TEMPORADA DE PATOS
Fernando Eimbcke, Temporada de patos, México, 2004

Dentro da safra recente do cinema latino-americano, não deixa de ser curioso notar como um Temporada de Patos possa surgir como uma espécie de destaque, ainda que de mais interesse que qualidade. Fernando Eimbcke trabalha com códigos pouco usados e incomuns aos filmes mais recentes, passando ao largo de tramas sociais e/ou estudos formais vigorosos, fazendo de sua forma um reflexo de um cinema para além de fronteiras, importando menos suas raízes e mais o cinema - o que já lhe faz um objeto de interesse pra lá de válido.

O cineasta agradece ao fim do filme à Yasujiro Ozu e Jim Jarmusch, e apesar de propôr uma idéia de cotidiano como base narrativa, é ao segundo cineasta que boa parte da estrutura formal se refere. Construído entre diversos fades que separam situações cômicas (de humor curioso e irregular), o filme acompanha um dia de quatro personagens, que acabam por viver situações diversas dentro do apartamento de um deles. O uso do fade em qualquer obra exige todo um estudo sobre o corte dos planos, e Jarmusch, a quem Eimbcke deve tanto de seu cinema, foi dentro do cinema contemporâneo um dos exímios usuários desta ferramenta. Em Temporada de Patos temos um bom exemplo das dificuldades estruturais que esta opção pode causar a um filme, quando não necessariamente bem pensada. Não que os fades apenas sejam o que emperre o filme, mas é onde se inicia um processo falho da obra.

Autêntico caso de obra um tanto esquizofrênica, o filme alterna boas idéias com uma porção de cenas caídas, frouxas. O personagem do entregador de pizza talvez seja o mais equivocado - mas isso não muda o fato também de que o filme fica um bocado melhor após sua chegada no apartamento, trazendo um humor menos óbvio do que o até ali empregado. Há dois momentos em particular que valem destaque: as seqüências entre um dos meninos e a garota, na cozinha; e a seqüência onde o outro menino saca uma espingarda e começa a destruir os bens por que seus pais brigavam. Ambos os momentos são tocados com um humor acertado, ainda que intercalados por seqüências bem menos eficientes.

A fotografia em preto e branco talvez seja, dos atos de referência do filme, a mais bem utilizada, remetendo mais uma vez às obras dos cineastas a quem presta tributo, mas com um uso mais interessante, já que mais bem pensado na relação do material com suas próprias referências. Pena que Eimbcke seja tão irregular até mesmo em seus melhores momentos, incapaz de dar ao filme e seus personagens qualquer motivação que vá para além de um conformismo de quem parece desconhecer o conceito de aceitação. Todavia, ainda é um filme a ver.

Guilherme Martins