TORREMOLINOS 73
Pablo Berger, Torremolinos 73, Espanha/Dinamarca, 2003

Uma inevitável nostalgia brota da tela ao vermos Torremolinos 73. Mesmo para os que não viveram em sua plenitude a década de 70, essa sensação apresenta a equivalência de um sentimento despertado pela recuperação de um objeto sentimentalmente valioso. Esse objeto nos faz reviver imagens e experiências que possuem a sua beleza precisamente por serem algo que ficou para trás nas gavetas empoeiradas da memória. Essas gavetas, então, são esporadicamente limpas pela evocação de símbolos e imagens que marcaram determinadas épocas e períodos de nossas vidas, ou até mesmo dos que nós, por motivos cronológicos de nascimento, não tivemos a oportunidade de experimentar. Assim, ao vermos a reprodução impecável de uma década tão rica cultural e iconograficamente, através não apenas de seus veículos e figurinos mas também por intermédio de sua atmosfera rigorosamente capturada, somos invadidos por um prazer que poucos filmes são capazes de nos proporcionar. No entanto, essa beleza visual e nostálgica, de tom sépia e sem brilho que emula muitos filmes do período (temos seqüências inteiras que parecem terem sido extraídas diretamente da década de 70) não sustenta a fragilidade da obra, que se torna patente principalmente em seu final.

O argumento, que por incrível que pareça foi bolado a partir de um fato real, conta-nos a história de um vendedor de enciclopédias que há 15 anos vem exercendo o seu enfadonho e monótono ofício. Sua esposa, uma depiladora, experimenta em seu cotidiano o mesmo tédio e repetição em seu ambiente de trabalho. Eis que surge algo capaz de modificar a precária condição econômica e a vida "sem sal" do casal. Esse agente transformador é o sexo (agora remunerado) e especialmente, o sexo através do cinema. Nesse caso há uma dupla descoberta, a de potencializar o prazer sexual e desvendar novas possibilidades em sua execução através da participação de um novo instrumento (no caso, a câmera) e a descoberta mais reveladora e principal: o cinema.

Devido a uma proposição do destino, um simples vendedor de enciclopédias se enxerga dentro de um mundo novo. Incrivelmente grandioso e fascinante, o universo da técnica e da história do cinema o envolve da cabeça aos pés. Agora, ele respira um ar que antes não conhecia, acoplando de forma automática e transformadora o cinema à sua vida. Sem dúvida essa é a passagem mais interessante do filme: as seqüências que ilustram o aprendizado de um novo meio de se expressar e a força lúdica que esse ato emana são tratadas e decupadas de maneira eficiente. Aqui, como sexo e cinema estão juntos, o grau de comicidade almejado é enfim alcançado. Da mesma forma que a cena em que o protagonista é obrigado a mostrar os filmes pornôs estrelados por ele e sua esposa ao patrão não deixa de ser consideravelmente engraçada. Formas de humor que nos dias de hoje são taxadas de politicamente incorretas como brincar com estereótipos de um grupo seja ele religioso ou nacional, são utilizados aqui como uma de suas chaves fundamentais. Os principais símbolos e clichês do cinema escandinavo (principalmente sueco) são invocados: filmes pornôs e Ingmar Bergman. A maneira que o cineasta sueco utiliza para ensinar o ex-vendedor a realizar "filmes de sacanagem" é justamente citar frases filosóficas do diretor de Morangos Silvestres.

A introdução e o desenrolar do dilema enfrentado pelo protagonista (fazer ou não filmes pornográficos com a esposa) marcam de maneira positiva a primeira parte de Torremolinos 73. Paralelamente a essa situação, surge o conflito ocasionado pelo embate do desejo desesperado da esposa em ter filhos versus a esterilidade do marido. Esse enxerto dramático, completamente frágil e mal esboçado, nos faz crer que a sua construção foi apenas realizada para preencher um espaço que se entendeu que não poderia permanecer vazio. Desse modo, vemos uma idéia central inegavelmente original e repleta de possibilidades ser acrescida de um motor dramático sem óleo, ou seja, sem força. Até mesmo as piadas, que antes tinham o seu valor pela novidade, na segunda parte de Torremolinos são simplesmente repetidas. O segmento inteiro das filmagens do hotel é um arremedo de uma de suas qualidades: o deboche a persona artística de Ingmar Bergman. O Sétimo selo, em sua versão pornô-trash filmado á beira da piscina, nos faz pensar afinal se o começo do filme era realmente bom. Com isso, temos a constatação de que, suas qualidades misturadas aos seus seguidos defeitos, colocam o filme na classificação de mediano.


Estevão Garcia