VIDA DE MENINA
Helena Solberg, Brasil, 2004

Num certo momento de Vida de Menina, a personagem principal (em cujos diários é baseado o filme) explica para um outro personagem que está escrevendo os referidos diários para contar o que acontece em Diamantina, cidade onde se passa o filme. “E o que é que tanto acontece em Diamantina?”, pergunta o personagem. Justamente este nos parece ser o grande ponto de interesse, e de limitação ao mesmo tempo, do filme de Helena Solberg: não acontece grande coisa - apenas a história de uma menina que vai se tornando mulher e formando seu olhar sobre o mundo a partir das pessoas que a cercam e dos micro-acontecimentos de um dia-a-dia bastante banal. O “apenas” acima, afirma-se caso não tenha sido entendido, não é redutor: isto, afinal, não é pouca coisa - e acima de tudo não é pouca coisa segundo o olhar da personagem, que o filme procura representar na tela. A busca de uma dramaturgia em chave quase minimalista é sempre uma aventura arriscada, pois se não vai se contar com as urdiduras e peripécias de um roteiro de “acontecimentos” para conseguir a adesão do espectador, é preciso se contar com uma série de outras variáveis que representam dificuldades muito maiores de construção cinematográfica.

Enfrentar de frente este problema é o grande feito de Solberg que, como num diário, baseia sua dramaturgia numa série de pequenas impressões isoladas, em episódios esparsos que vão ganhando sentido na sua junção, na sua sequência. Alguns destes momentos (talvez mais do que todos a doença e a morte da avó da protagonista) adquirem encenação com autêntica graça, e são muito ajudados pelo desempenho nada excepcional, mas extremamente adequado (até por esta não-extraordinariedade), de Ludmila Dayer. Afinal, filme que se fecha totalmente no olhar de uma personagem pede que a atriz que a interprete consiga por ela mesma a adesão do espectador – e isso Ludmila consegue, sem dúvida. Solberg tem a coragem de dar humanidade a esta personagem, o que significa dizer que ela não é todo tempo uma personagem simpática – e ao contrário do que rezam algumas cartilhas, isso não afasta o espectador do personagem, pelo contrário, só cria uma identificação com a imperfeição deste olhar (ainda mais se localizado nesta fase confusa da pré-adolescência e adolescência em si).

No entanto, se destas opções corajosas Solberg consegue extrair eventual e inegável força para seu filme, também precisa ser dito que esta força não resiste sempre. Ao aspecto banal da narrativa de Helena (a personagem, no caso) o filme não adiciona na filmagem muita coisa que o torne especialmente marcante no todo. Com isso, nos episódios menos felizes em termos de dramaturgia, ou com atores que funcionem um pouco menos na chave pedida, o filme perde em graciosidade e acaba ganhando um certo peso excessivo, que se nunca chega a ser o do engessamento típico de algumas produções de época (palmas para uma reconstituição que nunca busca ser excessivamente chamativa ou auto-congratulatória), não colabora para que ele resulte completamente cativante, pulsante. O filme poderia ousar um pouco mais em algumas opções narrativas, como na questão de que um diário implica sempre num olhar extremamente parcial das coisas – e, portanto, a encenação de todo realista torna-se um dado complicado, uma imposição da terceira pessoa a esta narrativa tão pessoal (só numa determinada cena com a personagem da vizinha isso é tematizado). Ao optar por este olhar tão “comportado” sobre tudo, seu minimalismo acaba causando uma certa indiferença em algumas passagens. E, como resultado, o filme como um todo acaba se fechando numa sensação de um trabalho feito com todas as boas idéias, mas que possui permanência um tanto limitada.

Eduardo Valente