PAIXÃO À FLOR DA PELE
Paul McGuigan, Wicker Park, EUA, 2004

Paixão à Flor da Pele é o típico filme em que a história pouco importa - já que é banal, boba mesmo, e pobremente trabalhada. Bem sabemos que na nobre arte do cinema, a história muitas vezes tem plano secundário, mas não é raro um filme se sustentar em uma trama caprichada, sem muito brilho na direção, e tirar disso bom cinema. Já Wicker Park assume sua condição de estiloso e manda às favas quem clama por um bom roteiro. A pergunta é: estamos diante de um bom ou de um mau filme estiloso?

Temos um homem que se apaixona à primeira vista por uma linda transeunte. Temos uma garota complexada porque ama esse mesmo homem que nunca lhe notou. Temos também o amigo do homem, palhaço de plantão, que é usado pela garota para se aproximar de sua paixão. Além de uma esposa que parece estar ali só para ter mais uma atriz bonita em cena. Temos, sobretudo, uma confusão de identidades que não se presta à verossimilhança. Mas o que é verossímil para uma mente apaixonada? Quais os critérios que devemos usar para medir verossimilhança? Se forem os critérios cinematográficos, todo esse blá blá blá sobre o que é ou não plausível em uma narrativa passa ao largo do que mais importa, que é a capacidade do diretor em criar imagens que insistem em permanecer conosco. Não é pouco.

O que importa, aqui, é a brilhante decupagem de McGuigan, sua pulsão impressa em cada fotograma - como se quisesse reestabelecer o poder da mise-en-scène no cinema independente americano, tão viciado em truques baratos de roteiro (o filme é da Lakeshore, ou seja, não é independente, mas apresenta-se claramente como tal). Não que McGuigan não recorra a cacoetes de direção que raramente dão certo. Seu trunfo é justamente esse: ao abusar de artifícios que geralmente não passam de brilharecos para enganar platéias ávidas por novidades, seu cinema fica de alto risco. E esse risco faz do filme um sopro inusitado de paixão ao cinema. Pois o excesso de artifícios, longe de incomodar (o que já é um feito digno de nota), encanta, ou engana em certos momentos, mas se engana o faz muito bem.

Não é necessário recorrer ao velho artifício de citar filmes atuais com artifícios semelhantes  que não deram certo. Wicker Park tem leveza e inspiração nas composições de suas imagens, suficientes para destacá-lo entre os filmes que estão em cartaz. Basta ver a linda seqüência em que a atriz teatral tira sua maquiagem, mas o diretor põe ao contrário - o que seria uma cena dela se maquiando: as tintas faciais mesclando-se com as lágrimas. Ou o split-screen que trabalha muito bem com cores pastel; ou ainda os muito bem utilizados ganchos para as reviravoltas na história. Um charme algo estéril, e hipnotizante ao mesmo tempo, que só os pequenos belos filmes se dão ao luxo de ter.

Sérgio Alpendre