Dentro da safra recente do cinema
latino-americano, não deixa de ser curioso notar como
um Temporada de Patos possa surgir como uma espécie
de destaque, ainda que de mais interesse que qualidade.
Fernando Eimbcke trabalha com códigos pouco usados e
incomuns aos filmes mais recentes, passando ao largo
de tramas sociais e/ou estudos formais vigorosos, fazendo
de sua forma um reflexo de um cinema para além de fronteiras,
importando menos suas raízes e mais o cinema - o que
já lhe faz um objeto de interesse pra lá de válido.
O cineasta agradece ao fim do filme à Yasujiro Ozu e
Jim Jarmusch, e apesar de propôr uma idéia de cotidiano
como base narrativa, é ao segundo cineasta que boa parte
da estrutura formal se refere. Construído entre diversos
fades que separam situações cômicas (de humor
curioso e irregular), o filme acompanha um dia de quatro
personagens, que acabam por viver situações diversas
dentro do apartamento de um deles. O uso do fade
em qualquer obra exige todo um estudo sobre o corte
dos planos, e Jarmusch, a quem Eimbcke deve tanto de
seu cinema, foi dentro do cinema contemporâneo um dos
exímios usuários desta ferramenta. Em Temporada de
Patos temos um bom exemplo das dificuldades estruturais
que esta opção pode causar a um filme, quando não necessariamente
bem pensada. Não que os fades apenas sejam o
que emperre o filme, mas é onde se inicia um processo
falho da obra.
Autêntico caso de obra um tanto esquizofrênica, o filme
alterna boas idéias com uma porção de cenas caídas,
frouxas. O personagem do entregador de pizza talvez
seja o mais equivocado - mas isso não muda o fato também
de que o filme fica um bocado melhor após sua chegada
no apartamento, trazendo um humor menos óbvio do que
o até ali empregado. Há dois momentos em particular
que valem destaque: as seqüências entre um dos meninos
e a garota, na cozinha; e a seqüência onde o outro menino
saca uma espingarda e começa a destruir os bens por
que seus pais brigavam. Ambos os momentos são tocados
com um humor acertado, ainda que intercalados por seqüências
bem menos eficientes.
A fotografia em preto e branco talvez seja, dos atos
de referência do filme, a mais bem utilizada, remetendo
mais uma vez às obras dos cineastas a quem presta tributo,
mas com um uso mais interessante, já que mais bem pensado
na relação do material com suas próprias referências.
Pena que Eimbcke seja tão irregular até mesmo em seus
melhores momentos, incapaz de dar ao filme e seus personagens
qualquer motivação que vá para além de um conformismo
de quem parece desconhecer o conceito de aceitação.
Todavia, ainda é um filme a ver.
Guilherme Martins
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