TWIST
Jacob Tierney, Twist, Canadá, 2003

Adaptações que buscam uma auto-afirmação independente da obra de origem, tendem a resultar em esforços narrativos que geram algum desinteresse. Twist se coloca entre o bloco das exceções e dos esquecíveis, nestes casos. Tierney se propõe a atualizar Oliver Twist para os dias de hoje, mudando, de acordo com seu interesse, diversos dos focos narrativos. A quebra com a obra de Charles Dickens se dá então no próprio princípio narrativo do filme, que abandona a figura de Oliver como coadjuvante. Poderia se discutir quais seriam as razões para fazer deste filme uma adaptação e não uma narrativa original – já que boa parte do filme existe de tal forma livremente, que resta pouco do texto de origem – mas isto retiraria do foco aquilo que importa afinal: o cinema.

A priori Tierney acerta no tom de como conduzir o filme, sendo capaz de imprimir um certo tipo de leveza a atmosfera dos planos em um filme de tema bastante pesado – prostituição, drogas, violência. A câmera assiste a saga de Dodge, um dos jovens prostituídos sustentados por um sujeito violento que nunca entra em cena, chamado Bill - mas que parece sempre encontrar uma forma de se fazer presente na narrativa. Dodge vê seu passado querer se fazer presente quando perseguido por seu irmão; trás para seu mundo o jovem Oliver, com quem traça um relacionamento sempre ambíguo; e observa Nancy, esposa de Bill por quem nutre maiores sentimentos, se deixar morrer. Notar uma cadeia narrativa com todas as características de um dramalhão pesado se transfigurar em algo conduzido com, dadas as possibilidades, certa calma (onde a encenação é sempre capaz de driblar o exagero) já empresta um interesse forte para diversas das idéias do “pôr-em-cena”  de Jacob Tierney. As cenas com uso de drogas são um bom exemplo das capacidades do cineasta, dada a naturalidade com que ele as permite surgir, sem que soem panfletárias. Embora fique claro que Dodge usa heroína como um tipo de escape de sua realidade, o filme nunca joga este fato como comprometedor ou causador de nenhum dos dramas do personagem - e o faz com bastante cuidado.

Tierney consegue momentos bastante bons na primeira hora de filme. O relacionamento de Dodge com Nancy é, em especial, a alavanca de interesse para todos os outros personagens em cena, inclusive ditando de certa forma os caminhos para a relação de Oliver com Dodge. Será justamente na medida em que a atenção da narrativa passa a se focar mais nos dois personagens durante as noites de trabalho, que o filme passa a perder seu interesse. Se vão belos momentos como a cena da dança com Nancy na casa pela manhã, e aumentam cenas como a do assalto sofrido por Dodge. Se Tierney é ótimo encenador do cotidiano, seja este qual for, é péssimo encenador do caos: quando tudo sai de controle em cena, todo o exagero que o cineasta conteve durante a primeira hora de filme se esvai, e sobram cenas que geram no máximo decepção.

É bastante curioso notar como Tierney perde o filme em seu avançar, se observamos as opções de fotografia do cineasta. Os tons claros se tornam mais escuros, aumentam as cenas noturnas e a granulação diminui consideravelmente - como se relatasse na imagem os caminhos perigosos que a partir dali traçaria e traça. Todavia, é importante que se faça claro que a obra não chega a se tornar uma lástima – há um eco de vida em Twist. Notar a capacidade de olhar para a vida narrada como algo vicioso e degenerativo, sem o cinismo de um apedrejador de seres humanos, é algo de valor. Se o filme se deixa perder aos poucos não afasta de si um olhar diferente que tenta surgir num discurso perigoso. Se fica algum interesse de acompanhar os caminhos futuros do cineasta, também é uma pena que só alguns momentos isolados realmente tenham grande valor desta vez.

Guilherme Martins