Num certo momento de Vida de Menina, a personagem principal (em cujos diários é baseado
o filme) explica para um outro personagem que está escrevendo
os referidos diários para contar o que acontece em Diamantina,
cidade onde se passa o filme. “E o que é que tanto acontece
em Diamantina?”, pergunta o personagem. Justamente este
nos parece ser o grande ponto de interesse, e de limitação
ao mesmo tempo, do filme de Helena Solberg: não acontece
grande coisa - apenas a história de uma menina que vai
se tornando mulher e formando seu olhar sobre o mundo
a partir das pessoas que a cercam e dos micro-acontecimentos
de um dia-a-dia bastante banal. O “apenas” acima, afirma-se
caso não tenha sido entendido, não é redutor: isto,
afinal, não é pouca coisa - e acima de tudo não é pouca
coisa segundo o olhar da personagem, que o filme procura
representar na tela. A busca de uma dramaturgia em chave
quase minimalista é sempre uma aventura arriscada, pois
se não vai se contar com as urdiduras e peripécias de
um roteiro de “acontecimentos” para conseguir a adesão
do espectador, é preciso se contar com uma série de
outras variáveis que representam dificuldades muito
maiores de construção cinematográfica.
Enfrentar de frente este problema é o grande feito de
Solberg que, como num diário, baseia sua dramaturgia
numa série de pequenas impressões isoladas, em episódios
esparsos que vão ganhando sentido na sua junção, na
sua sequência. Alguns destes momentos (talvez mais do
que todos a doença e a morte da avó da protagonista)
adquirem encenação com autêntica graça, e são muito
ajudados pelo desempenho nada excepcional, mas extremamente
adequado (até por esta não-extraordinariedade), de Ludmila
Dayer. Afinal, filme que se fecha totalmente no olhar
de uma personagem pede que a atriz que a interprete
consiga por ela mesma a adesão do espectador – e isso
Ludmila consegue, sem dúvida. Solberg tem a coragem
de dar humanidade a esta personagem, o que significa
dizer que ela não é todo tempo uma personagem simpática
– e ao contrário do que rezam algumas cartilhas, isso
não afasta o espectador do personagem, pelo contrário,
só cria uma identificação com a imperfeição deste olhar
(ainda mais se localizado nesta fase confusa da pré-adolescência
e adolescência em si).
No entanto, se destas opções corajosas Solberg consegue
extrair eventual e inegável força para seu filme, também
precisa ser dito que esta força não resiste sempre.
Ao aspecto banal da narrativa de Helena (a personagem,
no caso) o filme não adiciona na filmagem muita coisa
que o torne especialmente marcante no todo. Com isso,
nos episódios menos felizes em termos de dramaturgia,
ou com atores que funcionem um pouco menos na chave
pedida, o filme perde em graciosidade e acaba ganhando
um certo peso excessivo, que se nunca chega a ser o
do engessamento típico de algumas produções de época
(palmas para uma reconstituição que nunca busca ser
excessivamente chamativa ou auto-congratulatória), não
colabora para que ele resulte completamente cativante,
pulsante. O filme poderia ousar um pouco mais em algumas
opções narrativas, como na questão de que um diário
implica sempre num olhar extremamente parcial das coisas
– e, portanto, a encenação de todo realista torna-se
um dado complicado, uma imposição da terceira pessoa
a esta narrativa tão pessoal (só numa determinada cena
com a personagem da vizinha isso é tematizado). Ao optar
por este olhar tão “comportado” sobre tudo, seu minimalismo
acaba causando uma certa indiferença em algumas passagens.
E, como resultado, o filme como um todo acaba se fechando
numa sensação de um trabalho feito com todas as boas
idéias, mas que possui permanência um tanto limitada.
Eduardo Valente
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