As semelhanças temáticas entre
este mais recente trabalho de Ratanaruang e a obra-prima
Encontros e Desencontros de Sofia Coppola são
mais que evidentes. Partindo de personagens estrangeiros
em um país distante, o diretor tailandês radicaliza
um pouco mais sua proposta, colocando como protagonistas
um japonês que mora na Tailândia e uma tailandesa prestes
a se mudar para o Japão. E constrói seu filme como um
infinito jogo de inversões e opostos.
Mais que duas pessoas de personalidades diversas que
precisam aprender a conviver e, consequentemente, desenvolvem
alguma forma de amor, a relação entre Kenji e Noi é
construída de modo que a dupla tenha que, a cada momento,
gerar alguma forma de mediação entre suas vidas/temperamentos
opostos e distantes. A começar pela forma como ambos
deverão comunicar-se entre si: já que um não fala a
língua do outro, acabam por conversar em um inglês assumidamente
macarrônico (como afirma uma das melhores piadas no
filme).
Que não se pense, no entanto, que, uma vez que falamos
em piada, A Última Vida no Universo se trata
de uma comédia romântica - como poderia sugerir uma
leitura apressada do argumento. Em um filme difícil
de descrever em poucas palavras, Ratanaruang constrói
com talento um contexto em que se alternam de forma
absolutamente coerente presente-passado (e, por que
não, futuro), sonho-realidade, vida-morte, ordem-caos.
E talvez seja esta última oposição a mais marcante no
filme, pois, mais fortemente que quando Kenji ajuda
a ordenar a vida de Noi, transparece a maneira como
a moça ajude a re-injetar o caos (que, como descobriremos
ao longo do filme, nunca estivera ausente) na vida do
bibliotecário japonês. E assim, como fica claro no momento
em que os dois dançam em uma máquina eletrônica, venham
a formar, à sua maneira, uma espécie de par perfeito.
Ao mesmo tempo em que as personagens se descobrem, o
diretor vai seduzindo com seu jogo o espectador e também
introduzindo um caos saudável na sua narrativa. A
Última Vida no Universo deixa uma sensação de fascínio
por ser um filme que se constrói e desconstrói a cada
seqüência. E também o gosto da descoberta de um cineasta
talentoso, além da esperança que venhamos a ter oportunidade
de algum dia conhecer seus trabalhos anteriores, como
6ixtynin9 (1999) e Mon-rak Transistor (2002).
Gilberto Silva Jr.
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