Há uma porção de cineastas com
tendências a “investigadores de terras estrangeiras”
em atividade - desde Walter Salles à Lars Von Trier.
Estas investigações-obsessões se dão de muitas formas,
positivas ou não – e dentro delas a obsessão de Wim
Wenders pela América é algo que de tão caduco, pode
gerar algum estudo.
Dentro da obra de Wenders, dos tempos de O Amigo Americano e O Estado das Coisas à fase atual de O Fim da Violência, não é difícil notar como este Terra da Fartura é um fechamento crucial
e assustador de um discurso que o cineasta vem pregando
já há algum tempo. Wenders realiza a verdadeira morte
do subtexto: suas capacidades se esgotaram a tal ponto
que a encenação do filme é tratada como um empecilho
e não um meio pelo cineasta.
Wenders se tornou de tal forma o cineasta sem pátria, que suas tentativas de se auto-justificar como
tal na tela (como quando mostra o árabe dizendo que
pertence às pessoas, ou a protagonista se sentindo uma
estrangeira dentro do próprio país) o tornaram completamente
incapaz de articular-se dentro de um panorama contemporâneo
político. A maneira pela qual joga em cena uma jovem
americana idealista, que vivera boa parte de sua vida
afastada de seu país retornando, e entrando em choque
com a realidade escondida dos noticiários só não é mais
assustadora do que a forma como apresenta o velho veterano
de guerra, seu outro protagonista - um sujeito que se
tornou obcecado pela paranóia americana pós-11/9, e
passa seus dias numa van na procura de suspeitos árabes
para o governo.
Wenders se implode ao ser incapaz de colocar em cena
um mínimo de dúvida – além de só filmar certezas, as
faz soarem um tanto covardes. Há espaço de sobra para
personagens abaixarem a cabeça e zero de interesse de
se pensar uma mudança. Enquanto Michelle Williams (a
jovem) se surpreende com a quantidade de pessoas que
passam dificuldades nos EUA, John Diehl (o tio paranóico),
se perde pela cidade com seu veículo-tanque, na busca
de reencontrar as glórias de seu país. Terra
da Fartura é assim assustador, não por uma realidade
que pretende a única possível, mas pela forma em que
a mostra e pelas escolhas que impõe às pessoas que retrata
perante o que mostra, Mas, acima de tudo, pelo reflexo
de uma incompetência assustadora por parte de um cineasta
que um dia fez filmes de muita força - mas que exibe
uma quase total falência de um mínimo de habilidade
enquanto criador de cinema.
O discurso bisonho do cineasta tem ápice em três momentos
terríveis: John Diehl entrando numa lixeira para buscar
provas de uma de suas paranóias e sendo interrompido
pelo toque de seu celular (o hino americano); tio e
sobrinha se reconciliando, enfim, e para tal tendo que
relatar o dia de seus horrores, ele na guerra do Vietnã,
ela no dia dos atentados de 11/9; e acima de tudo, a
cena em que Diehl, perseguindo um grupo de suspeitos,
acaba na casa de uma velha que lhe pede que troque o
canal da TV pois já não pode mais suportar aquilo: um
discurso de Bush. Os heróis de Wenders são pessoas que,
ao verem uma notícia ruim na TV, trocam de canal.
O que nos leva mais uma vez, então, à falência cinematográfica
de Wenders: incapaz de articular em cena seu discurso
sem que este soe grosseiro – as cenas mais importantes
para fazer claras suas intenções chegam com a sutileza
uma furadeira. Sua construção de um painel dos EUA pós-9/11
seria muitíssimo problemática já por estas suas idéias,
mas se torna vergonhosa quando vemos a forma em que
a põe em cena - nada pode se salvar quando filmado desta
forma. Resta, ao fim de Terra
da Fartura,
a verdadeira e amarga realidade: Win Wenders se tornou
um velho gagá. Fim de linha.
Guilherme Martins
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