REFÉM DE UMA VIDA
Pieter Jan Brugge, The clearing, EUA/Alemanha, 2004

A estréia na direção do holandês Pieter Jan Brugge, funcionário desde os anos 80 dos estúdios de Hollywood (dentro dos quais produziu, por exemplo, O Dossiê Pelicano e O Informante), estrutura-se sobre uma montagem paralela. Cada um dos dois blocos narrativos produz um filme razoavelmente distinto. Em um segmento mais vinculado ao suspense, vemos a relação entre um seqüestrador (Willem Dafoe) e seu refém (Robert Redford), cujas conversas são centradas em revelações emocionais-biográficas e em um embate psicológico, no qual o criminoso parece o mais tenso, embora trate a vítima com cordialidade (dentro dos limites de um seqüestro). Não se trata de um thriller de trama, neste caso, mas de um thriller de motivações: não importa quem é o criminoso, ou como chegar a ele, mas sim tatear suas razões e objetivos. Já o outro segmento concentra-se na reação da esposa do refém (Hellen Mirren), que, mesmo sabendo estar o marido na mira de uma arma e mesmo ciente de uma falta do companheiro (o prolongamento de um caso extra-conjugal que ele dizia ter encerrado tempos atrás), tenta manter o fluxo da vida em família dentro dos eixos.

Na primeira linha condutora, embora o bandido seja humanizado ao discorrer sobre sua condição de rejeitado pelo sistema e deixar transparecer o ressentimento diante do êxito material do outro, a vítima ergue-se como herói. Na ambientação doméstica, conduzida pela esposa, a operação é inflacionada, pois, amante à parte, todos só têm elogios ao figurão seqüestrado, homem cheio de qualidades, mas torto como qualquer um. De qualquer forma, o tiro sai pela culatra: a mitificação do herói maculado não impede o seqüestrador de se tornar o melhor dos personagens, justamente porque, ao se impedir sua total decifração, para não relativizá-lo demais, e evitar a possibilidade de uma legitimação do confronto de classes (condenado, em última instância, pelo roteiro), sua figura é mantida protegida sob uma nuvem de mistério. Jamais saberemos tudo sobre ele - nem mesmo se ele diz a verdade. Um é todo certeza, o outro, cercado de dúvidas.

Já as opções de luz e enquadramento de Pieter Jan Brugge nos levam à desconfiança de que ele entregou a direção a um estagiário de assistente (sem com isso querer ofender os estagiários de assistentes) – ou é o próprio diretor um profissional com criatividade zero em sua atividade de criador de cenas. Com uma fotografia inexplicavelmente chapada, a câmera sempre colocada em lugares decididos por algum piloto automático, com escolhas de posicionamento do olhar no espaço físico aleatórias e sem nenhuma noção ou ambição de composição dos corpos e objetos no ambiente, a direção parece perseguir uma ausência total de personalidade autoral ou de artesanato dentro das convenções, limitando-se a produzir alguma energia em uma seqüência na qual o pagamento do resgate é feito em um lugar ermo. Pouco demais.

Cléber Eduardo