Uma
inevitável nostalgia brota da tela ao vermos
Torremolinos 73. Mesmo para os que não
viveram em sua plenitude a década de 70, essa
sensação apresenta a equivalência
de um sentimento despertado pela recuperação
de um objeto sentimentalmente valioso. Esse objeto nos
faz reviver imagens e experiências que possuem
a sua beleza precisamente por serem algo que ficou para
trás nas gavetas empoeiradas da memória.
Essas gavetas, então, são esporadicamente
limpas pela evocação de símbolos
e imagens que marcaram determinadas épocas e
períodos de nossas vidas, ou até mesmo
dos que nós, por motivos cronológicos
de nascimento, não tivemos a oportunidade de
experimentar. Assim, ao vermos a reprodução
impecável de uma década tão rica
cultural e iconograficamente, através não
apenas de seus veículos e figurinos mas também
por intermédio de sua atmosfera rigorosamente
capturada, somos invadidos por um prazer que poucos
filmes são capazes de nos proporcionar. No entanto,
essa beleza visual e nostálgica, de tom sépia
e sem brilho que emula muitos filmes do período
(temos seqüências inteiras que parecem terem
sido extraídas diretamente da década de
70) não sustenta a fragilidade da obra, que se
torna patente principalmente em seu final.
O argumento, que por incrível que pareça
foi bolado a partir de um fato real, conta-nos a história
de um vendedor de enciclopédias que há
15 anos vem exercendo o seu enfadonho e monótono
ofício. Sua esposa, uma depiladora, experimenta
em seu cotidiano o mesmo tédio e repetição
em seu ambiente de trabalho. Eis que surge algo capaz
de modificar a precária condição
econômica e a vida "sem sal" do casal.
Esse agente transformador é o sexo (agora remunerado)
e especialmente, o sexo através do cinema. Nesse
caso há uma dupla descoberta, a de potencializar
o prazer sexual e desvendar novas possibilidades em
sua execução através da participação
de um novo instrumento (no caso, a câmera) e a
descoberta mais reveladora e principal: o cinema.
Devido a uma proposição do destino, um
simples vendedor de enciclopédias se enxerga
dentro de um mundo novo. Incrivelmente grandioso e fascinante,
o universo da técnica e da história do
cinema o envolve da cabeça aos pés. Agora,
ele respira um ar que antes não conhecia, acoplando
de forma automática e transformadora o cinema
à sua vida. Sem dúvida essa é a
passagem mais interessante do filme: as seqüências
que ilustram o aprendizado de um novo meio de se expressar
e a força lúdica que esse ato emana são
tratadas e decupadas de maneira eficiente. Aqui, como
sexo e cinema estão juntos, o grau de comicidade
almejado é enfim alcançado. Da mesma forma
que a cena em que o protagonista é obrigado a
mostrar os filmes pornôs estrelados por ele e
sua esposa ao patrão não deixa de ser
consideravelmente engraçada. Formas de humor
que nos dias de hoje são taxadas de politicamente
incorretas como brincar com estereótipos de um
grupo seja ele religioso ou nacional, são utilizados
aqui como uma de suas chaves fundamentais. Os principais
símbolos e clichês do cinema escandinavo
(principalmente sueco) são invocados: filmes
pornôs e Ingmar Bergman. A maneira que o cineasta
sueco utiliza para ensinar o ex-vendedor a realizar
"filmes de sacanagem" é justamente
citar frases filosóficas do diretor de Morangos
Silvestres.
A introdução e o desenrolar do dilema
enfrentado pelo protagonista (fazer ou não filmes
pornográficos com a esposa) marcam de maneira
positiva a primeira parte de Torremolinos 73.
Paralelamente a essa situação, surge o
conflito ocasionado pelo embate do desejo desesperado
da esposa em ter filhos versus a esterilidade do marido.
Esse enxerto dramático, completamente frágil
e mal esboçado, nos faz crer que a sua construção
foi apenas realizada para preencher um espaço
que se entendeu que não poderia permanecer vazio.
Desse modo, vemos uma idéia central inegavelmente
original e repleta de possibilidades ser acrescida de
um motor dramático sem óleo, ou seja,
sem força. Até mesmo as piadas, que antes
tinham o seu valor pela novidade, na segunda parte de
Torremolinos são simplesmente repetidas.
O segmento inteiro das filmagens do hotel é um
arremedo de uma de suas qualidades: o deboche a persona
artística de Ingmar Bergman. O Sétimo
selo, em sua versão pornô-trash
filmado á beira da piscina, nos faz pensar afinal
se o começo do filme era realmente bom. Com isso,
temos a constatação de que, suas qualidades
misturadas aos seus seguidos defeitos, colocam o filme
na classificação de mediano.
Estevão Garcia
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