A estréia na direção do holandês
Pieter Jan Brugge, funcionário desde os anos 80 dos
estúdios de Hollywood (dentro dos quais produziu, por
exemplo, O Dossiê Pelicano e O Informante),
estrutura-se sobre uma montagem paralela. Cada um dos
dois blocos narrativos produz um filme razoavelmente
distinto. Em um segmento mais vinculado ao suspense,
vemos a relação entre um seqüestrador (Willem Dafoe)
e seu refém (Robert Redford), cujas conversas são centradas
em revelações emocionais-biográficas e em um embate
psicológico, no qual o criminoso parece o mais tenso,
embora trate a vítima com cordialidade (dentro dos limites
de um seqüestro). Não se trata de um thriller de trama,
neste caso, mas de um thriller de motivações: não importa
quem é o criminoso, ou como chegar a ele, mas sim tatear
suas razões e objetivos. Já o outro segmento concentra-se
na reação da esposa do refém (Hellen Mirren), que, mesmo
sabendo estar o marido na mira de uma arma e mesmo ciente
de uma falta do companheiro (o prolongamento de um caso
extra-conjugal que ele dizia ter encerrado tempos atrás),
tenta manter o fluxo da vida em família dentro dos eixos.
Na primeira linha condutora, embora o bandido seja humanizado
ao discorrer sobre sua condição de rejeitado pelo sistema
e deixar transparecer o ressentimento diante do êxito
material do outro, a vítima ergue-se como herói. Na
ambientação doméstica, conduzida pela esposa, a operação
é inflacionada, pois, amante à parte, todos só têm elogios
ao figurão seqüestrado, homem cheio de qualidades, mas
torto como qualquer um. De qualquer forma, o tiro sai
pela culatra: a mitificação do herói maculado não impede
o seqüestrador de se tornar o melhor dos personagens,
justamente porque, ao se impedir sua total decifração,
para não relativizá-lo demais, e evitar a possibilidade
de uma legitimação do confronto de classes (condenado,
em última instância, pelo roteiro), sua figura é mantida
protegida sob uma nuvem de mistério. Jamais saberemos
tudo sobre ele - nem mesmo se ele diz a verdade. Um
é todo certeza, o outro, cercado de dúvidas.
Já as opções de luz e enquadramento de Pieter Jan Brugge
nos levam à desconfiança de que ele entregou a direção
a um estagiário de assistente (sem com isso querer ofender
os estagiários de assistentes) – ou é o próprio diretor
um profissional com criatividade zero em sua atividade
de criador de cenas. Com uma fotografia inexplicavelmente
chapada, a câmera sempre colocada em lugares decididos
por algum piloto automático, com escolhas de posicionamento
do olhar no espaço físico aleatórias e sem nenhuma noção
ou ambição de composição dos corpos e objetos no ambiente,
a direção parece perseguir uma ausência total de personalidade
autoral ou de artesanato dentro das convenções, limitando-se
a produzir alguma energia em uma seqüência na qual o
pagamento do resgate é feito em um lugar ermo. Pouco
demais.
Cléber Eduardo
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