais em questão), talvez por Gitai se ver mais como o protagonista aqui, e menos em O Jardim de Pedras, onde parece trabalhar de forma mais fria. Todavia, Gitai permite que ambos os filmes, em meio às suas viagens internas, se tornem um tanto desinteressantes - antes que voltem com alguma força já no fim. As obras parecem perder-se em si mesmas, mesmo quando se partilha um interesse forte - tanto pelo discurso quanto pelo cinema que o exibe. Problema este recorrente na obra ficcional do cineasta, aliás – obra de mais interesse do que de força real.

Guilherme Martins