Paixão
à Flor da Pele é o típico filme em que a história
pouco importa - já que é banal, boba mesmo, e pobremente
trabalhada. Bem sabemos que na nobre arte do cinema,
a história muitas vezes tem plano secundário, mas não
é raro um filme se sustentar em uma trama caprichada,
sem muito brilho na direção, e tirar disso bom cinema.
Já Wicker Park
assume sua condição de estiloso e manda às favas quem
clama por um bom roteiro. A pergunta é: estamos diante
de um bom ou de um mau filme estiloso?
Temos um homem que se apaixona à primeira vista por
uma linda transeunte. Temos uma garota complexada porque
ama esse mesmo homem que nunca lhe notou. Temos também
o amigo do homem, palhaço de plantão, que é usado pela
garota para se aproximar de sua paixão. Além de uma
esposa que parece estar ali só para ter mais uma atriz
bonita em cena. Temos, sobretudo, uma confusão de identidades
que não se presta à verossimilhança. Mas o que é verossímil
para uma mente apaixonada? Quais os critérios que devemos
usar para medir verossimilhança? Se forem os critérios
cinematográficos, todo esse blá blá blá sobre o que
é ou não plausível em uma narrativa passa ao largo do
que mais importa, que é a capacidade do diretor em criar
imagens que insistem em permanecer conosco. Não é pouco.
O que importa, aqui, é a brilhante decupagem de McGuigan,
sua pulsão impressa em cada fotograma - como se quisesse
reestabelecer o poder da mise-en-scène
no cinema independente americano, tão viciado em truques
baratos de roteiro (o filme é da Lakeshore, ou seja,
não é independente, mas apresenta-se claramente como
tal). Não que McGuigan não recorra a cacoetes de direção
que raramente dão certo. Seu trunfo é justamente esse:
ao abusar de artifícios que geralmente não passam de
brilharecos para enganar platéias ávidas por novidades,
seu cinema fica de alto risco. E esse risco faz do filme
um sopro inusitado de paixão ao cinema. Pois o excesso
de artifícios, longe de incomodar (o que já é um feito
digno de nota), encanta, ou engana em certos momentos,
mas se engana o faz muito bem.
Não é necessário recorrer ao velho artifício de citar
filmes atuais com artifícios semelhantes que não deram
certo. Wicker Park tem leveza e inspiração nas composições de suas imagens,
suficientes para destacá-lo entre os filmes que estão
em cartaz. Basta ver a linda seqüência em que a atriz
teatral tira sua maquiagem, mas o diretor põe ao contrário
- o que seria uma cena dela se maquiando: as tintas
faciais mesclando-se com as lágrimas. Ou o split-screen
que trabalha muito bem com cores pastel; ou ainda os
muito bem utilizados ganchos para as reviravoltas na
história. Um charme algo estéril, e hipnotizante ao
mesmo tempo, que só os pequenos belos filmes se dão
ao luxo de ter.
Sérgio Alpendre
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