Um filme de medidas, de pequenas
doses, por vezes, meticulosamente melancólico,
por outras um tanto programático em sua tentativa
de filmar a rotina e o seu desvio. Com uma química
rara de olhares e gestos, oriunda de uma construção
cênica que beira o cinema sem palavras, e de um
trabalho de atmosfera de grande habilidade, onde a edição
de som, a montagem e o gestual dos personagens parecem
todos parte de uma engrenagem de afetos apequenados
e em ebulição.
A relação fria, mas carinhosa, entre Jacobo
e sua falsa mulher (Mirella Pascual, em grande atuação),
encontra na figura expansiva do irmão de Jacobo
(Herman), o ponto perfeito de desequilíbrio.
A solidão, a repetição e a possibilidade
de duas pessoas se aproximarem de uma nova forma depois
de um longo de tempo de convívio silencioso,
aparece no filme mais como insinuação
do que como evento. E é notável a forma
com que o roteiro e as cenas conseguem não apenas
fazer a observação das manias de Jacobo,
mas torná-las gestos físicos e rítmicos
que denotam o espírito do personagem sem que
para isso seja necessário qualquer tipo de explanação
verbal e direta.
O acordo monossilábico entre os dois personagens,
o bilhete não-lido que Marta entrega a Herman
antes de sua partida, a ausência de Marta no último
plano – são pequenos movimentos de repetição
e diferença, de reiteração e desvio
que fazem com que tudo permaneça no mesmo lugar,
mas talvez não mais da mesma forma. A crítica
e ao mesmo tempo o elogio da solidão e da alegria
(como o título Whisky, dos sorrisos encomendados),
a forma com que o jovem casal que encontram no hotel
é filmado sem nenhum tipo de cinismo (e, sim,
ironia) e o brilho quase mímico dos olhos de
Mirella, fazem do filme um pequeno acúmulo de
sutilezas que merece atenção.
Há, talvez, um excesso de comentários
cômicos marcados, o que também deixa aflorar
um certo esquematismo em algumas passagens narrativas.
Mas nada que tire o interesse de uma obra que é,
antes de tudo, um exercício de ritmo e de anti-
heroísmo. Nele, um homem rabugento e cheio de
manias (o ritmo é expressado, organicamente,
por elas) se torna protagonista de uma história
de afeto condensado, marcada pela ausência de
expressões e intenções claras e,
principalmente, sem precisar que ninguém deixe
de ser como é para que aconteça em sua
beleza de não-realização.
E isso é um ponto marcante no filme: não
há redenção amorosa, porque não
há crise deflagrada. Jacobo sabe que Marta sente
algo por ele, Marta sabe que Jacobo poderia sentir algo
por ela – e nada mais precisa acontecer para que algo,
entre os dois, exista ali naquele pacto de formalidades.
O gesto final de Jacobo em recompensar sua falsa mulher
com uma boa quantia em dinheiro, dentro dos parâmetros
do personagem, denota antes paixão do que frieza,
antes desvio afetivo do que norma de conduta. E isso,
para a máquina-Jacobo, é muito mais do
que um gesto de mera gratidão formal.
E mesmo que talvez seja por demais melancólica
a forma como expele Marta de sua vida, seu gesto é
antes de tudo uma declaração final de
que as coisas não poderiam continuar como se
nada tivesse acontecido. O que Jacobo sente não
lhe cabe mais na rotina que tanto preza – mesmo que
na forma de um vazio acolhedor, ele sabe. E se protege.
Felipe Bragança
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