Adaptações que buscam uma auto-afirmação
independente da obra de origem, tendem a resultar em
esforços narrativos que geram algum desinteresse. Twist
se coloca entre o bloco das exceções e dos esquecíveis,
nestes casos. Tierney se propõe a atualizar Oliver
Twist para os dias de hoje, mudando, de acordo com
seu interesse, diversos dos focos narrativos. A quebra
com a obra de Charles Dickens se dá então no próprio
princípio narrativo do filme, que abandona a figura
de Oliver como coadjuvante. Poderia se discutir quais
seriam as razões para fazer deste filme uma adaptação
e não uma narrativa original – já que boa parte do filme
existe de tal forma livremente, que resta pouco do texto
de origem – mas isto retiraria do foco aquilo que importa
afinal: o cinema.
A priori Tierney acerta no tom de como conduzir o filme,
sendo capaz de imprimir um certo tipo de leveza a atmosfera
dos planos em um filme de tema bastante pesado – prostituição,
drogas, violência. A câmera assiste a saga de Dodge,
um dos jovens prostituídos sustentados por um sujeito
violento que nunca entra em cena, chamado Bill - mas
que parece sempre encontrar uma forma de se fazer presente
na narrativa. Dodge vê seu passado querer se fazer presente
quando perseguido por seu irmão; trás para seu mundo
o jovem Oliver, com quem traça um relacionamento sempre
ambíguo; e observa Nancy, esposa de Bill por quem nutre
maiores sentimentos, se deixar morrer. Notar uma cadeia
narrativa com todas as características de um dramalhão
pesado se transfigurar em algo conduzido com, dadas
as possibilidades, certa calma (onde a encenação é sempre
capaz de driblar o exagero) já empresta um interesse
forte para diversas das idéias do “pôr-em-cena”
de Jacob Tierney. As cenas com uso de drogas
são um bom exemplo das capacidades do cineasta, dada
a naturalidade com que ele as permite surgir, sem que
soem panfletárias. Embora fique claro que Dodge usa
heroína como um tipo de escape de sua realidade, o filme
nunca joga este fato como comprometedor ou causador
de nenhum dos dramas do personagem - e o faz com bastante
cuidado.
Tierney consegue momentos bastante bons na primeira
hora de filme. O relacionamento de Dodge com Nancy é,
em especial, a alavanca de interesse para todos os outros
personagens em cena, inclusive ditando de certa forma
os caminhos para a relação de Oliver com Dodge. Será
justamente na medida em que a atenção da narrativa passa
a se focar mais nos dois personagens durante as noites
de trabalho, que o filme passa a perder seu interesse.
Se vão belos momentos como a cena da dança com Nancy
na casa pela manhã, e aumentam cenas como a do assalto
sofrido por Dodge. Se Tierney é ótimo encenador do cotidiano,
seja este qual for, é péssimo encenador do caos: quando
tudo sai de controle em cena, todo o exagero que o cineasta
conteve durante a primeira hora de filme se esvai, e
sobram cenas que geram no máximo decepção.
É bastante curioso notar como Tierney perde o filme
em seu avançar, se observamos as opções de fotografia
do cineasta. Os tons claros se tornam mais escuros,
aumentam as cenas noturnas e a granulação diminui consideravelmente
- como se relatasse na imagem os caminhos perigosos
que a partir dali traçaria e traça. Todavia, é importante
que se faça claro que a obra não chega a se tornar uma
lástima – há um eco de vida em Twist. Notar a
capacidade de olhar para a vida narrada como algo vicioso
e degenerativo, sem o cinismo de um apedrejador de seres
humanos, é algo de valor. Se o filme se deixa perder
aos poucos não afasta de si um olhar diferente que tenta
surgir num discurso perigoso. Se fica algum interesse
de acompanhar os caminhos futuros do cineasta, também
é uma pena que só alguns momentos isolados realmente
tenham grande valor desta vez.
Guilherme Martins
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