WHISKY
Juan-Pablo Rebella e Pablo Stoll, Whisky, Uruguai/Argentina, 2004

Um filme de medidas, de pequenas doses, por vezes, meticulosamente melancólico, por outras um tanto programático em sua tentativa de filmar a rotina e o seu desvio. Com uma química rara de olhares e gestos, oriunda de uma construção cênica que beira o cinema sem palavras, e de um trabalho de atmosfera de grande habilidade, onde a edição de som, a montagem e o gestual dos personagens parecem todos parte de uma engrenagem de afetos apequenados e em ebulição.

A relação fria, mas carinhosa, entre Jacobo e sua falsa mulher (Mirella Pascual, em grande atuação), encontra na figura expansiva do irmão de Jacobo (Herman), o ponto perfeito de desequilíbrio. A solidão, a repetição e a possibilidade de duas pessoas se aproximarem de uma nova forma depois de um longo de tempo de convívio silencioso, aparece no filme mais como insinuação do que como evento. E é notável a forma com que o roteiro e as cenas conseguem não apenas fazer a observação das manias de Jacobo, mas torná-las gestos físicos e rítmicos que denotam o espírito do personagem sem que para isso seja necessário qualquer tipo de explanação verbal e direta.

O acordo monossilábico entre os dois personagens, o bilhete não-lido que Marta entrega a Herman antes de sua partida, a ausência de Marta no último plano – são pequenos movimentos de repetição e diferença, de reiteração e desvio que fazem com que tudo permaneça no mesmo lugar, mas talvez não mais da mesma forma. A crítica e ao mesmo tempo o elogio da solidão e da alegria (como o título Whisky, dos sorrisos encomendados), a forma com que o jovem casal que encontram no hotel é filmado sem nenhum tipo de cinismo (e, sim, ironia) e o brilho quase mímico dos olhos de Mirella, fazem do filme um pequeno acúmulo de sutilezas que merece atenção.

Há, talvez, um excesso de comentários cômicos marcados, o que também deixa aflorar um certo esquematismo em algumas passagens narrativas. Mas nada que tire o interesse de uma obra que é, antes de tudo, um exercício de ritmo e de anti- heroísmo. Nele, um homem rabugento e cheio de manias (o ritmo é expressado, organicamente, por elas) se torna protagonista de uma história de afeto condensado, marcada pela ausência de expressões e intenções claras e, principalmente, sem precisar que ninguém deixe de ser como é para que aconteça em sua beleza de não-realização.

E isso é um ponto marcante no filme: não há redenção amorosa, porque não há crise deflagrada. Jacobo sabe que Marta sente algo por ele, Marta sabe que Jacobo poderia sentir algo por ela – e nada mais precisa acontecer para que algo, entre os dois, exista ali naquele pacto de formalidades. O gesto final de Jacobo em recompensar sua falsa mulher com uma boa quantia em dinheiro, dentro dos parâmetros do personagem, denota antes paixão do que frieza, antes desvio afetivo do que norma de conduta. E isso, para a máquina-Jacobo, é muito mais do que um gesto de mera gratidão formal.

E mesmo que talvez seja por demais melancólica a forma como expele Marta de sua vida, seu gesto é antes de tudo uma declaração final de que as coisas não poderiam continuar como se nada tivesse acontecido. O que Jacobo sente não lhe cabe mais na rotina que tanto preza – mesmo que na forma de um vazio acolhedor, ele sabe. E se protege.

Felipe Bragança